O anarquismo designa as doutrinas políticas e filosóficas que defendem a liberdade absoluta e recusam totalmente a autoridade, qualquer que seja a forma que esta assuma. O anarquismo crê que a ausência de governos não provocaria o caos, mas sim uma ordem harmoniosa em que cada um contribuiria espontaneamente para o bem de todos. É visível nesta crença a imagem de um homem livre e bom por natureza descrita por Rousseau.
Ao longo da História, têm sido identificadas três correntes principais de anarquismo, por vezes contraditórias entre si: o anarquismo cristão, que se desenvolveu sob a batuta de Tolstoi na Rússia dos czares; o anarquismo individualista desenvolvido pelo filósofo Max Stirner autor de Unique et Sa Propriété (1845), que se baseia no vigor antiautoritário do indivíduo e concebe a sociedade como um conjunto de pequenos produtores autossuficientes; e o anarquismo coletivista, desenvolvido sobretudo por Mikhail Bakunine, que proclama a sociedade como uma federação de associações livres de trabalhadores. P. Kropotkin desenvolveu e sistematizou as ideias do coletivismo anarquista Ainda que este terceiro tipo de anarquismo seja devedor da ideologia comunista e que todo o anarquismo aponte para movimentos revolucionários, os anarquistas criticam o marxismo, acusando a sua organização revolucionária de conter a semente para a formação de uma nova classe dominante composta pelos funcionários do partido e do estado.
O teórico incontestado do socialismo anarquista foi Pierre Joseph Proudhon, para quem todo o controlo do homem sobre o homem era sinónimo de escravidão, e que defendia uma organização social baseada no mutualismo, na solidariedade e na livre associação.
Mikhail Bakunine
Ativista revolucionário e escritor russo, nascido em 1814 e falecido em 1876, Mikhail Aleksandrovitch Bakunine foi o principal propagador do anarquismo no século XIX, percorrendo vários países europeus. Ao associar as ideias libertárias ao movimento operário, lançou as bases do anarco-sindicalismo. As suas divergências ideológicas com Karl Marx provocaram uma cisão na Internacional Socialista, com a sua própria expulsão.
Leão Tolstoi
O conde Lev Nikolaievitch Tolstoi nasceu a 28 de agosto de 1828, em Isnaia Poliana, na Rússia central. Os seu pais pertenciam a famílias distintas da nobreza russa. Órfão bastante cedo, é colocado com os seus irmãos sob a tutela de familiares. Sentindo necessidade de uma vida regrada, segue a carreira militar, o que não o impede de publicar várias narrativas autobiográficas. Infância, o seu primeiro trabalho, aparece na revista O Contemporâneo, em 1852. Seguem-se Adolescência (1854) e Juventude (1855). Entre 1852 e 1856 publica igualmente narrativas sobre as suas experiências militares. Estas novelas trazem-lhe a celebridade. Defende os valores da autenticidade, do natural, presentes na vida dos camponeses, em oposição aos valores artificiais das classes privilegiadas. Posiciona-se como um liberal moderado, o que não o impede de se colocar a favor da abolição da servidão dos camponeses e desenvolve mesmo métodos pedagógicos de educação popular. Em 1862 casa-se com Sofia Andreevna Bers e instala-se na sua propriedade em Isnaia Poliana. Termina Os Cossacos em 1863 e nesse mesmo ano inicia o projeto de Guerra e Paz (1863-69). Para o autor, não são os grandes nomes que fazem a História e que comandam os acontecimentos; é ao povo, enquanto guardião da verdade e fiel aos seus instintos, que compete representar o papel principal no desenrolar dos factos históricos. O romance Ana Karenine (1873-77) relata o amor trágico de uma mulher sob fundo de emancipação feminina e de mudanças sociais profundas. Nos anos seguintes, uma grave crise moral e psicológica, relatada no ensaio Confissão (1879), leva-o a encetar uma busca da essência da mensagem espiritual, resumida nos princípios cristãos de amor a Deus e ao próximo. A rutura com a Igreja será irreversível em 1901, com a sua excomunhão, o que não deixa de o tornar popular entre a juventude intelectual. Entretanto, nos últimos romances, a condição humana é analisada através de uma lucidez sombria; o ser humano só pode resgatar-se pela conversão espiritual. A Morte de Ivan Ilitch (1886), A Sonata a Kreutzer (1890), Ressurreição (1889-99) e Hadji Mourat (1890-1904) fazem parte deste período. Escreve igualmente ensaios em que condena as sociedades modernas baseadas na procura do supérfluo e evidencia uma exigência moral que resultará num conflito interior extremo. É alvo de todas as atenções quando apenas procura a simplicidade e a renúncia. A sua autoridade, a celebridade que conquistou, tornam-se um obstáculo à sua questa espiritual. Em fuga, acaba por encontrar a morte a 7 de novembro de 1910, na estação de caminhos de ferro de Astapovo.
Max Stirner
A principal obra de Stirner, O único e sua propriedade, apareceu pela primeira vez em Leipzig em 1844. O desenvolvimento de sua filosofia, no entanto, poderia ser relacionado a uma série de artigos que apareceram pouco antes desta obra central, mais especificamente O falso princípio de nossa educação e Arte e religião.
Em O único e sua propriedade, Stirner faz uma crítica radicalmente anti-autoritária e individualista da sociedade prussiana contemporânea bem como à tão citada modernidade da sociedade ocidental. Oferece ainda um vislumbre da existência humana que descreve o ego como uma não-entidade criativa além da linguagem e da realidade, ao contrário do que pregava boa parte da tradição filosófica ocidental.
Em suma, o livro proclama que todas as religiões e ideologias se assentam em conceitos vazios, que, após solapados pelos interesses pessoais (i.e. egoístas) dos indivíduos, revelam sua invalidade. O mesmo é válido às instituições sociais que sustentam estes conceitos, seja o estado, a legislação, igreja, o sistema educacional, ou outra instituição que reclame autoridade sobre o indivíduo.
A argumentação de Stirner explora e extende os limites da crítica hegeliana que o autor dirige especialmente a seus contemporâneos (principalmente a seus colegas jovens hegelianos, mais ainda Ludwig Feuerbach) seguidores de ideologias populares, tais como nacionalismo, estadismo, liberalismo, socialismo, comunismo e humanismo.
Errico Malatesta
Santa Maria Capua Vetere, Itália, 14 de dezembro de 1853 - Roma, Itália, 22 de julho de 1932) foi um anarquista italiano
Filho de uma família abastada do sul da Itália, o estudante de medicina ingressou na Primeira Internacional e sofreu a influência pessoal de Bakunin. Abandonou a profissão para dedicar os últimos sessenta anos de sua vida à agitação anarquista, tanto em sua terra natal, a Itália, quanto em países tão distantes e tão diferentes entre si quanto a Turquia e a Argentina. Participou de insurreições na Bélgica, Espanha e Itália.
Totalmente absorvido pela ação ativista e tendo que ganhar a vida como eletricista, não chegou a escrever nenhuma obra importante mas seus artigos e panfletos estão entre o que de melhor existe na literatura anarquista.
Passou os últimos anos de sua vida na Itália e, durante o regime fascista, foi mantido sob prisão domiciliar. Tal era o medo que inspirava às autoridades da época que, ao morrer, seu corpo foi jogado numa vala comum para impedir que seu túmulo se transforma-se num símbolo e no ponto de partida para as agitações dos dissidentes.
Piotr Alexeevich
Seu pai, Príncipe de Smolensk, Alexei Petrovich Kropotkin, afirmava pertencer a antiga casa real de Rurik que governara Moscou antes dos Romanov. Sua mãe, Yekaterina Nikolaevna Sulima, filha de um general do exército russo, tinha dotes artísticos (gostava de ler, escrever e pintar) e inclinações pelos ideais liberais.
Na infância, época em que viveu numa casa de campo em Kaluga, teve contato com leituras de Pushkin, Nekrasov, Chernyshevsky (jornalista radical), tudo graças a tutores que cuidaram de sua educação nesta época.
Com quinze anos foi matriculado no Corpo de Pagens, a mais exclusiva escola militar da Rússia czarista, por ordens do próprio Nicolau I, onde eram educados somente 150 garotos na sua maioria filhos da realeza palaciana. Nesta época, entre 1857 e 1861 Kropotkin viu florescer uma atividade intelectual forte em seu país e passou a receber influências da nova literatura liberal revolucionária. Demonstrou grande interesse pelos enciclopedistas franceses assim como pela história deste povo. Com o passar dos anos também dirigiu sua atenção às condições do campesinato russo.
Em 1862 foi promovido para o exército. Como membro do corpo de pagens tinha possibilidades de escolher o regimento o qual gostaria de servir, no que optou pelo dos Cossacos Siberianos no recém conquistado distrito de Amur. Lá tinha perpectivas de conseguir um cargo administrativo. Sua condição de Sargento da Corporação implicava em, por um ano, ter sido pagem pessoal do então czar, Alexandre II.
Na Sibéria fez vistorias aos cárceres e à situação dos condenados daquela divisa. As condições deploráveis e o descaso das autoridades impressionavam-no.
Sua reputação como geógrafo se deu em grande parte pelas viagens que realizou nesta época pelo oriente siberiano onde percorreu cerca de 50 mil milhas a fim de explorar um terreno ainda muito virgem. Fez observações e desenvolveu teorias sobre as estruturas das cadeias montanhosas e platos da Ásia Oriental. Contribuiu também para o conhecimento da história da Terra.
Kropotkin foi um dos principais anarquistas da Rússia e um dos defensores do que ele mesmo chamava de "comunismo libertário".
A base de tal concepção encontra-se na idéia de que o critério para o consumo (tanto de bens quanto de serviços) dos indivíduos não seja o trabalho, mas a necessidade. Kropotkin advogava assim um sistema de distribuição livre da produção, conceito este que está ligado ao raciocínio de que não é possível medir a contribuição isolada de um indivíduo na produção social, e que, portanto, uma vez realizada, toda ela deva ser desfrutada socialmente.
Kropotkin vê, socialista que é, a coletivização dos meios de produção como o objetivo da transformação social, mas, diferentemente de alguns, infere que a este fenômeno seguiriam como consequência inevitável a distribuição livre e a extinção de qualquer sistema de salários.
Pierre Proudhon
(15 de Janeiro de 1809, Besançon, França - 19 de Janeiro de 1865, Paris, França) foi um anarquista francês, o principal, no qual sua influência é sentida até os dias de hoje. Acabou sendo um dos que iniciaram a propor uma ciência da sociedade.Em seu ensaio Qu'est-ce que la propriété?, afirma « La propriété c'est le vol » (A propriedade é o roubo). Em seu livro Les confessions d'un révolutionnaire, ele afirma, entre outras coisas: « L'anarchie c'est l'ordre » (A anarquia é a ordem).Após tentar criar um banco para empréstimos sem juros, ele lança as bases de um sistema mutualista cujos princípios são ainda hoje aplicados nos serviços de seguro.
Começou a trabalhar cedo numa tipografia, pois era de origem humilde, onde acabou conhecendo Charles Fourier, que influenciou muito em suas idéias, além de conhecer liberais, socialistas e utópicos. Em 1838, já diplomado pela faculdade de Besançon, foi para Paris, onde em 1840 publicou Qu´est-ce que la propriéte? (Que é propriedade?). Nessa obra acaba se afirmando como anarquista, criticando a propriedade privada. Tinha em mente que quando se explorava a força de trabalho de um semelhante por semelhante, isso se definia como roubo. Além disso, destaca que cada pessoa deve comandar os meios de produção que está utilizando.
Em 1842 escreveu algumas teses chamadas Avertissement aux propriétaires (Advertência aos proprietários), onde acabou sendo absolvido do processo, pois os juízes admitiram nesse período não se acharem em competência de julgá-lo. Depois disso foi para Lyon, onde se empregou no comércio. Nesse período entra em contato com uma sociedade secreta, que formulava uma doutrina na qual um associação de trabalhadores da nascente indústria deveria administrar. Com isso acabaram por transformar as estruturas sociais, não pela atração econômica, mas pela revolução violenta.
Proudhon conheceu Marx em uma viagem que fez a Paris, além de outros revolucionários como Mikhail Bakunin. Em 1846 escreveu Système des contradictions économiques, ou philosophie de la misère (Sistemas de contradições econômicas ou filosofia da miséria), onde criticou o autoritarismo comunista e defendeu um estado centralizado. Marx acabou por dar uma resposta a Proudhon em 1847 com Misère de la philosophie (Miséria da filosofia). Participou em Paris sem convencer sobre a Revolução de 1848. De 1849 a 1852 ficou preso por causa de críticas direcionadas a Napoleão III. Nesse período escreveu Idée générale de la révolution au XIX siècle (1851) - Idéia geral de revolução no século XIX), que colocava uma visão de uma sociedade federalista numa perspetiva mundial, não tendo um governo central, mas em comunas e governadas por autogestão. Os comunistas acabaram por tachá-lo de reacionário, após falar sobre uma união entre proletários e burgueses.
Após publicar De la justice dans la révolution et dans l'église (1858) - A justiça na revolução e na igreja) passou a viver sempre vigiado pela polícia, o que o levou a se exilar em Bruxelas, pois esta obra era totalmente anticlerical. Em 1864 volta a Paris e publica Du Principe fédératif (Do princípio federativo), uma síntese de suas idéias políticas. Suas idéias se espalharam por toda a Europa, influenciando organizações de trabalhadores e dos mais fortes movimentos sindicais que se manifestaram na Rússia, Itália, Espanha e na França.
Idéias
As idéias de Proudhon, junto com as de Owen, eram opostas ao liberalismo, sendo a vertente das teorias socialistas, onde denunciam a organização econômica, governamental e educacional, prevendo a construção de sociedades cooperativas de produção. Tinha um pensamento mais utópico, pois Saint-Simon, da mesma vertente, se difere dos dois por elogiar a industrialização e o desenvolvimento do Estado. Marx e Engels foram os responsáveis por desenvolver ainda mais o socialismo científico, resultando em profundas idéias políticas. O pensamento de Proudhon, assim como de Fourier e Saint-Simon, era voltado para uma reorganização da sociedade, tendo como princípio de tudo a justiça. Essa justiça acabou sendo a harmonia social, mas também para o pensamento humano, até as próprias relações físicas.
Segundo Proudhon, o homem deveria abandonar sua atual condição econômica e moral, pois leva a desarmonia humana, nessa sujeição de homens feita pelos homens. A nova sociedade devia ser apoiada no mutualismo, pois seria uma cooperação livradas por associações, eliminando o poder coercitivo do Estado. Entende-se, também, o absolutismo do indivíduo, pois é responsável pela arbitrariedade e a injustiça. Para ele deveria ter tido uma continuação da revolução, já que tinha conseguido destruir o feudalismo. Nessa sociedade moderna deve existir uma resistência por parte dos indivíduos ao capitalismo (que começa a dar seus primeiros passos), pois seria o responsável pela criação da propriedade privada. Ele ainda defende a anarquia positiva, no qual descarta a Igreja e o Estado, assim acabará indo contra as idéias de Marx sobre o comunismo. Proudhon viu o comunismo como sendo algo utilizado para controlar os homens e eliminar a igualdade, pois são feitos concretos, fundados na liberdade, onde cada uma das partes tome seu interesse e o poder coercitivo do estado seja inútil.
Suas obras:
1840 - Qu'est ce que la propriéte? 1843 - De la création de l'ordre dans l'humanité, ou principes d'organisation politique 1846 - Système des contraditions économiques ou Philosophie de la misère' 1849 - Les Confessions d'un révolutionnaire 1852 - La révolution sociale 1853 - Philosophie du progrès 1858 - De la justice dans la révolution et dans l'église (em três volumes, segunda edição foi aumentada e foi publicada em 1860) 1861 - A guerra e a paz
Numa obra publicada após sua morte, De la capacité politique de la classe ouvrière (da capacidade política das classes operárias), mostra quais são as três condições segundo as quais o proletário pode ser visto como força política - quando tem consciência de sua dignidade, das posições que ocupa na sociedade - analisa e expõe suas condições. Depois disso faz um programa de ação política. Em uma revista ainda colaborou e ajudou a fundar.
1847 - Le représentant du peuple 1848 - Le peuple 1848 - La voix du peuple cada uma delas formada por 14 volumes, só publicada integralmente em 1875.
Bibliografia
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Slevin, Carl. "Anarchism." The Concise Oxford Dictionary of Politics. Ed. Iain McLean and Alistair McMillan. Oxford University Press, 2003.
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Andrew Vincent (2010) Modern Political Ideologies, 3rd edition, Oxford, Wiley-Blackwell p.129
Suissa, Judith (Setembro / outubro 2005). "Anarchy in the classroom". The New Humanist 120 (5).
Illich, Ivan. Deschooling Society. [S.l.]: Harper and Row, 1971. ISBN 0-06-012139-4
"Anarchism." The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 2007, p. 31.
Ted Honderich, Carmen García Trevijano, Oxford Enciclopedy of Philosophy.
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