Os novos caras-pintadas
Os obstáculos sugerem que o movimento popular deva procurar se estruturar em torno de objetivos bem definidos, e estabelecer linhas de ação que lhe permitam impactar diretamente o processo político
Os protestos contra a corrupção ocorridos simultaneamente em Brasília, São Paulo e outras capitais em pleno 7 de Setembro, dia em que o Brasil comemora seu nascimento como nação, deixaram no ar uma esperança, uma certeza e inúmeras perguntas. A esperança é de que este não seja o ápice, mas apenas o começo de uma grande mobilização nacional, de caráter cívico e apartidário, capaz de unir o povo brasileiro para além da diversidade cultural, ideológica e econômica, em torno de uma causa justa e comum.
A certeza é de que a Marcha Nacional contra a Corrupção surpreendeu quem esperava menos. Ao colocar 25 mil manifestantes nas ruas de Brasília, o protesto mostrou que existe muita gente no Brasil que não se contenta em reclamar da corrupção e da impunidade, mas busca formas legítimas de se organizar para pressionar as autoridades e exigir mudanças. As perguntas são quanto ao alcance imediato do movimento e suas possíveis implicações futuras.
O caráter genérico do protesto fortalece todos aqueles que, no âmbito dos três poderes e em todos os níveis de governo, batem-se por práticas honestas e pelo uso correto do dinheiro público. Por extensão, uma das consequências previsíveis é um respaldo maior para os setores do governo, do PT e da bancada governista que veem com bons olhos a "faxina" realizada em alguns ministérios, contra aqueles que acham que a presidente Dilma precisa contemporizar. A equação da governabilidade, que tem sido preocupação constante desde o início do atual governo, não exclui um posicionamento maduro, claro e bem verbalizado da população, cuja abstinência política é condição primeira para um eventual isolamento da presidente.
Outras possíveis repercussões dependerão dos caminhos trilhados a partir daqui pelo movimento popular, que não pode viver só de passeatas, mesmo porque isso tende a cansar com o tempo. A história recente do Brasil mostra que buzinaços e caras-pintadas (inseridos, obviamente, numa conjuntura mais ampla) podem até ajudar a derrubar um presidente, mas não são o bastante para sanear a vida pública.
A política brasileira manteve índices vergonhosos de corrupção depois da queda de Fernando Collor e, de certa maneira, tornou-se até mais impudica, já que a sociedade não foi capaz de se articular para combater de frente os corruptos, por seus próprios meios. Tentativas de forçar soluções institucionais, como o projeto de lei de iniciativa popular que deu origem à Lei da Ficha Limpa - assim como propostas gestadas no seio do Congresso, como o projeto de lei complementar em tramitação no Senado, que define a corrupção como crime hediondo -, enfrentam a resistência dos políticos, que cada vez mais se assumem corporativistas e fisiológicos.
Os obstáculos sugerem que o movimento popular deva procurar se estruturar em torno de objetivos bem definidos, e estabelecer linhas de ação que lhe permitam impactar diretamente o processo político e eleitoral. Uma estratégia ao alcance de todos é aquela adotada por portais como "Transparência Brasil" e "Congresso em Foco", que reúnem informações sobre os candidatos, analisam sua atuação parlamentar e fazem o inventário de processos cíveis e criminais em que estejam envolvidos. A capacidade de ajudar o eleitor a separar o joio do trigo é uma virtude ainda pouco explorada da internet, que pode ter grande influência nas urnas, à medida em que as informações sejam replicadas infinitas vezes e que um público significativo tenha acesso a elas.
Protestar é preciso e os brasileiros precisam deixar claro, nas praças e nas ruas, que não toleram a corrupção. Mas cabe-lhes também assumir formas de atuação política que vão além dos protestos. O desafio é grande, mas os instrumentos estão à mão e o que não falta, como se viu pelos acontecimentos de quarta-feira, é gente disposta a participar. Talvez o futuro reserve boas surpresas para quem torce pelo Brasil.
(Notícia publicada na edição de 09/09/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A)
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