terça-feira, 31 de maio de 2011

ANA, ERA UMA VEZ...

A raposa e o corvo

Um dia um corvo estava pousado no galho de uma árvore com um pedaço de queijo no bico quando passou uma raposa. Vendo o corvo com o queijo, a raposa logo começou a matutar um jeito de se apoderar do queijo. Com esta idéia na cabeça, foi para debaixo da árvore, olhou para cima e disse:
-Que pássaro magnífico avisto nessa árvore! Que beleza estonteante! Que cores maravilhosas! Será que ele tem uma voz suave para combinar com tanta beleza! Se tiver, não há dúvida de que deve ser proclamado rei dos pássaros.
Ouvindo aquilo o corvo ficou que era pura vaidade. Para mostrar à raposa que sabia cantar, abriu o bico e soltou um sonoro "Cróóó!" . O queijo veio abaixo, claro, e a raposa abocanhou ligeiro aquela delícia, dizendo:
-Olhe, meu senhor, estou vendo que voz o senhor tem. O que não tem é inteligência!

Cuidado com quem muito elogia.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

REVISÃOZÃO: NOVA REPÚBLICA.

 JOSÉ SARNEY (1985 a 1990)
- PMDB.
- assume com a morte de Tancredo Neves;
- inseguro e desarticulado politicamente;
- forte pressão da sociedade;
- em 1985, ocorreram entre 400 e 500 greves, fortalecendo os sindicatos;
- em novembro de 1985, eleições em todas as capitais, derrota do PMDB e PFL;
- Plano de Estabilização Econômica:
• Plano Cruzado (Dílson Funaro);
• congelamento de mercadorias, salários, corte nos investimentos governamentais;
• “tablita” e “fiscais do Sarney”.
- vitória do MDB, nas eleições de 1986;
- pressão da FIESP;
• surgem as mercadorias maquiadas e o ágio.
- demissões em massa;
- Plano de Metas:
• empréstimo compulsório sobre combustíveis, viagens ao exterior, compra do dólar e carros novos.
- com a vitória maciça do MDB, em 86, descongelamento de preço, volta da inflação;
• criação do Cruzado II.
- surgimento da UDR (União Democrática Ruralista), contra os projetos de Reforma Agrária;
- em abril de 1987: Plano Bresser (Luís Carlos Bresser Pereira – Min. da Fazenda);
- no início de 1989: Plano Verão (Maílson da Nóbrega – Min. da Fazenda):
• criação do Cruzado Novo;
• arrocho salarial;
• política do “feijão-com-arroz”.
- Promulgação da Constituição, em 05.10.1988;
- em 1989, campanha eleitoral para as primeiras eleições diretas, pós-regime militar, com os seguintes candidatos:
• PMDB: Ulysses Guimarães;
• PDT: Leonel Brizola;
• PSDB: Mário Covas;
• PDS: Paulo Maluf;
• PRN: Fernando Collor de Mello;
• FRENTE BRASIL POPULAR (PT, PSB, PC do B): Luís Inácio Lula da Silva;
• PCB: Roberto Freire.
- eleições em dois turnos, com previa a Carta/88, resultado:
• Collor: 42,75%
• Lula: 37,68%
• Brancos, Nulos e abstenções: 19,38%.


GOV. DE COLLOR DE MELLO (1990 a 1992)
- PRN.
- construiu sua imagem política se utilizando de antigos políticos:
• Getúlio Vargas, Jânio Quadro e Juscelino Kubistchek.
- no início do mandato lança o Plano Collor ou Plano Brasil Novo:
• reforma monetária: Cruzado Novo pelo Cruzeiro;
• retenção, por 18 meses, das contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas;
• confisco de poupanças e aplicações no over;
• congelamento parcial e controlado dos preços.
- início da política neoliberal;
- abertura para o capital estrangeiro;
- contenção das despesas públicas e venda de imóveis e carros oficiais do governo;
- apoio popular às medidas;
- alguns partidos políticos alegam inconstitucionalidade das medidas;
- plano recessivo: concordatas e inadimplências;
- em 03.10.1990, eleições para governador, senadores, deputados federais e estaduais, o goveno perde nos principais estados;
- em 23.06.1990, Ibope de Collor: de 71% para 36%;
- demite Zélia Cardoso de Mello e nomeia Marcílio Marques Moreira, para Min. da Fazenda;
- hiperinflação: ano de 1991 – 450%;
- desemprego: 2,5 milhões;
- salário mínimo: em 90 – U$ 63,00, em 91 – U$ 40,00;
- menores abandonados: 20 milhões (Massacre da Candelária);
- no Nordeste: “homens-gabirus”;
- em 1991: acordo com o FMI – parcelamento dos juros da dívida externa e empréstimo de 1 bilhão de dólares, para o ano de 1992;
- assinatura do Tratado de Assunção (MERCOSUL);
- casos de corrupção nos Ministérios: do Trabalho e da Saúde, na LBA e no INSS;
- estocada final: caso PC Farias;
- CPI – movimento dos “caras-pintadas” – “Fora Collor”;
- Processo de Impeachment (OAB, ABI, CUT, UNE e UBES);
- sessão histórica, em 29.09.1992: a Câmara dos Deputados aprova o afastamento do Presidente da República das funções;
- assume interinamente, o Vice-Presidente, Itamar Franco;
- em 29.12.1992, Collor renuncia à presidência.


GOV. ITAMAR FRANCO (1992 a 1994)
- PMDB.
- ministérios compostos por políticos e técnicos de várias tendências ideológicas;
- em abril de 1993, Plebiscito (forma e sistema de governo);
- inflação: 30% a.m.;
- recessão econômica;
- desemprego;
- fome e indigência de 32 milhões de brasileiros;
- Fernando Henrique Cardoso (Min. da Fazenda), no início de 1994 é anunciado o Plano Real (entraria em vigor, ainda no primeiro semestre);
• não houve congelamento de salários ou de preços;
• inflação: em junho/94 – 52%, no final de julho – 4%;
• no final do semestre de implantação é registrada uma inflação de 19,3%.
- CPI “dos Anões do Orçamento” – cassação de deputados;
- conduz o processo eleitoral, no final de 1994.


GOV. FERNANDO HENRIQUE (1995 a 2002)
- PSDB.
- Primeiro mandato: 1º.01.1995 a 31.12.1998;
- Segundo mandato: 1º.01.1999 a 31.12.2002.
- em ambas eleições teve como concorrente: Luís Inácio Lula da Silva;
- se apresentou como idealizador do Plano Real;
- política externa:
• MERCOSUL;
• ALCA;
• aumento da dependência externa (dívida interna de 60 bilhões de dólares saltou para 500 bilhões de dólares);
• no final de 1997, crise na Bolsa de Hong Kong, atinge o Brasil;
• reservas monetárias caíram de 74 bilhões (abril de 98), para 42 bilhões de dólares (outubro de 98);
• para salvar o Real reação impedindo a saída de divisas mediante a elevação das taxas de juros;
• FMI: ajuda de 40 bilhões de dólares.
- política interna:
• privatizações de estatais;
• quebras de monopólios (petróleo, telecomunicações);
• alteração do conceito de empresa nacional;
• Emenda Constitucional, permitindo a reeleição;
• confrontos com o MST;
• problemas na saúde pública e na educação brasileira.


GOV. LULA (2003 a 2010)
- PT.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega ao final de dois mandatos com forte crescimento da economia, amplos programas sociais e a melhoria de vida de milhões de brasileiros. Mas na bagagem desses oito anos houve também inúmeros, e graves, escândalos de corrupção, e dois grandes acidentes aéreos.
Veja a seguir alguns acontecimentos que marcaram o governo Lula.

2003
1o de Janeiro - Aos 57 anos, Luiz Inácio Lula da Silva toma posse da Presidência da República.
Janeiro - Na primeira reunião do Copom do governo Lula, BC sobe a taxa básica de juros de 25 por cento para 25,5 por cento ao ano.
Fevereiro - Preocupado com a inflação e com o objetivo de ganhar credibilidade juntos aos mercados financeiros, governo eleva a meta do superávit primário do setor público consolidado, de 3,75 por cento do PIB para 4,25 por cento do PIB, sinalizando um esforço maior para a contenção de gastos.
- Selic chega a 26,5 por cento ao ano, maior taxa do governo Lula. Os juros permaneceriam nesse patamar até junho de 2003, quando caíram 0,5 ponto percentual.
Outubro - Governo Lula lança o programa Bolsa Família, que reuniu o Bolsa Escola, o Auxílio Gás e o Cartão Alimentação, antigos programas do governo Fernando Henrique Cardoso.
Dezembro - Selic encerra o ano em 16,5 por cento.

2004
Fevereiro - Eclode o caso Waldomiro Diniz. O ex-assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, foi flagrado negociando propina. Este foi o primeiro grande escândalo de corrupção do governo Lula.
Maio - Jornal The New York Times publica reportagem falando da relação do presidente com a bebida. O governo se irritou e condenou a matéria.
Dezembro - Selic encerra o ano em 17,75 por cento ao ano.

2005
Março - Governo anuncia que não vai renovar acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Junho - O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) revela o esquema do mensalão. A acusação de pagamentos do governo a parlamentares da base derrubaria o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que ainda perderia o mandato de deputado.
Junho - A então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, é escolhida para substituir Dirceu na Casa Civil.
Dezembro - Ano termina com Selic a 18 por cento ao ano.

2006
Março - O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, se vê forçado a deixar o cargo após ter sido acusado de mandar violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Francenildo havia revelado que o ministro frequentava uma casa de lobistas em Brasília. Guido Mantega, então presidente do BNDES, assume a Fazenda.
Setembro - Um avião da Gol colidiu com um jato Legacy, fabricado pela Embraer e operado por uma empresa norte-americana, e caiu no Mato Grosso, matando todas as 154 pessoas a bordo. O Boeing 737, que caiu numa área de floresta densa, fazia o voo 1907 com rota de Manaus a Brasília. O Legacy conseguiu fazer um pouso de emergência em uma base da FAB, na Serra do Cachimbo (PA).
Outubro - Depois de recuperar a popularidade perdida durante o auge dos escândalos de corrupção, em 2005, Lula parecia caminhar para a reeleição no primeiro turno.
Mas a tentativa de compra por petistas de um dossiê contra políticos do PSDB ajudou a corroer o apoio do presidente e a dar um fôlego extra na reta final ao candidato tucano, Geraldo Alckmin, levando a disputa para o segundo turno, quando Lula vence com 60,83 por cento dos votos válidos.
Dezembro - Ano termina com Selic a 13,25 por cento.

2007
Janeiro - Lula inicia o novo mandato lançando o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que consolida os investimentos e projetos do governo.
Julho - Um avião da TAM, que fazia o voo JJ 3054 de Porto Alegre a São Paulo, não conseguiu frear ao aterrissar na pista do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e explodiu ao atingir um prédio próximo, matando 199 pessoas.
Outubro - Fifa anuncia que Copa do Mundo de Futebol de 2014 será realizada no Brasil
Novembro - Petrobras anuncia um mega campo de petróleo na camada do pré-sal da Bacia de Santos, dando início a uma série de descobertas que mudariam as perspectivas para o setor no país. No ano seguinte, o governo inicia a discussão para a elaboração do marco regulatório do pré-sal.
Dezembro - Oposição consegue derrubar, no Senado, a cobrança da CPMF.
Dezembro - Selic termina o ano em 11,25 por cento.

2008
Maio - Descontente, Marina Silva deixa o Ministério do Meio Ambiente. Foi substituída por Carlos Minc.
Setembro - Quebra do Lehman Brothers marca o início da fase mais aguda da crise econômica internacional.
Dezembro - Fazenda anuncia redução de impostos --como o IPI dos automóveis-- para estimular economia conter efeitos da crise.
Dezembro - Selic em 13,75 por cento ao ano.

2009
Agosto - Governo envia ao Congresso o novo marco regulatório do setor petrolífero, que valerá para a exploração da camada pré-sal.
Outubro - A cidade do Rio de Janeiro é escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 2016.

2010
Abril - Dilma Rousseff deixa Casa Civil para concorrer à Presidência da República. Foi substituída por Erenice Guerra
Maio - Lula vai ao Irã para tentar negociar acordo sobre programa nuclear do governo de Mahmoud Ahmadinejad.
Setembro - Após denúncias de tráfico de influência que envolviam o filho, Erenice Guerra deixa a Casa Civil.
Setembro - Petrobras conclui capitalização que levantou 120 bilhões de reais.
Outubro - Beneficiada pela popularidade de Lula, Dilma liderou as pesquisas eleitorais durante bom tempo com margem suficiente para se eleger no primeiro turno. Mas um forte crescimento de Marina Silva (PV) nos últimos dias acabou forçando o segundo turno da eleição.
Na segunda rodada, Dilma vence José Serra (PSDB) com 54 por cento dos votos válidos.

sábado, 28 de maio de 2011

PHISOLOFANDO


21. Segundo a explicação metafísica, todas as coisas que existem possuem uma natureza específica, pertencendo a uma determinada espécie de seres. As diferenças entre os seres são acidentais e não substanciais, uma vez que a substância é a estrutura necessária do ser. Com base nessa hipótese, pode-se afirmar que
(A) não é possível inferir das coisas qualquer perspectiva universalista.
(B) todas as coisas possuem somente uma existência particular.
(C) as diferenças entre os seres são unicamente acidentais.
(D) não existe uma estrutura necessária do ser.
(E) a explicação metafísica serviu de base para as correntes empiristas da filosofia.

Utilize o texto para responder às questões de números 22 e 23.
"Se fosse adequado incomodá-lo com a história deste Ensaio, deveria dizer-lhe que cinco ou seis amigos reunidos em meu quarto, e discorrendo acerca de assunto bem remoto do presente, ficaram perplexos, devido às dificuldades que surgiram de todos os lados. Após termos por certo tempo nos confundido, sem nos aproximarmos de nenhuma solução acerca das dúvidas que nos tinham deixado perplexos, surgiu em meus pensamentos que seguimos o caminho errado, e, antes de nós nos iniciarmos em pesquisas desta natureza, seria necessário examinar nossas próprias habilidades e averiguar quais objetos são e quais não são adequados para serem tratados por nossos entendimentos."
(John Locke. Ensaio acerca do Entendimento Humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999)

22. A qual corrente filosófica pertenceu John Locke?
(A) Empirismo.
(B) Metafísica.
(C) Estoicismo.
(D) Existencialismo.
(E) Teoria crítica.

23. Acerca do texto e das concepções sobre a natureza do conhecimento, segundo Locke, é correto afirmar que
(A) essa concepção sobre os limites do conhecimento alicerçou a metafísica moderna.
(B) embora de acordo com concepções muito diferentes sobre a natureza do conhecimento, há certa similaridade entre Locke e Kant, somente no que diz respeito à intenção de "averiguar quais objetos são e quais não são adequados para serem tratados por nossos entendimentos".
(C) os resultados da pesquisa empreendida por Locke o levaram a contestar as bases da corrente empirista da filosofia.
(D) a perplexidade relatada por Locke em nada se relaciona com as pesquisas filosóficas futuramente empreendidas por David Hume.
(E) as conclusões relatadas por Locke serviram como fundamento para a formulação da concepção de verdades absolutas na filosofia.

24. Para Marilena Chauí, em vez de perguntar "que horas são?", podemos indagar "o que é o tempo?". Em vez de dizermos "ficou maluca?" ou "está sonhando?", podemos nos perguntar "o que é o sonho", a loucura, a razão?" (Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 1994). Portanto,
(A) não é possível diferenciar entre senso comum e atitude filosófica.
(B) filosofar implica assumir, no plano do pensamento, os mesmos parâmetros habitualmente empregados na vida cotidiana.
(C) filosofar significa ater-se à aceitação imediata da realidade.
(D) a filosofia começa pela reafirmação necessária das crenças e preconceitos do senso comum.
(E) a atitude filosófica diferencia-se estruturalmente do senso comum.

Leia o texto para responder às questões de números 25 a 27.
"Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo; acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto. O termo mass media, que se introduziu para designar a indústria cultural, desvia, desde logo, a ênfase para aquilo que é inofensivo. Não se trata nem das massas em primeiro lugar, nem das técnicas de comunicação como tais, mas do espírito que lhes é insuflado, a saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural abusa da consideração com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a mentalidade destas, que ela toma como dada a priori e imutável. É excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As massas não são a medida mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem a elas se adaptar."
(Theodor W. Adorno. A indústria cultural. In: Cohn, Gabriel (org.).Theodor W. Adorno. São Paulo, Ática, 1996)

25. De acordo com o filósofo alemão Adorno, pode-se afirmar que
(A) há notável descontinuidade e heterogeneidade entre tempo de trabalho e tempo livre.
(B) não é verdade que os meios de massa sejam estilística e culturalmente conservadores.
(C) os meios de comunicação de massa apresentam indiscutível potencial revolucionário.
(D) ao adaptar-se aos desejos das massas, a indústria cultural apresenta inegável potencial democrático.
(E) a indústria cultural é moldada pela racionalidade instrumental.

26. Adorno pertenceu ao seguinte movimento filosófico:
(A) existencialismo.
(B) teoria crítica.
(C) epicurismo.
(D) estruturalismo.
(E) empirismo.

27. De acordo com Adorno,
(A) o termo mass media é adequado para designar o fenômeno da indústria cultural.
(B) a indústria cultural apresenta indiscutível potencial emancipador.
(C) a indústria cultural não é ideológica.
(D) o consumidor cultural existe em estado de heteronomia.
(E) o consumidor cultural existe em estado de autonomia.

Leia os textos para responder às questões de números 28 a 30.
1. "Era urgente uma filosofia que justificasse a confiança comum na razão. Só era possível opor ao ceticismo desagregador uma razão metafisicamente fundada, capaz de se sustentar na busca da verdade, e um método universal e fecundo."
(Reali e Antiseri. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990)
2. "A razão (...) não é nem exclusivamente razão objetiva (a verdade está nos objetos) nem exclusivamente subjetiva (a verdade está no sujeito), mas ela é a unidade necessária do objetivo e do subjetivo. Ela é o conhecimento da harmonia entre as coisas e as ideias, entre o mundo exterior e a consciência, entre o objeto e o sujeito, entre a verdade objetiva e a verdade subjetiva."
(Marilena Chauí. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 1994)
3. "As ideias, em suma, não são simples pensamentos, mas aquilo que o pensamento pensa quando liberto do sensível; constituem o "verdadeiro ser", o "ser por excelência"."
(Reali e Antiseri. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990)
4. "Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas."

28. As 4 afirmações, comparadas entre si, podem ser, respectivamente, atribuídas, com maior propriedade, aos seguintes pensadores:
(A) Descartes, Kant, Hegel, Platão.
(B) Descartes, Hegel, Platão, Kant.
(C) Platão, Kant, Hegel, Descartes.
(D) Platão, Hegel, Kant, Descartes.
(E) Kant, Hegel, Platão, Descartes.

29. É correto afirmar que
(A) no texto 1, o "método universal e fecundo" apresenta-se em oposição à "razão metafisicamente fundada".
(B) no texto 2, tem-se a formulação de uma razão dialética.
(C) no texto 3, prevalece a formulação de um mundo sensível em detrimento de um mundo inteligível.
(D) às formulações do texto 3 corresponde a concepção básica da filosofia empirista.
(E) às formulações do texto 4 corresponde a concepção da mente humana como "tábula rasa" ou "folha em branco".

30. Pode-se dizer que
(A) o texto 1 expressa uma concepção filosófica que corrobora o ceticismo.
(B) no texto 2, a "harmonia entre "coisas e ideias" pressupõe a existência de uma coisa-em-si incognoscível".
(C) no texto 3, as ideias pertencem ao mundo sensível.
(D) no texto 4, "pensamentos sem conteúdo são vazios", significa que é possível a existência de uma intuição intelectual.
(E) no texto 1, o "método universal e fecundo" adaptou-se, em grande medida, à linguagem matemática.

31. E quanto mais as classes exploradas, o "povo", sucumbem aos poderes existentes, tanto mais a arte se distanciará do "povo", ao contrário do que pensam Brecht e Sartre. A arte não pode mudar o mundo, mas pode contribuir para a mudança da consciência e impulsos dos homens e mulheres que poderiam mudar o mundo" (...) A possibilidade de uma aliança entre "o povo" e a arte pressupõe que os homens e as mulheres administrados pelo capitalismo monopolista desaprendam a linguagem, os conceitos e as imagens desta administração, que experimentem a dimensão da mudança qualitativa, que reivindiquem a sua subjetividade, a sua interioridade (...). Se o potencial radical da arte residir precisamente nesta nãoidentidade com a práxis política, como pode este potencial encontrar representação válida numa obra de arte e como pode ela tornar-se um fator de transformação da realidade?
(H. Marcuse, Dimensão Estética. São Paulo: Martins Fontes, s/d.)
Das afirmações de Herbert Marcuse, pode-se depreender que
(A) Brecht e Sartre divergem radicalmente acerca da necessidade de unidade entre arte e práxis política.
(B) a arte apresenta potenciais revolucionários exatamente quando se adapta à linguagem popular.
(C) a realização do potencial radical da arte pressupõe o retorno ao monopólio dos objetos artísticos pelas elites aristocráticas.
(D) a possibilidade de uma aliança entre o povo e a arte pressupõe um processo educativo que torne esta um fator de transformação da realidade.
(E) a possibilidade de uma aliança entre o povo e a arte pressupõe a realização da revolução comunista.

Leia o texto para responder às questões de números 32 a 34.
A caverna (...) é o mundo sensível onde vivemos. O fogo que projeta as sombras na parede é um reflexo da luz verdadeira (do Bem e das ideias) sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As sombras são as coisas sensíveis, que tomamos pelas verdadeiras, e as imagens ou sombras dessas sombras, criadas por artefatos fabricadores de ilusões. Os grilhões são nossos preconceitos, nossa confiança em nossos sentidos, nossas paixões e opiniões. O instrumento que quebra os grilhões e permite a escalada do muro é a dialética. O prisioneiro curioso que escapa é o filósofo. A luz que ele vê é a luz plena do ser, isto é, o Bem, que ilumina o mundo inteligível como o Sol ilumina o mundo sensível. O retorno à caverna para convidar os outros a sair dela é o diálogo filosófico, e as maneiras desajeitadas e insólitas do filósofo são compreensíveis, pois quem contemplou a unidade da verdade já não sabe lidar habilmente com a multiplicidade das opiniões nem mover-se com engenho no interior das aparências e ilusões. Os anos despendidos na criação do instrumento para sair da caverna são o esforço da alma para libertar-se. Conhecer é, pois, um ato de libertação e de iluminação. A paideia filosófica é uma conversão da alma voltando-se do sensível para o inteligível.
Essa educação não ensina coisas nem nos dá a visão, mas ensina a ver, orienta o olhar, pois a alma, por sua natureza, possui em si mesma a capacidade para ver.
(M. Chauí, Introdução à história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002)

32. De acordo com o texto, pode-se afirmar que
(A) o conhecimento filosófico pressupõe o acesso ao mundo sensível.
(B) a dialética é um instrumento de alienação.
(C) o texto pode ser interpretado como uma crítica aos sofistas.
(D) a unidade da verdade coincide com a multiplicidade de opiniões.
(E) conhecer equivale a entregar-se às paixões.

33. De acordo com o texto, pode-se afirmar que
(A) o processo de esclarecimento por meio da filosofia pressupõe a iluminação das coisas sensíveis pelos fabricadores de ilusões.
(B) as coisas sensíveis possuem uma verdade encerrada nelas mesmas, sem a necessidade de acesso ao reino inteligível.
(C) a metáfora da caverna é anacrônica e inteiramente inapropriada para a compreensão crítica da sociedade contemporânea.
(D) o reino inteligível das ideias consiste na multiplicidade das opiniões.
(E) a paideia filosófica é um processo de dissolução de preconceitos e de ideias ligadas ao senso comum.

34. O filósofo, autor do texto que originalmente descreve a alegoria da caverna, é
(A) Kant.
(B) Descartes.
(C) Platão.
(D) Hegel.
(E) Locke.

35. "No meio-tempo, uma última palavra aos que temem a ditadura da razão: é tempo de arquivar de uma vez por todas a máxima obscurantista de que ?cinzenta é toda teoria, e verde apenas a árvore esplêndida da vida?. Ela só pode ser sustentada, paradoxalmente, pelas naturezas não-passionais, insensíveis ao erotismo do pensar. Quem, lendo um poema de Drummond, um livro de Tolstoi ou um tratado de Hegel, acha que está se afastando da vida, não começou ainda a viver. Sem pensamento, a vida não é verde: é cinzenta. A vida do pensamento é uma parte integrante da verdadeira vida. Não é a razão que é castradora, e sim o poder repressivo, que deriva sua solidez da incapacidade de pensar que ele induz em suas vítimas. O fascismo se implantou através da difusão de uma ideologia vitalista reacionária, que proclamava o primado dos instintos vitais sobre a razão, e com isso inutilizou a razão, o único instrumento que permitiria desmascará-lo como a negação absoluta da vida."
(Sérgio Paulo Rouanet. Razão e Paixão. In: Os Sentidos da paixão.São Paulo, Cia. Das Letras, 1990).
Do texto, pode-se depreender que
(A) é analisada a existência de uma dialética da razão, que tanto pode ser "sábia", subordinada à emancipação, quanto pode ser "não-sábia", estando a serviço do poder.
(B) a verdadeira vida é identificada com a libertação dos desejos frente a todas as tendências repressivas que limitam seu ímpeto natural.
(C) o erotismo do pensamento, ao qual se refere o autor, está diretamente associado à ideologia vitalista reacionária do fascismo.
(D) toda forma de pensamento é válida como instrumento de libertação do ser humano.
(E) os três autores citados no texto caracterizaram-se pela insensibilidade ao erotismo do pensar.

36. "O modo de pensar substancialista, que identificava profundidades, é substituído pela matemática enquanto modelo da realidade física, coisa impensável para os escolásticos. Aquele mundo composto de qualidades, significados e fins, que a matemática não podia interpretar, é suplantado por um mundo quantitativo e, portanto, matematizável, no qual não há mais traços de qualidades, de valores, de fins e de profundidade. O mundo qualitativo, de origem aristotélica, cede e desaparece lentamente. (...) "A natureza é opaca, silenciosa, inodora e incolor: é apenas a impetuosa sucessão da matéria, sem fim e sem motivo". (...) O movimento e a quantidade substituem os genera e as species da cosmologia tradicional (...) Na natureza, deixa de haver a visão hierárquica e as finalidades das coisas."
(Reali e Antiseri. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990, p.137)
O processo descrito pelos autores é utilizado para exemplificar com maior grau de propriedade o sistema filosófico do seguinte pensador:
(A) Kant.
(B) Aristóteles.
(C) Berkeley.
(D) Hegel.
(E) Descartes.

37. "Imaterialismo. Termo criado pelo filósofo x para indicar a doutrina da negação de existência da realidade corpórea e da redução desta a ideias impressas nos espíritos finitos diretamente por Deus (...). Essa doutrina foi denominada e denomina-se mais comumente idealismo. O argumento fundamental adotado pelo filósofo x em favor do Imaterialismo é que as coisas e suas propriedades não são mais que ideias que, para existirem, precisam ser percebidas (esse est percipi), portanto, pensar coisas que não sejam percebidas equivale a defini-las como "não pensadas", mesmo enquanto são pensadas."
(Dicionário Abbagnano de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2000).
O pensador x designado é
(A) Kant.
(B) Aristóteles.
(C) Berkeley.
(D) Hegel.
(E) Descartes.

Leia o texto para às questões de números 38 e 39.
"Ideias metafísicas do Livro do Desassossego [?]
A única realidade para mim são as minhas sensações. Eu sou uma sensação minha. Portanto nem da minha própria existência estou certo. Posso está-lo apenas daquelas sensações a que eu chamo minhas. A verdade? É uma coisa exterior? Não posso ter a certeza dela, porque não é uma sensação minha, e eu só destas tenho a certeza".
(Fernando Pessoa. Livro do Desassossego)

38. De acordo com as concepções expressadas no texto, Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, pode ser definido, com maior propriedade, como um pensador
(A) empirista.
(B) metafísico.
(C) idealista.
(D) estóico.
(E) platônico.

39. Assinale a alternativa que apresenta filósofos que correspondem, com maior propriedade, às concepções expressadas no texto.
(A) Berkeley e Hume.
(B) Sócrates e Platão.
(C) Kant e Hegel.
(D) Descartes e Kant.
(E) Hume e Hegel.15 SEED0902/09-PEBII-Filosofia-20-tarde

40. "Em um primeiro momento, sinto-me assustado e confuso com a solidão desesperadora em que me encontro dentro de minha filosofia; imagino-me como um monstro estranho e rude que, por incapaz de se misturar e se unir à sociedade, foi expulso de todo relacionamento com os outros homens e largado em total abandono e desconsolo. (...) Expus-me à inimizade de todos os metafísicos, lógicos, matemáticos e mesmo teólogos; como me espantar, então, com os insultos que devo sofrer? Declarei que desaprovo seus sistemas; como me surpreender se expressarem seu ódio a meu próprio sistema e a minha pessoa?"
(D. Hume. Tratado da Natureza Humana. São Paulo, EDUNESP, 2001)
Sobre o texto, é correto afirmar que
(A) o tom melancólico e pessimista do texto decorre do fato de que, em sua filosofia, Hume deparou-se com a evidência incontestável de verdades absolutas na filosofia.
(B) Hume fundamentou de maneira inovadora os conceitos fundamentais da metafísica moderna.
(C) ao imaginar-se como "monstro estranho e rude", Hume expressa o estado de desalento de um pensamento que contestou de maneira contundente os critérios da filosofia empirista de sua época.
(D) o ceticismo de Hume condensa sua crítica radical ao conceito metafísico de substância.
(E) os pressupostos empiristas da filosofia de Hume contestaram amplamente a noção de hábito derivada de Berkeley.

Considere o texto para responder às questões de números 41 a 45.
"Essa imagem, caro Glauco, deves aplicar a tudo o que foi dito anteriormente, assemelhando o lugar que vemos com nossos olhos à morada na prisão, e a luz da fogueira que arde lá ao poder do sol. E, se tomares a subida até o alto e a visão das coisas que lá estão como ascensão da alma até o mundo inteligível, não me frustrarás em minha expectativa, já que queres ouvir-me falar dela. Deus sabe se ela é verdadeira... Em todo o caso, eis o que penso. No mundo cognoscível, vem por último a ideia do bem que se deixa ver com dificuldade, mas, se é vista, impõe-se a conclusão de que para todos é a causa de tudo quanto é reto e belo e que, no mundo visível, é ela quem gera a luz e o senhor da luz e, no mundo inteligível, é ela mesma que, como senhora, propicia verdade e inteligência, devendo tê-la diante dos olhos quem quiser agir com sabedoria na vida privada e pública."
(República, Martins Fontes, 2006)

41. O texto pode ser caracterizado como o caminho do
(A) cidadão para a liberdade.
(B) homem para a morte.
(C) cego para a luz.
(D) filósofo para a verdade.
(E) sofista para a sombra.

42. A separação do mundo em visível e inteligível equivale, respectivamente, à vida
(A) pública e à vida privada.
(B) do bem e à vida do mal.
(C) do corpo e à vida da alma.
(D) física e à vida biológica.
(E) fácil e à vida difícil.

43. A ideia do bem é o que orienta a ascensão da alma. Este movimento caracteriza a
(A) retórica socrática.
(B) dialética platônica.
(C) dúvida cartesiana.
(D) lógica aristotélica.
(E) hedonismo epicúreo.

44. A ideia do bem gera a luz e propicia a verdade. Desse modo,
(A) só os bons conhecem a luz e a verdade.
(B) só quem compreende o bem conhece a luz e a verdade.
(C) só sei que nada sei é um bem.
(D) a luz e a verdade são bens privados.
(E) a luz e a verdade são bens públicos.

45. Assinale a alternativa correta.
(A) O visível e o inteligível são modos de agir.
(B) O visível e o inteligível são maneiras de sentir.
(C) O visível e o inteligível são métodos de memorização.
(D) O visível e o inteligível são caminhos para a riqueza.
(E) O visível e o inteligível são formas de saber.

Considere o texto para responder às questões de números 46 a 50.
"Por que os nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que não havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, porque há homens que se equivocam ao raciocinar, mesmo no tocante às mais simples matérias de geometria, e cometem aí paralogismos, rejeitei como falsas, julgando que estava sujeito a falhar como qualquer outro, todas as razões que eu tomara até então por demonstrações. E enfim, considerando todos os mesmos pensamentos que temos quando despertos nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capaz de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio de Filosofia que procurava."
(Discurso do Método, abril, 1979)

46. O texto caracteriza o pensamento do seguinte filósofo:
(A) Aristóteles.
(B) Descartes.
(C) Epicuro.
(D) Platão.
(E) Rousseau.

47. A afirmação "Penso, logo existo" inaugura uma nova abordagem filosófica do
(A) ceticismo renascentista.
(B) hedonismo contemporâneo.
(C) estoicismo moderno.
(D) subjetivismo moderno.
(E) objetividade cultural.

48. Assinale a alternativa correta.
(A) Se sonho que estou acordado, meus pensamentos são mais verdadeiros.
(B) Se durmo quando estou acordado, meus pensamentos são menos verdadeiros.
(C) Se acordo depois de sonhar, meus pensamentos são mais verdadeiros.
(D) Se estou acordado ou dormindo, faço de conta que meus pensamentos são falsos.
(E) Se estou acordado ou dormindo, faço de conta que meus pensamentos são verdadeiros.

49. Assinale a alternativa correta.
(A) O primeiro princípio da filosofia é a falsidade de meu pensamento.
(B) O primeiro princípio da filosofia é o ceticismo metódico.
(C) O primeiro princípio da filosofia é fazer de conta que meus pensamentos são falsos.
(D) O primeiro princípio da filosofia é que eu sou alguma coisa diferente das outras coisas.
(E) O primeiro princípio da filosofia é a veracidade de minha existência.

50. "Penso, logo existo" significa que
(A) minha alma pensa.
(B) meu corpo pensa.
(C) minha alma sente.
(D) meu corpo sente.
(E) meu corpo existe.

Considere o texto para responder às questões de números 51 a 55.
"Cada indivíduo, com efeito, pode, como homem, ter uma vontade particular, contrária ou diversa da vontade geral que tem como cidadão. Seu interesse particular pode ser muito diferente do interesse comum. Sua existência, absoluta e naturalmente independente, pode levá-lo a considerar o que deve à causa comum como uma contribuição gratuita, cuja perda prejudicará menos aos outros, do que será oneroso o cumprimento a si próprio."
(...) Ele desfrutará dos direitos do cidadão sem desempenhar os deveres de súdito - injustiça cujo progresso determinaria a ruína do corpo político."
(Contrato social)

51. A passagem trata de
(A) gratuidade da cidadania.
(B) existência do homem.
(C) corrupção.
(D) independência do cidadão.
(E) patriotismo.

52. O indivíduo é ao mesmo tempo homem e cidadão. Então,
(A) a existência do homem é absoluta e a do cidadão é relativa.
(B) a existência do indivíduo é natural e a dos outros é relativa.
(C) a existência particular é comum e a existência geral é absoluta.
(D) a existência do indivíduo é independente e a causa comum é gratuita.
(E) a existência do homem é particular e a do cidadão é geral.

53. O homem tem vontade particular e o cidadão tem vontade geral, logo,
(A) o homem e o cidadão não se corrompem.
(B) o homem não se corrompe.
(C) o cidadão corrompe o homem.
(D) o homem corrompe o cidadão.
(E) o cidadão arruína o Estado.

54. Quando o interesse particular é diferente do interesse comum, a contribuição para a causa comum é
(A) um prazer.
(B) um ônus.
(C) um erro.
(D) uma injustiça.
(E) uma opção.

55. O que arruína o corpo político é
(A) ter uma existência absoluta e naturalmente independente.
(B) não desfrutar os direitos do cidadão.
(C) não contribuir para a causa comum.
(D) ter uma vontade particular diversa da vontade geral.
(E) ter um interesse particular diferente do interesse comum.

Considere o texto para responder às questões de números 56 a 60.
"Olho esta folha branca sobre minha mesa; percebo sua forma, sua cor, sua posição. Essas diferentes qualidades têm características comuns: em primeiro lugar, elas se dão a meu olhar como existências que apenas posso constatar e cujo ser não depende de forma alguma do meu capricho. Elas são para mim, não são eu. Mas também não são outrem, isto é, não dependem de nenhuma espontaneidade, nem da minha, nem da de outra consciência. São, ao mesmo tempo, presentes e inertes. Essa inércia do conteúdo sensível, frequentemente descrita, é a existência em si. De nada serve discutir se esta folha se reduz a um conjunto de representações ou se é ou deve ser mais do que isso. O certo é que o branco que constato não pode ser produzido por minha espontaneidade. Esta forma inerte, que está aquém de todas as espontaneidades conscientes, que devemos observar, conhecer pouco a pouco, é o que chamamos uma coisa. Em hipótese alguma minha consciência seria capaz de ser uma coisa, porque seu modo de ser em si é precisamente um ser para si. Existir, para ela, é ter consciência de sua existência."
(A imaginação, Abril, 1984)

56. Este texto de Sartre é
(A) estruturalista.
(B) marxista.
(C) pós-moderno.
(D) fenomenológico.
(E) iluminista.

57. A existência em si é
(A) uma espontaneidade inconsciente do outro.
(B) uma inércia sem conteúdo que se apresenta por si.
(C) uma coisa aquém da consciência.
(D) um conjunto de representações além da consciência.
(E) uma coisa para si e outra para mim.

58. Minha consciência é
(A) um ser em si reificado (coisificado).
(B) um ser para si nadificado.
(C) um ser para outro representado.
(D) um ser espontâneo caprichado.
(E) um ser para isso modificado.

59. Num primeiro momento, olhar para a folha branca é
(A) uma constatação.
(B) um conhecimento.
(C) uma produção.
(D) um capricho.
(E) uma representação.

60. Uma coisa é
(A) um ser para si.
(B) um ser para mim.
(C) um ser de outrem.
(D) um ser sensível.
(E) um ser mais do que isso.

61. De acordo com a Proposta Curricular, a preocupação com o homem racional e livre, com as mudanças na política e com a esperança nas ciências empíricas constitui a principal característica da
(A) Filosofia Moderna.
(B) Filosofia Antiga.
(C) Filosofia Contemporânea.
(D) Filosofia Medieval.
(E) Filosofia Pós-moderna.

62. Leia as afirmações sobre a Filosofia contidas em uma situação de aprendizagem da Proposta Curricular.
I. A Filosofia é um conhecimento que ajuda a gente a ser feliz.
II. O objetivo de se estudar Filosofia é o conhecimento de seu instrumento, ou seja, a reflexão crítica.
III. A Filosofia constitui um conhecimento profundo demais, e que não somos capazes de entender.
IV. A Filosofia é uma reflexão crítica a respeito do conhecimento e da ação.
Uma visão sobre a Filosofia fundada no senso comum está presente apenas nas afirmações
(A) II e III.
(B) I e IV.
(C) I, II e III.
(D) I, II e IV.
(E) I e III.

63. O modelo da cidade ideal, segundo Platão, está fundamentado na concepção de uma divisão em três partes ou classes sociais: artesãos, agricultores e comerciantes; guerreiros; magistrados e governantes. Este modelo funda-se na teoria de que cada indivíduo possui três almas ou três princípios que o compõem: a alma concupiscente; a alma irascível; e a alma racional. Cada classe social possuiria uma função bem definida, na qual cada membro seria escolhido pelas suas capacidades, surgidas em um processo de educação. Desse modo, os magistrados e os governantes seriam escolhidos para esses cargos segundo seus conhecimentos e sabedoria, pois seriam eles os mais preparados para fazer uso da alma racional. A concepção de regime político que fundamenta o modelo de governo platônico é a
(A) Democracia.
(B) Aristocracia.
(C) Monarquia.
(D) Tirania.
(E) Oligarquia.

64. Observe os quadros I e II.
Quadro I: Filósofo
1 John Locke
2 Miguel Bakunin
3 Karl Marx
Quadro II: Teoria
1 Socialista
2 Liberal
3 Anarquista
Leia os excertos a seguir.
I. "Cada um é dirigente e cada um é dirigido por sua vez. Assim, não há nenhuma autoridade fixa e constante, mas uma troca contínua de autoridade e de subordinação mútuas, passageiras e, sobretudo, voluntárias."
II. "O principal objetivo, portanto, da união dos homens em sociedade, é a preservação da propriedade."
III. "Todos os movimentos históricos têm sido, até hoje, movimentos de minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento independente da imensa maioria em proveito da imensa maioria."
Assinale a alternativa que apresenta a relação correta entre o filósofo, sua teoria e o excerto reproduzido acima:
(A) Filósofo 1, Teoria 3, Excerto III.
(B) Filósofo 3, Teoria 3, Excerto II.
(C) Filósofo 2, Teoria 3, Excerto I.
(D) Filósofo 2, Teoria 3, Excerto II.
(E) Filósofo 3, Teoria 3, Excerto I.

66. As diversas culturas existentes mantêm contato entre si, mas nem sempre esse contato é algo que representa ganho para todos, porque muitas culturas se sentem superiores a outras, o que implica diversas maneiras de ver o mundo. A visão de superioridade cultural é denominada pela antropologia de
(A) interpretativa.
(B) relativista.
(C) alteridade.
(D) etnocêntrica.
(E) estruturalista.

67. Sabe-se que a ciência é uma atividade racional e, por isso, se vale das regras da lógica para fundamentar seus conhecimentos, no entanto a indução não parte das regras lógicas para se legitimar. Ela parte da experiência.
Com base no trecho, analise as seguintes afirmações.
I. Com base na observação de um grande número de experiências, por meio dos cinco sentidos, cria-se uma lei ou teoria científica.
II. Uma boa teoria deve permitir a falsificabilidade; quanto mais, melhor.
III. Com a indução, parte-se do particular para o universal; esse conceito utiliza a generalização para criar leis e teorias científicas.
IV. A ousadia, para conseguir progredir em busca de um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade deve ser uma das características de uma boa teoria.
Segundo a Proposta Curricular, das afirmações, estão relacionadas a uma visão crítica da ciência apenas
(A) II e IV.
(B) I, III e IV.
(C) I, II e IV.
(D) III e IV.
(E) I, II e III.

68. Assinale a alternativa que completa, correta e respectivamente, as lacunas do texto.
Para Thomas Kuhn, por motivos nem sempre racionais, os cientistas mudam de paradigma, após uma __________ da ciência normal, o que, em geral, é fundamentado na __________ , isto é, quando a __________ não consegue responder a alguns problemas.
(A) revolução científica ... crise ... pré-ciência
(B) crise ... ciência normal ... anomalia
(C) anomalia ... crise ... pré-ciência
(D) revolução científica ... pré-ciência ... anomalia
(E) crise ... anomalia ... ciência normal

69. Leia o excerto.
"Ora, parece que a felicidade, acima de qualquer outra coisa, é considerada como esse sumo bem. Ela é buscada sempre por si e nunca no interesse de uma outra coisa."
A Ética é uma investigação sobre os princípios que motivam, justificam ou orientam as ações humanas, refletindo sobre os fundamentos dos valores sociais e historicamente construídos.
O excerto apresenta o princípio fundamental da ética de
(A) Sócrates.
(B) Plotino.
(C) Aristóteles.
(D) Kant.
(E) Tomás de Aquino.

70. Uma situação de aprendizagem do ensino médio pretende desenvolver no aluno as competências e habilidades do exercício da reflexão crítica voltada à análise da construção social das subjetividades.
Assinale a alternativa que corresponde ao pensador cuja abordagem é adequada ao desenvolvimento dessas competências e habilidades, em conformidade com a Proposta Curricular.
(A) Sócrates.
(B) Paul Ricoeur.
(C) John Locke.
(D) Theodor Adorno.
(E) Max Stirner.

71. Sartre afirmou que não se pode viver com morais alienantes, fora da história. A ética deve ser entendida como ação no mundo, sob o contingenciamento da história - história e ética se confundem.
Segundo o texto, é correto afirmar que
(A) a alienação moral procura fazer com que a ação do passado seja repetida no presente.
(B) a história mostra que é impossível agir de modo ético devido à alienação moral.
(C) no processo de alienação moral, a história é contingente, mas a ética é necessária.
(D) o contingenciamento da história é levado em conta no processo de alienação moral.
(E) a alienação moral faz com que a ação no mundo esteja sob as contingências históricas.

72. "Da improvisação padronizada do jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade."
(T. Adorno; M.Horkheimer, Dialética do esclarecimento. 1985)
O fragmento pode proporcionar uma situação de aprendizagem sobre
(A) a teoria do indivíduo.
(B) condutas massificadas.
(C) alienação moral.
(D) ética.
(E) a sujeição.

73. Para Nietzsche, os gregos perceberam que há duas forças diferentes na arte e na vida. Uma ele chamou de apolíneo e a outra de dionisíaco. São características do dionisíaco:
(A) sonho, dança, mutação, luz.
(B) embriaguez, aparência, luz, força.
(C) beleza, força, luz, ordem.
(D) sonho, aparência, luz, ordem.
(E) embriaguez, dança, mutação, violência.

74. Para Marx, a consciência do sofrimento dos trabalhadores faria com que eles se associassem para derrubar o capitalismo, resultando assim no comunismo. É característica do comunismo a ideia de
(A) propriedade e trabalho.
(B) fim da propriedade privada.
(C) Estado liberal.
(D) liberdade e desobediência.
(E) todo o poder ao Estado e à nação.

75. Leia as afirmações.
I. Ser livre é, pois, o mesmo que agir voluntariamente.
II. Tudo é movido por uma causa que se encontra fora de nós, não podemos evitar agir como agimos.
III. Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem.
Assinale a alternativa correta.
(A) A afirmação I representa a concepção dialética da liberdade.
(B) A afirmação III representa a concepção determinista da liberdade.
(C) A afirmação III representa a concepção dialética da liberdade.
(D) A afirmação II representa a concepção do libertarismo sobre a liberdade.
(E) A afirmação III representa a concepção do libertarismo sobre a liberdade.

76. Em meio à Revolução Francesa, foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Durante os debates sobre essa declaração, Olympe de Gouges elaborou aquela que incluía "Os Direitos da Mulher e da Cidadã". A atitude de Gouges revela que
(A) era preciso declarar que as mulheres eram cidadãs e deveriam exercer os seus direitos.
(B) a condição da mulher é uma escolha dos homens apoiada pela submissão das mulheres.
(C) a única libertação possível das mulheres virá da política.
(D) para a libertação das mulheres, elas devem assumir a responsabilidade de mudar a situação.
(E) a sociedade define as identidades do homem e da mulher.

77. Assinale a alternativa que indique o(a) filósofo(a) mais adequado(a), segundo a Proposta Curricular, para contribuir em uma situação de aprendizagem que pretenda desenvolver no aluno as competências e habilidades de analisar a importância dos valores éticos na reflexão sobre a humilhação social e a velhice.
(A) Theodor Adorno.
(B) Immanuel Kant.
(C) Simone de Beauvoir.
(D) Hannah Arendt.
(E) John Rawls.

78. "O preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo."
O tema em questão no texto corresponde a uma preocupação da Filosofia
(A) contemporânea.
(B) moderna.
(C) renascentista.
(D) antiga.
(E) medieval.

79. Leia o texto.
"Estabelecer o que o aluno deve conhecer e que competências desenvolver no curso de Filosofia no Ensino Médio configura uma tarefa a ser enfrentada de maneira diversa daquela que se espera em qualquer outra disciplina, por causa das características que são próprias ao filosofar. O professor de Física, por exemplo, é capaz de definir o campo da ciência com a qual trabalha, conhece sua metodologia e, a partir dessa base aceita pelos cientistas dos quais é contemporâneo, consegue estabelecer um conteúdo programático mínimo e, além disso, escalonar as dificuldades para escolher o que será estudado de início, como pré-requisito para a compreensão de conceitos mais complexos."
(Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCN + Ensino Médio - Ciências Humanas e suas tecnologias)
A partir da leitura do texto, é correto afirmar que
(A) o professor de Física, por conhecer sua metodologia, e ter bem definido o campo da ciência com a qual trabalha, está mais capacitado do que o professor de Filosofia para desenvolver os conhecimentos relacionados à sua disciplina.
(B) a maior dificuldade para se estabelecer o que o aluno deve conhecer e quais competências desenvolver no curso de Filosofia do Ensino Médio é a de que não existe uma Filosofia, como a Física, pois o que existem são Filosofias.
(C) a maior dificuldade para se estabelecer o que o aluno deve conhecer no curso de Filosofia do Ensino Médio surge do fato de que os professores de Filosofia desconhecem as competências que devem desenvolver em sua disciplina.
(D) o professor de Filosofia não é capaz de estabelecer um conteúdo programático mínino para conseguir desenvolver as competências com seus alunos e determinar o que o mesmo deve conhecer.
(E) o professor de Física é o único que consegue fazer com que sua disciplina desenvolva as competências com seus alunos, pois a Física é a única ciência que trabalha com bases aceitas pelos cientistas contemporâneos.

80. Quando falamos a palavra "cultura", ela pode ser entendida como acúmulo de conhecimentos, assim como ação dos homens sobre a natureza por meio do trabalho. Considerando o segundo sentido da palavra cultura, é correto afirmar que
(A) o homem percebe seu lugar de origem e sua identidade por meio da natureza.
(B) a natureza é o reino da liberdade, ao passo que a cultura é reino do determinismo.
(C) ao planejar, escrever, trabalhar, governar, rezar, o homem realiza um processo estabelecido pela natureza.
(D) a produção da cultura é determinada pela natureza.
(E) a cultura pode significar o uso da liberdade, enquanto a natureza pode significar o determinismo biológico.

GABARITO:
21-C 22-A 23-B 24-E 25-E 26-B 27-D 28-B 29-B 30-E
31-D 32-C 33-E 34-C 35-A 36-E 37-C 38-A 39-A 40-D
41-D 42-C 43-B 44-B 45-E 46-B 47-D 48-D 49-E 50-A
51-C 52-E 53-D 54-B 55-C 56-D 57-C 58-B 59-A 60-B
61-A 62-E 63-B 64-C 66-D 67-A 68-E 69-C 70-B
71-A 72-B 73-E 74-B 75-C 76-A 77-C 78-A 79-B 80-E

(HABILIDADES ESPECÍFICAS - VUNESP - 2009)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

É. PODE SER...

G8: países debatem colaboração com mundo árabe e acordos de segurança nuclear
Na abertura da reunião anual, os líderes do G8 afirmaram nesta quinta-feira que vão propor uma "colaboração" aos países da "primavera árabe", principalmente a Tunísia e o Egito. O encontro entre a França, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Rússia, Itália, Canadá e Japão, acontece no balneário Deayville, no noroeste francês.
"Nos reunimos com os primeiros-ministros do Egito e da Tunísia e decidimos lançar uma colaboração duradoura com estes países, que iniciam uma transição para a democracia e para a construção de sociedades tolerantes", afirmou o G8.
Os integrantes do grupo ainda firmaram um acordo que impõe verificações periódicas de segurança em usinas nucleares. Além disso, foi defendida pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, uma cadeira permanente da América Latina com Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O presidente americano, Barack Obama, e presidente russo, Dmitry Medvedev discutiram a questão de escudo antimíssies que o governo americano pretende instalar no Leste europeu.
O nome do ditador da Líbia também foi citado nesta quinta-feira por Sarkozy. Segundo ele, os países do grupo não estão discutindo o possível exílio de Muammar Gadafi, e sim que ele deixei o poder.
"Não estamos dizendo que Gadafi precisa ser exilado, este não é nosso problema. Quando dizemos que ele deve partir, queremos dizer que ele deve deixar o poder. E, quanto mais rapidamente ele o fizer, melhor será a sua escolha", disse o líder francês.
(www.sidneyrezende.com)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

TEM QUE RIR PARA NÃO CHORAR

 Um homem e uma bonita mulher estavam jantando á luz de velas num restaurante de luxo. De repente o garçom notou que o homem escorregava lentamente para debaixo da mesa. A mulher parecia não reparar que o companheiro tinha desaparecido.
- Perdão, senhora - disse o garçom - mas eu acho que seu marido está debaixo da mesa.
- Não está não - disse a mulher, olhando calmamente para o garçom.
- Meu marido acabou de entrar no restaurante.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

REFLEXÕES DE BARBEARIA

 "Te desejo. Quero te levar pra cama. Fazer você suar, tremer. Quero ver você delirar. Te espero! Assinado: A gripe."

terça-feira, 24 de maio de 2011

ANA, ERA UMA VEZ...

 A raposa e as uvas

Morta de fome, uma raposa foi até um vinhedo sabendo que ia encontrar muita uva. A safra tinha sido excelente. Ao ver a parreira carregada de cachos enormes, a raposa lambeu os beiços. Só que sua alegria durou pouco: por mais que tentasse, não conseguia alcançar as uvas. Por fim, cansada de tantos esforços inúteis, resolveu ir embora, dizendo:
- Por mim, quem quiser essas uvas pode levar. Estão verdes, estão azedas, não me servem. Se alguém me desse essas uvas eu não comeria.

Desprezar o que não se consegue conquistar é fácil.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

REVISÃOZÃO: REVOLUÇÃO FRANCESA E ERA NAPOLEÔNICA.

A REVOLUÇÃO FRANCESA (1789-1799)
- Revolução burguesa.
- Consolidação do Estado burguês.
- Teve participação popular.
- Tomada do poder político pela burguesia.
- Derrubada do Antigo Regime.

MOTIVOS:
• Crise econômica:
- Queda na produção agrícola devido aos entraves feudais e a fenômenos climáticos: alta de preços, miséria e fome.
• Crise financeira:
- Gastos na manutenção da corte.
- Gastos com guerras: Guerra dos Sete Anos e a guerra da Independência dos EUA.
- Imposição de mais tributos e medidas fiscais e comerciais.
• Privilégios de classe:
- O clero e a nobreza não pagavam impostos diretos, ocupavam os melhores cargos na administração e no exército, recebiam rendas do governo e tinham privilégios judiciários.
• Absolutismo dos Bourbons:
- Insensível às condições sociais e econômicas da maioria da população francesa.
• As idéias iluministas:
- Liberdade, igualdade civil e direito de resistência ao despotismo.
Essencial: Desejo da burguesia de atingir o poder político.

1) Revolta Aristocrática:
- Desejo de Luís XVI de criar novos impostos, a serem pagos pelo terceiro estado.
- Sucessivas demissões de ministros: Turgot, Brienne, Calonne e Necker.
- Convocação dos Estados Gerais: Clero, Nobreza e terceiro estado.
- O Terceiro Estado exigiu a votação individual (a votação tradicional era por Ordem ou Estado).
- O rei Luis XVI tentou dissolver a Assembléia.
- Os deputados do Terceiro Estado ocuparam a sala do jogo da péla e juraram não se dissolver enquanto não fosse elaborada uma constituição: Assembléia Nacional Constituinte.
- O rei procurou reunir forças para reprimir os deputados rebelados na Assembléia.
- Demissão de Necker.

2) Assembléia Nacional Constituinte (1789 a 1791)
- A burguesia organizou a Guarda Nacional para resistir ao rei e comandar a população.
- Tomada da Bastilha (14.07.1789). Ponto inicial da Revolução Francesa.
- 04/08/1789: Assembléia abole com o regime feudal, extingue a servidão e acaba com os privilégios tributários do clero e da nobreza.
- Agosto de 1789: Grande medo – Perseguição popular aos nobres e religiosos.
- Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: respeito pela dignidade humana, liberdade e igualdade dos cidadãos, defesa da propriedade privada, liberdade de pensamento e opinião e direito de resistência à opressão política.
- 1790: Constituição Civil do Clero – Confisco dos bens do clero. O Estado passava a controlar a religião.
- Constituição de 1791: Monarquia constitucional, tripartição de poderes, voto censitário e proibição de greves.
- Padres organizam os camponeses contra a Revolução (Rebelião da Vendéia).

3) Assembléia Legislativa (1791-1792)
- Grupos Políticos:
• Girondinos: alta burguesia.
• Jacobinos: pequena burguesia e sans-culottes.
• Cordeliers: camadas mais baixas.
• Feuillants: burguesia financeira.
- Migração da nobreza.
- Apoio externo para restaurar o Estado absolutista.
- Luís XVI foi capturado pelos revolucionários quando fugia da França.
- Batalha de Valmy (1792): Exército popular francês vence o exército contra-revolucionário austro-prussiano. Lideranças. Marat e Danton.
 Luís XVI foi deposto. Fim dos Borbon e proclamação da República.

4) República e Convenção Nacional (1792-1795)
- Facções Políticas:
• Girondinos: direita  consolidação das conquistas burguesas.
• Planície ou Pântano: representantes da burguesia sem posição política definida.
• Jacobinos (Montanha): esquerda  aprofundamento da revolução.
- Foi formada a 1ª Coligação contra a França: Áustria, Prússia, Holanda, Espanha (monarquias absolutistas temerosas dos reflexos da Revolução sobre sua estabilidade política) e Inglaterra (esta, devido a rivalidades econômicas).
- Rei é guilhotinado contra a vontade dos girondinos.
- Insatisfações.
- Os jacobinos assumem a Convenção.

Período do Terror (1793 a 1794): Domínio sangrento dos jacobinos e busca de vingança e igualitarismo social com o uso da violência. Radicalização política.
- Líder político: Robespierre.
- Comitê de Salvação Pública: Controle do Exército e da administração do país.
- Tribunal Revolucionário: Vigilância, prisão e punição dos traidores da causa revolucionária.
- Comissão de Salvação Nacional: Segurança interna.
- Lei do preço máximo, venda dos bens da Igreja e dos nobres, taxação sobre os ricos, abolição da escravidão nas colônias, ensino público e gratuito, sufrágio universal.
- Execuções: guilhotina. Inclusive de Danton e Marat.
- Impopularidade de Robespierre: dificuldades econômicas e militares, ameaças externas e insegurança da população (execuções).

Reação Termidoriana (jul/1794): Golpe dos girondinos: Robespierre e Saint-Just são guilhotinados. Os representantes do Pântano (alta burguesia girondina) assumem o comando da Revolução. Anulação das medidas jacobinas e retomada do caráter burguês da revolução.

5) Diretório (1795-1799):
- Nova Constituição cria o Diretório e restabelece o voto censitário.
- Oposição dos jacobinos e dos realistas.
- Revoltas populares.
- Conspiração dos Iguais (1796): movimento dos sans-culottes  Graco Babeuf  critica a propriedade privada e defesa da igualdade social.
- Vitórias militares de Bonaparte.

Golpe do 18 Brumário (nov/1799): Napoleão Bonaparte, representando dos interesses girondinos, dissolve o Diretório e institui o Consulado. Fim da Revolução e consolidação do Estado burguês.

NAPOLEÃO BONAPARTE
Napoleão Bonaparte chegou ao poder através do Golpe do 18 Brumário, sendo eleito cônsul. Bonaparte tinha o apoio da burguesia, dos militares e dos camponeses.

CONSULADO (1799-1804)
- Napoleão Bonaparte enfrenta as ameaças estrangeiras e recupera a economia e a sociedade.
- Bonaparte criou o Banco da França, saneando as finanças, criando o franco e financiando a indústria e da agricultura.
- Reatou as relações com a Igreja: Papa Pio VII.
- Código Civil Napoleônico (1804): Inspirado no Direito romano, garantia as conquistas burguesas, concedendo ampla proteção à propriedade privada, restabelecendo a escravidão nas colônias e proibindo os sindicatos e as greves.
- Ainda no ano de 1804, Bonaparte tornou-se cônsul vitalício e, através de um plebiscito, foi proclamado Imperador.

IMPÉRIO (1804-1815)
- Prosseguimento das guerras externas.
- Decretou o Bloqueio Continental (1806), na tentativa de vencer a Inglaterra comercialmente, posto que não conseguiu vencer a Inglaterra militarmente. Neste bloqueio, proibiu as relações comerciais entre os países europeus e a Inglaterra.
- Portugal e Rússia: desobediência ao Bloqueio e quebra da hegemonia francesa.
- Portugal: invasão napoleônica de Portugal e fuga da família real (D. João VI) para o Brasil.
- Rússia: os russos adotaram a tática da “terra arrasada” e provocaram a retirada do exército napoleônico.

DECLÍNIO NAPOLEÔNICO
- Exilado na ilha de Elba.
- Restauração da Monarquia Bourbon: Luis XVIII  pouco tempo.

GOVERNO DOS CEM DIAS (1815)
- Napoleão foge da ilha de Elba e recupera o poder.
- 7ª Coligação derrota definitivamente Napoleão na Batalha de Waterloo.
- Napoleão é exilado na ilha de Santa Helena: morre em 1821.

domingo, 22 de maio de 2011

PENSANDO NUMA BOA SEMANA

"Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir."
(Michel Foucault)

sábado, 21 de maio de 2011

PHISOLOFANDO

 "OMNES ET SINGULATIM"
para uma crítica da razão política
Michel Foucault
(Tradução de Selvino J. Assmann)

I

O título parece pretensioso, eu sei. Mas a razão é neste caso precisamente sua própria desculpa. Após o século XIX, o pensamento ocidental nunca parou de insistir em criticar o papel da razão - ou da falta de razão - nas estruturas políticas. Por isso é totalmente inconveniente lançar-se mais uma vez em tão vasto projeto. A própria freqüência das tentativas anteriores é, assim, a garantia de que todo novo empreendimento será tão coroado de sucesso quanto os precedentes - e, seja como for, provavelmente tão feliz.

Eis-me, desde o início, no embaraço de quem não dispõe senão de esboços e de bosquejos inacabáveis a propor. Em tempos que já lá se vão, a filosofia renunciou a buscar compensar a impotência da razão científica, a ponto de nem tentar completar seu edifício.

Uma das tarefas das Luzes era a de multiplicar os poderes políticos da razão. Mas os homens do século XIX chegaram bem cedo a perguntar-se se a razão não estava destinada a tornar-se demasiado potente em nossas sociedades. Começaram a inquietar-se com a relação que eles divisavam entre uma sociedade inclinada à racionalização e certas ameaças ameaçando o indivíduo e suas liberdades, a espécie e sua sobrevivência.

Dito de outra forma, depois de Kant, o papel da filosofia foi o de impedir a razão de superar os limites do que é dado na experiência; mas, desde aquela época - ou seja, com o desenvolvimento dos Estados modernos e a organização política da sociedade - o papel da filosofia foi também o de vigiar os abusos de poder da racionalidade política - o que lhe dava uma esperança de vida bastante promissora.

Ninguém ignora tais banalidades. Mas o fato mesmo de que sejam banais não significa que não existam. Na presença de fatos banais, cabe-nos descobrir - ou tentar descobrir - os problemas específicos e talvez originais que estão relacionados com os mesmos.

A ligação entre a racionalização e os abusos do poder político é evidente. E ninguém precisa esperar a burocracia ou os campos de concentração para reconhecer a existência destas relações. Mas o problema é então de saber o que fazer com um dado tão evidente.

Movamos o "processo" à razão? Na minha opinião, nada seria mais estéril. Antes de mais, porque não se trata nem de culpabilidade nem de inocência neste campo. Depois, porque é absurdo invocar a "razão"" como entidade contrária da não-razão. Por fim, porque tal processo nos colocaria numa armadilha obrigando-nos a jogar o papel arbitrário e chato do racionalista ou do irracionalista.

Vamos indagar esta espécie de racionalismo que parece ser específico de nossa cultura moderna e que remonta às Luzes? Esta, creio eu, é a solução que escolheriam alguns membros da Escola de Frankfurt. Minha intenção não consiste em abrir uma discussão sobre suas obras - e elas são das mais importantes e das mais preciosas. Sugeriria, da minha parte, outra maneira de estudar as relações entre a racionalização e o poder:

É sem dúvida prudente não tratar da racionalização da sociedade ou da cultura como um todo, mas analisar este processo em diversos domínios - cada um deles enraizando-se numa experiência fundamental: loucura, doença, morte, crime, sexualidade, etc.

Considero perigoso o próprio termo racionalização. Quando alguns tentam racionalizar algo, o problema essencial não consiste em pesquisar se eles se conformam ou não aos princípios da racionalidade, mas de descobrir a que tipo de racionalidade eles recorrem.

Mesmo que as Luzes tenham sido uma fase extremamente importante em nossa história e no desenvolvimento da tecnologia política, creio que devemos referir-nos a processos bem mais recuados se quisermos compreender como nos deixamos cair na armadilha da nossa própria história.

Tal foi minha "linha de conduta" no meu precedente trabalho: analisar as relações entre experiências como a loucura, a morte, o crime ou a sexualidade, e diferentes tecnologias do poder. Meu trabalho daqui em frente conduz ao problema da individualidade - ou, deveria eu dizer, da identidade em conexão com o problema do "poder individualizante".

Cada um sabe que, nas sociedades européias, o poder político evoluiu para formas cada vez mais centralizadas. Historiadores estudam esta organização do Estado, com sua administração e sua burocracia, há vários decênios.

Gostaria de sugerir aqui a possibilidade de analisar outra espécie de transformação relativa a estas relações de poder. Tal transformação seja talvez menos conhecida. Mas creio que ela não é de menor importância, sobretudo para as sociedades modernas. Aparentemente tal evolução é oposta à evolução na direção de um Estado centralizado. Penso, de fato, no desenvolvimento das técnicas de poder voltadas para os indivíduos e destinadas a dirigi-los de modo contínuo e permanente. Se o Estado é a forma política de um poder centralizado e centralizador, denominemos "pastorado" (pastorat) o poder individualizador.

Meu propósito consiste aqui em apresentar em grandes traços a origem desta modalidade pastoral do poder, ou pelo menos alguns aspectos de sua história antiga. Em uma segunda conferência, tentarei mostrar como este pastorado se encontrou associado ao seu contrário, o Estado.



A idéia de que a divindade, o rei ou o chefe é um pastor seguido de um rebanho de ovelhas não era familiar aos gregos e aos romanos. Houve exceções, eu sei - inicialmente na literatura homérica, depois em certos textos do Baixo Império. Voltarei a isso em seguida. Grosseiramente falando, podemos dizer que a metáfora do rebanho está ausente dos grandes textos políticos gregos ou romanos.

Este não é o caso nas sociedades orientais antigas, no Egito, na Assíria e na Judéia. O faraó egípcio era um pastor. No dia de sua coroação ele recebia ritualmente o cajado do pastor; e o monarca da Babilônia tinha direito, entre outros títulos, ao de "pastor dos homens". Mas Deus era também um pastor conduzindo os homens à sua pastagem e alcançando seu alimento. Um hino egípcio invocava Rê da sorte: "Oh Rê que vigia quando todos os homens cochilam, Tu que buscas o que é bom para o teu gado...". A associação entre Deus e o rei aparece naturalmente, pois ambos jogam o mesmo papel: o rebanho que eles vigiam é o mesmo; o pastor real tem a guarda das criaturas do grande pastor divino. "Ilustre companheiro de pastagem, Tu que cuidas da tua terra e a nutres, pastor de toda abundância...".

Como sabemos, porém, são os Hebreus que desenvolvem e ampliam o tema pastoral - com nada menos do que uma característica muito singular: Deus, e só Deus, é o pastor de seu povo. Só há uma exceção positiva: em sua qualidade de fundador da monarquia, David é invocado sob o nome de pastor. Deus confiou-lhe a tarefa de reunir um rebanho.

Há, porém, também exceções negativas: os maus reis são uniformemente comparados a maus pastores; eles dispersam o rebanho, deixam-no morrer de fome, não o tosquiam a não ser em proveito próprio. Javé é o único verdadeiro pastor. Ele guia seu povo pessoalmente, ajudado apenas por seus profetas. "Como um rebanho, tu guias teu povo pela mão de Moisés e de Aarão", diz o salmista. Eu não posso tratar, na verdade, nem dos problemas históricos relativos à origem desta comparação nem de sua evolução no pensamento judeu. Desejo apenas abordar alguns temas típicos do poder pastoral. Gostaria de evidenciar o contraste com o pensamento político grego, e mostrar a importância que adquiriram depois tais temas no pensamento cristão e nas instituições.

O pastor exerce o poder sobre um rebanho mais do que sobre uma terra. É provavelmente bem mais complicado do que isso, mas, de modo geral, a relação entre a divindade, a terra e os homens difere daquela dos gregos. Os deuses destes possuíam a terra, e esta posse original determinava as relações entre os homens e os deuses. No outro caso, é, pelo contrário, a relação do Deus-pastor com seu rebanho que é original e fundamental. Deus dá, ou promete, uma terra ao seu rebanho.

O pastor reúne, guia e conduz seu rebanho. A idéia de que cabe ao chefe político apaziguar as hostilidades na cidade e fazer prevalecer a unidade sobre o conflito está, sem nenhuma dúvida, presente no pensamento grego. Mas o que o pastor reúne são indivíduos dispersos. Eles reúnem-se ao som de sua voz. "Eu assobiarei e eles se ajuntam". Inversamente, basta que o pastor desapareça para que o rebanho se disperse. Dito doutra maneira, o rebanho existe pela presença imediata e pela ação direta do pastor. Logo que o bom legislador grego, Sólon, regulamentou os conflitos, ele deixa atrás de si uma cidade dotada de leis que lhe permitem perdurar sem ele.

O papel do pastor consiste em assegurar a salvação de seu rebanho. Os gregos diziam também que a divindade salvava a cidade; e eles nunca deixaram de comparar o bom chefe a um timoneiro mantendo seu navio afastado dos recifes. Mas a maneira em que o pastor salva seu rebanho é muito diferente. Não se trata apenas de os salvar a todos, todos juntos, diante da aproximação do perigo. Tudo é questão de benevolência constante, individualizada e final. De benevolência constante, pois o pastor provê ao sustento de seu rebanho; ele provê diariamente à sua sede e à sua fome. Ao deus grego era pedido uma terra fecunda e colheitas abundantes. Não se pedia a ele estar com o rebanho no dia a dia. E de benevolência individualizada, também, pois o pastor cuida para que todas estas ovelhas, sem exceção , sejam saciadas e salvas. Depois, os textos hebraicos especialmente ressaltaram este poder individualmente benéfico: comentário rabínico sobre o Êxodo explica porque Javé faz de Moisés o pastor de seu povo: ele devia abandonar seu rebanho a fim de partir em busca de uma só ovelha perdida.

Last but not least, trata-se de uma benevolência final. O pastor tem um plano para seu rebanho. É preciso tanto conduzi-lo a uma boa pastagem, quanto reuni-lo no curral.

Há ainda outra diferença que tem a ver com a idéia de que o exercício do poder é um "dever". O chefe grego devia naturalmente tomar suas decisões no interesse de todos; se preferisse seu interesse pessoal seria um mau chefe. Mas seu dever era um dever glorioso: mesmo que ele devesse dar sua vida por ocasião de uma guerra, seu sacrifício era compensado por um presente extremamente precioso: a imortalidade. Ele nunca perdia. A benevolência pastoral, por sua vez, é bem mais próxima do "devotamento". Tudo que o pastor faz, ele o faz pelo bem de seu rebanho. É sua preocupação constante. Quando ele dorme, ele vigia.

O tema da vigília é importante. Vale destacar dois aspectos do devotamento do pastor. Em primeiro lugar, ele age, trabalha e desfaz-se em favor daqueles a quem nutre e que estão adormecidos. Em segundo lugar, ele cuida deles. Presta atenção a todos, sem perder de vista ninguém dentre os mesmos. Ele é levado a conhecer seu rebanho no conjunto e em detalhe. Ele deve conhecer não apenas o lugar das boas pastagens, as leis das estações e a ordem das coisas, mas também as necessidades de cada um em particular. Mais uma vez, um comentário rabínico sobre o Êxodo descreve, nos seguintes termos, as qualidades pastorais de Moisés: ele põe a andar cada ovelha por vez - primeiro as mais jovens, para lhes possibilitar comer a erva mais tenra; depois as de mais idade, e por fim as mais velhas, capazes de mastigar a erva mais dura. O poder pastoral supõe atenção individual a cada membro do rebanho.

Eis aí temas que os textos hebraicos associam às metáforas do Deus-pastor e do seu povo-rebanho. Não pretendo de modo algum que o poder político se exercia efetivamente assim na sociedade judaica antes da queda de Jerusalém. Nem mesmo quero que esta concepção do poder político seja, por pouco que fosse, coerente.

Trata-se apenas de temas. Paradoxais, e até contraditórios. O cristianismo lhes daria importância considerável, tanto na Idade Média, quanto nos Tempos modernos. De todas as sociedades da história, as nossas - quero dizer, aquelas que apareceram no final da Antigüidade no lado ocidental do continente europeu - são talvez as mais agressivas e as mais conquistadoras; elas foram capazes da violência mais estupefaciente, contra elas mesmas assim como contra as outras. Elas inventaram grande número de formas políticas diferentes. Com freqüência, modificaram profundamente suas estruturas jurídicas. É necessário sublinhar o espírito (com) que só elas desenvolveram uma estranha tecnologia do poder, tratando a imensa maioria dos homens em rebanho com um punhado de pastores. Assim elas estabeleceram entre os homens uma série de relações complexas, contínuas e paradoxais.

É seguramente algo singular no curso da história. O desenvolvimento da "tecnologia pastoral" na direção dos homens transformou, com toda evidência, de alto abaixo, as estruturas da sociedade antiga.

Assim, a fim de explicar melhor a importância desta ruptura, gostaria agora de voltar brevemente ao que disse dos gregos. Adivinho as objeções que se podem dirigir a mim.

Uma é que os poemas homéricos empregam a metáfora pastoral para designar os reis. Na Ilíada e na Odisséia, a expressão poimên laôn aparece várias vezes. Designa os chefes e sublinha a grandeza do seu poder. Acrescente-se a isso que se trata de título ritual, freqüente até na literatura indo-européia tardia. Em Beowulf, o rei é ainda considerado como pastor. Mas que se encontre o mesmo título nos poemas épicos arcaicos, assim como nos textos assírios, não é realmente surpreendente.

O problema põe-se sobretudo no que diz respeito ao pensamento grego; ha pelo menos uma categoria de textos que comporta referências aos modelos pastorais: trata-se dos textos pitagóricos. A metáfora do pastor (pâtre) aparece nos Fragmentos de Arquitas, citados por Stobée. O termo nomos (a lei) está ligado ao termo nomeus (pastor): o pastor reparte, a lei designa. E Zeus é denominado Nomios e Némeios porque provê ao sustento das suas ovelhas. Enfim, o magistrado deve ser philanthrôpos, a saber, desprovido de egoísmo. Ele deve mostrar-se cheio de ardor e de solicitude, tal como um pastor.

Gruppe, o editor alemão dos Fragments de Arquitas, sustenta que isso sinaliza uma influência hebraica única na literatura grega. Outros comentaristas, por exemplo Delatte, afirmam que a comparação entre os deuses, os magistrados e os pastores era freqüente na Grécia. Por isso, é inútil insistir nisso.

Ater-me-ei à literatura política. Os resultados da pesquisa são claros: a metáfora política do pastor nem em Isócrates, nem em Demóstenes, nem em Aristóteles. É bastante surpreendente quando se pensa que, no seu Areopagítico, Isócrates insiste nos deveres dos magistrados: ele sublinha com força que eles devem mostrar-se devotados e se preocupar com os jovens. Não há, no

caso, a mínima alusão pastoral.

Platão, por sua vez, fala muitas vezes do pastor-magistrado. Ele evoca a idéia no Crítias, na República, e em As Leis, e discute-o a fundo em O Político. Na primeira obra, o tema do pastor é bastante secundária. Encontram-se às vezes, no Crítias, algumas evocações destes dias felizes em que a humanidade era diretamente governada pelos deuses e era apascentada em abundantes pastagens. Outras vezes, Platão insiste na necessária virtude do magistrado - em oposição ao vício de Trasímaco (República). Por fim, o problema é às vezes o de definir o papel subalterno dos magistrados: na verdade, assim como os cães de guarda, eles não devem senão obedecer àqueles "que se encontram no alto da escala" (As Leis).

Mas, em O Político, o poder pastoral é o problema central e objeto de longos desenvolvimentos. Pode-se definir o condutor da cidade, o comandante, como uma espécie de pastor?

A análise de Platão é bem conhecida. Para responder a esta pergunta, ele procede por divisão. Estabelece distinção entre o homem que transmite ordens às coisas inanimadas (por exemplo, o arquiteto) e o homem que dá ordens aos animais; entre o homem que dá ordens aos animais isolados ( a uma junta de bois, por exemplo) e quem comanda rebanhos; e, por fim, entre quem comanda rebanhos de animais e quem comanda rebanhos humanos. E encontramos aqui o chefe político: um pastor de homens.

Mas esta primeira divisão continua pouco satisfatória. Convém ir mais adiante. Opor os homens a todos os outros animais não é bom método. Também o diálogo parte de zero para propor de novo uma série de distinções: entre os animais selvagens e os animais domésticos; os que vivem nas águas e os quem vivem sobre a terra; os que têm chifres e os que não os têm; os que têm o chifre do pé rachado e os que o têm de uma só parte; os que podem reproduzir-se por cruzamento e os que não o podem. E o diálogo perde-se em suas intermináveis subdivisões.

Então, o que mostram o desenvolvimento inicial do diálogo e seu insucesso subseqüente? Que o método da divisão não pode ao final provar nada quando não é corretamente aplicado. Isso mostra também que a idéia de analisar o poder político como a relação entre um pastor e seus animais era provavelmente bastante controversa na época. De fato, é a primeira hipótese quem vem à mente dos interlocutores quando eles buscam descobrir a essência do político. Era isso então um lugar comum? Ou Platão discutia antes um tema pitagórico? A ausência da metáfora pastoral nos outros textos políticos contemporâneos parece jogar a favor da segunda hipótese. Mas não podemos provavelmente deixar a discussão aberta.

Minha pesquisa pessoal conduz ao modo como Platão trata este tema no resto do diálogo. Inicialmente ele o faz por meio de argumentos metodológicos, depois invocando o famoso mito do mundo que gira em torno do seu eixo.

Os argumentos metodológicos são muito interessantes. Não é decidindo sobre quais espécies podem formar um rebanho, mas analisando o que faz o pastor que se pode dizer se o rei é ou não uma espécie de pastor.

O que caracteriza sua tarefa? Primeiramente, o pastor está sozinho à cabeça do seu rebanho. Em segundo lugar, seu trabalho consiste em prover ao sustento de seus animais; de cuidar deles quando estão doentes; de lhes tocar a música para os reunir e os guiar; de organizar sua reprodução com a preocupação de obter a melhor primogenitura. Assim reencontramos da melhor forma os temas típicos da metáfora pastoral presentes nos textos orientais.

E qual a tarefa do rei a respeito de tudo isso? Como o pastor, ele está só à testa da cidade. Mas, de resto, quem fornece à humanidade seu sustento? O rei? Não. O cultivador, o padeiro. Quem se ocupa dos homens quando estão enfermos? O rei? Não. A medicina. E quem os guia pela música? O mestre do ginásio, e não o rei. Assim, cidadãos poderiam com muita legitimidade pretender o título de "pastor dos homens". A política, assim como o pastor do rebanho humano, conta com numerosos rivais. Conseqüentemente, se quisermos descobrir o que é real e fundamentalmente o político, devemos descartar dele "todos aqueles cuja onda o cerca", e, fazendo isso, demonstrar em que ele não é um pastor.

Platão recorre então ao mito do universo girando em torno do seu eixo em dois movimentos sucessivos e de sentido contrário.

Num primeiro tempo, cada espécie animal pertence a um rebanho conduzido por um gênio-pastor. O rebanho humano era conduzido pela divindade em pessoa. Ele podia dispor em profusão dos frutos da terra; não precisava de abrigo algum; e, após a morte, os homens voltavam à vida. Segue-se uma frase capital: "Se a divindade fosse seu pastor, os homens não teriam necessidade de constituição política".

Num segundo tempo, o mundo voltou na direção oposta. Os deuses já não foram os pastores dos homens, que se reencontrarão desde então abandonados a si mesmos. Porque eles tinham recebido o fogo. Qual seria então o papel do político? Iria ele tornar-se pastor no lugar da divindade? De modo algum. Seu papel seria já o de tecer um tecido sólido para a cidade. Ser homem político não queria dizer alimentar, cuidar e educar sua primogenitura, mas urdir: urdir diferentes virtudes; urdir temperamentos contrários (fogosos ou moderados), servindo-se da "lançadeira" da opinião pública. A arte régia de governar consistia em reunir os vivos "numa comunidade que repousa sobre a concórdia e a amizade", e formando assim "o mais magnífico e o melhor dos tecidos". Todo o povo, "escravos e homens livres, retidos em sua trama".

O Político aparece, portanto, como a reflexão mais sistemática da Antigüidade clássica sobre o tema do pastorado, que era chamada a ter tanta importância no Ocidente cristão. Que o discutamos parece provar que um tema, de origem oriental talvez, era suficientemente importante no tempo de Platão para merecer discussão; mas não esqueçamos que ele era contestado.

Mas não totalmente. Pois Platão reconhecia claramente no médico, no cultivador, no ginasta e no pedagogo a qualidade de pastores. Por sua vez, rejeitava que se misturassem com atividades políticas Ele o diz explicitamente: como poderia o político encontrar o tempo para ir ver cada pessoa em particular, para lhe dar de comer, para lhe oferecer concertos, e para cuidar dele em caso de doença? Só um deus da idade de ouro poderia agir deste modo; ou ainda como um médico ou um pedagogo, ser responsável pela vida e pelo desenvolvimento de um pequeno número de indivíduos. Mas, situados entre os deuses - os deuses e os pastores - os homens que detêm o poder político não são pastores. Sua tarefa não consiste em manter a vida de um grupo de indivíduos. Consiste, sim, em formar e garantir a unidade da cidade. Em breve, o problema político é o da relação entre o um e a multidão no quadro da cidade e dos seus cidadãos. O problema pastoral tem a ver com a vida dos indivíduos.

Tudo isso parece, talvez, muito longínquo. Se insisto nestes textos antigos é porque nos mostram que este problema - ou antes esta série de problemas - foi posto muito cedo. Cobrem a história ocidental na sua totalidade, e são ainda da maior importância para a sociedade contemporânea. Têm a ver com as relações entre o poder político em ato no interior do Estado enquanto quadro jurídico da unidade e um poder que podemos denominar "pastoral", cujo papel reside em vigiar permanentemente a vida de todos e de cada um, em os ajudar, e melhorar a sua sorte.

O famoso "problema do Estado-providência" não põe apenas em evidência as necessidades ou as novas técnicas de governo do mundo atual. Deve ser reconhecido por aquilo que é: um dos muito numerosos reaparecimentos do delicado ajustamento entre o poder político exercido sobre os sujeitos civis e o poder pastoral que se exerce sobre indivíduos vivos.

Não tenho naturalmente a menor intenção de traçar a evolução do poder pastoral através do cristianismo. Os imensos problemas que isso poria deixam-se imaginar facilmente: problemas doutrinais, tais como o título de "bom pastor" dado a Cristo, problemas institucionais, tais como a organização paroquial, ou a divisão das responsabilidades pastorais entre padres e bispos.

Meu único propósito é o de pôr às claras dois ou três aspectos que considero mais importantes na evolução do pastorado, isto é, na tecnologia do poder.

Para começar, examinemos a construção teórica do tema na literatura cristã dos primeiros séculos: Crisóstomo, Cipriano, Ambrósio, Jerônimo e, para a vida monástica, Cassiano ou Bento. Os temas hebraicos encontram-se consideravelmente transformados pelo menos em quatro planos.

1) Em primeiro lugar, no que diz respeito à responsabilidade. Vimos que o pastor devia assumir a responsabilidade pelo destino do rebanho na sua totalidade e por toda ovelha em particular. Na concepção cristã, o pastor deve prestar contas - não só de cada uma das ovelhas, mas de todas as suas ações, de todo o bem ou o mal que são capazes de realizar, de tudo o que lhes acontece.

Além disso, entre cada ovelha e seu pastor, o cristianismo vê um intercâmbio e uma circulação complexos de pecados e de méritos. O pecado da ovelha é também imputável ao pastor. Ele deverá responder por ele no dia do Juízo final. Inversamente, ajudando seu rebanho a encontrar a salvação, o pastor encontrará também a sua. Mas, salvando suas ovelhas, corre o risco de se perder; se quiser salvar a si mesmo, deve necessariamente correr o risco de estar perdido para os outros. Se ele se perder, é o rebanho que ficará exposto aos maiores perigos. Deixemos, porém, tais paradoxos de lado. Meu objetivo era unicamente o de sublinhar a força e a complexidade das vínculos morais associando o pastor a cada membro de seu rebanho. E sobretudo, gostaria de salientar fortemente que estes vínculos não dizem apenas respeito à vida dos indivíduos, mas também aos seus atos nos seus mais ínfimos detalhes.

2) A segunda alteração importante tem a ver com o problema da obediência (de l'obédience ou de l'obéissance - sic). Na concepção hebraica, se Deus é pastor, o rebanho que o segue submete-se à sua vontade, à sua lei.

O cristianismo, por sua vez, concebe a relação entre o pastor e suas ovelhas como relação de dependência individual e completa. Trata-se certamente de um dos pontos sobre os quais o pastorado cristão diverge radicalmente do pensamento grego. Se um grego tinha que obedecer, ele o fazia porque era a lei, ou a vontade da cidade. Se ele chegava a seguir a vontade de alguém em particular (médico, orador ou pedagogo), é porque tal pessoa o havia racionalmente persuadido a fazê-lo. E isso devia situar-se num desígnio estritamente determinado: curar-se, adquirir uma competência, fazer a melhor escolha.

No cristianismo, o vínculo com o pastor é um vínculo individual, um vínculo de submissão pessoal. A vontade dele é cumprida não porque era conforme à lei, mas principalmente porque tal era a sua vontade. Nas Instituições cenobíticas de Cassiano encontram-se muitas anedotas edificantes nas quais o frade alcança sua salvação cumprindo os mais absurdos mandamentos do seu superior. A obediência é uma virtude. O que quer dizer que não é, como entre os gregos, um meio provisório para alcançar um fim, mas antes um fim em si. É um estado permanente: as ovelhas devem permanentemente submeter-se aos seus pastores: subditi. Conforme declara São Bento, os monges não vivem seguindo seu livre arbítrio; o seu voto é de serem submissos à autoridade do abade: ambulantes alieno judicio et imperio. O cristianismo grego nomeava este estado de obediência de apatheia. E a evolução do sentido deste termo é significativa. Na filosofia grega, apatheia designa o império que o indivíduo exerce sobre suas paixões graças ao exercício da razão. No pensamento cristão, o pathos é a vontade exercida sobre si, e para si. A apatheia nos liberta de tal teimosia.

O pastorado cristão pressupõe uma forma de conhecimento particular entre o pastor e cada uma das ovelhas. Tal conhecimento é particular. Ele individualiza. Não basta saber em que estado se encontra o rebanho. É necessário também conhecer o de cada ovelha. Este tema existia bem antes do pastorado cristão, mas foi consideravelmente ampliado em três sentido diferentes: o pastor deve ser informado das necessidades de cada componente do rebanho, e de satisfazê-las quando é necessário. Ele deve saber o que se passa, o que cada um deles - seus pecados públicos. Last but not least, deve saber o que passa na alma de cada um, conhecer seus pecados secretos, sua progressão no caminho da santidade.

A fim de se garantir tal conhecimento individual, o cristianismo apropriou-se de dois elementos essenciais à obra no mundo helênico: o exame de consciência e a direção de consciência. Ele retoma-os , mas não sem alterá-los profundamente.

O exame de consciência, sabe-se, era comum entre os pitagóricos, os estóicos e os epicuristas, que nele viam um meio de prestar contas cotidianamente sobre o bem e o mal realizado com relação aos seus deveres. Assim, se podia medir sua progressão no caminho da perfeição, ou seja, o domínio de si e o império exercido sobre as próprias paixões. A direção de consciência era também predominante em certos ambientes cultivados, mas tomava então a forma de conselhos dados - e às vezes retribuídos - em circunstâncias particularmente difíceis: na aflição, ou quando se sofria de um golpe de sorte.

O pastorado cristão associou estreitamente estas duas práticas. A direção de consciência constituía uma ligação permanente: a ovelha não se deixava conduzir apenas no caso de caso de enfrentar vitoriosamente algum passo perigoso; ela se deixava conduzir em cada instante. Ser guiado era um estado, e estaria fatalmente perdido no caso de tentar escapar disso. Quem não aceita algum conselho murcharia como folha morta, diz o eterno refrão. Quanto ao exame de consciência, seu objetivo não era o de cultivar a consciência de si, mas de lhe permitir abrir-se inteiramente ao seu diretor - de lhe revelar as profundezas da alma.

Existem muitos textos ascéticos e monásticos do séc. I sobre o vínculo entre a direção e o exame de consciência, e os mesmos mostram a que ponto tais técnicas eram capitais para o cristianismo e qual era já então o seu grau de complexidade. O que gostaria de sublinhar é que as mesmas traduzem o aparecimento de um fenômeno muito estranho na civilização greco-romana, a saber, a organização de um vínculo entre a obediência total, o conhecimento de si e a confissão a alguém, por outro lado.

Há outra transformação - a mais importante, talvez. Todas estas técnicas cristãs de exame, de confissão, de direção de consciência e de obediência têm uma finalidade: levar os indivíduos a trabalhar na sua própria "mortificação" neste mundo. A mortificação não é a morte, certamente, mas renúncia a este mundo e a si mesmo: uma espécie de morte cotidiana. Morte que é considerada por dar a vida no outro mundo. Não é a primeira vez que encontramos o tema pastoral associado à morte, mas seu sentido difere daquele que se dá do poder político na idéia grega. Não se trata de sacrifício em favor da cidade; a mortificação cristã é uma forma de relação para consigo mesmo. É elemento, parte da identidade cristã.

Podemos dizer que o pastorado cristão introduziu um jogo que nem os gregos nem os hebreus haviam imaginado. Estranho jogo cujos elementos são a vida, a morte, a verdade, a obediência, os indivíduos, a identidade; jogo que parece não ter relação alguma com o da cidade que sobrevive através do sacrifício dos seus cidadãos. Combinando estes dois jogos - o jogo da cidade e do cidadão e o jogo do pastor e do rebanho - no que denominamos os Estados modernos, nossas sociedades revelaram-se verdadeiramente demoníacas.

Conforme podem observar, não procurei aqui resolver um problema, mas sugerir uma abordagem deste problema. É da mesma ordem que aqueles sobre os quais trabalho após meu primeiro livro sobre a loucura e a doença mental. Conforme disse anteriormente, tem a ver com as relações entre experiências (tais como a loucura, a doença, a transgressão das leis, a sexualidade,a identidade), saberes (tais como a psiquiatria, a medicina, a criminologia, a sexologia e a psicologia), e o poder (como o poder que se exerce nas instituições psiquiátricas e penais, assim como em todas as outras instituições que tratam do controle individual).

Nossa civilização desenvolveu o mais complexo sistema de saber, as mais sofisticadas estruturas de poder: o que fez de nós tal forma de conhecimento, tal tipo de poder? De que maneira tais experiências fundamentais da loucura, do sofrimento, da morte, do crime, do desejo e da individualidade estão relacionadas, mesmo que não tenhamos consciência disso, com o conhecimento e com o poder? Estou certo de jamais encontrar a resposta; mas isso não deve significar que devamos renunciar a pôr a questão.

II

Procurei mostrar como o cristianismo primitivo deu forma à idéia de uma influência pastoral exercendo-se continuamente sobre os indivíduos e através da demonstração de sua verdade particular. Procurei mostrar como tal idéia de poder pastoral era estranha ao pensamento grego, a despeito de certo número de elementos tais como o exame de consciência prático e a direção de consciência.

Gostaria agora, ao preço de um salto de vários séculos, de descrever outro episódio que se revestiu de importância particular na história deste governo dos indivíduos por sua própria verdade.

Este exemplo tem a ver com a formação do Estado no sentido moderno do termo. Se estabeleço tal aproximação histórica, não se trata, evidentemente, de dar a entender que o aspecto pastoral do poder desaparecido nos decurso dos dez grandes séculos da Europa cristã, católica e romana, mas me parece que, ao contrário do que se espera, este período não foi o do pastorado triunfante. E isso por diversos motivos: alguns são de natureza econômica - o pastorado das almas é uma experiência tipicamente urbana, dificilmente conciliável com a pobreza e a economia rural extensiva dos primórdios da Idade Média. Outros motivos são de natural cultural: o pastorado é uma técnica complicada, que requer certo nível de cultura - da parte do pastor assim como do seu rebanho. Outros motivos ainda têm a ver com estrutura sócio-política. O feudalismo desenvolveu entre os indivíduos um tecido de liames pessoais de uma espécie bastante diferente do pastorado.

Não pretendo que a idéia de governo pastoral dos homens tenha desaparecido inteiramente na Igreja medieval. Ela, na verdade, continuou, e se pode inclusive dizer que deu mostras de grande vitalidade. Duas séries de fatos tendem a prová-lo. Em primeiro lugar, as reformas que haviam sido realizadas no próprio interior da Igreja, em particular nas obras monásticas - as diferentes reformas acontecidas sucessivamente dentro dos mosteiros existentes - tinham por finalidade restabelecer o rigor da ordem pastoral entre os monges. Quanto às ordens apenas criadas - dominicanos e franciscanos - elas propunham-se antes de tudo efetuar um trabalho pastoral entre os fiéis. Durante suas crises sucessivas, a Igreja procurou incansavelmente reencontrar suas funções pastorais. Há mais, porém. Na própria população, assiste-se ao longo da Idade Média ao desenvolvimento de longa sucessão de lutas cujo objeto era o poder pastoral. Os adversários da Igreja que falta a suas obrigações rejeitam sua estrutura hierárquica e partem em busca de formas mais ou menos espontâneas de comunidade, na qual o rebanho poderia encontrar o pastor de que precisava. Esta busca de uma expressão pastoral reveste-se de numerosos aspectos: às vezes, como no caso dos Valdenses (N.T.: membros da seita fundada em Lião por Pedro Valdo, por volta de 1170, inspirada na pobreza evangélica, e que repudiava a riqueza da Igreja Católica), proporciona lutas de extrema violência; noutras ocasiões, como na da comunidade dos Irmãos da vida, tal quadro manteve-se pacífico. Ora suscitou movimentos de grande alcance, tais como o do Hussitas (N.T.: adeptos da doutrina de Jan Huss, tcheco, para quem as boas obras não contavam para a salvação eterna), ora fermentou grupos limitados, como naquela dos Amigos de Deus de Oberland. Trata-se ora de movimentos próximos da heresia (caso dos Begardos), ora de movimentos ortodoxos turbulentos fixados no interior da própria Igreja (caso dos oratorianos italianos no séc. XV).

Lembro tudo isso de modo bastante alusivo com o único objetivo de sublinhar que, se não era instituído como governo efetivo e prático dos homens, o pastorado foi na Idade Média o cuidado constante e o centro de lutas incessantes. Ao longo de todo este período manifestou-se um ardente desejo de estabelecer relações pastorais entre os homens, e tal aspiração afetou tanto a corrente mística quanto os grandes sonhos milenaristas.

Não pretendo tratar aqui do problema da formação dos Estados. Nem quero explorar os diferentes processos econômicos, sociais e políticos de que procedem. Por fim, não é intenção analisar os diferentes mecanismos e instituições de que os Estados se dotaram a fim de garantir a sua sobrevivência. Gostaria simplesmente de dar algumas indicações fragmentárias sobre algo que se encontra a meio caminho entre o Estado, como tipo de organização política, e seus mecanismos, a saber, o tipo de racionalidade em ato no exercício do poder de Estado.

Evoquei-o na minha primeira conferência. Mais do que se perguntar se as aberrações do poder de Estado são devidas a excessos de racionalismo ou de irracionalismo, seria mais judicioso, penso eu, ater-se ao tipo específico de racionalidade política produzido pelo Estado.

Antes de mais, pelo menos a este respeito, as práticas políticas assemelham-se às científicas: não é a "razão em geral" que se aplica, mas sempre um tipo bem específico de racionalidade.

O que é surpreendente é que a racionalidade do poder de Estado estava refletida e perfeitamente consciente de sua singularidade. Não estava fechada em práticas espontâneas e cegas, e não é alguma análise retrospectiva que a pôs em evidência. Foi formulada, em particular, em dois corpos de doutrina: a razão de Estado e a teoria da polícia. Estas duas expressões adquirem imediatamente sentidos estreitos e pejorativos, eu sei. Mas, durante os cerca de cento e cinqüenta ou duzentos anos que ocupa a formação dos Estados modernos, as mesmas conservam sentido mais amplo que hoje em dia.

A doutrina da razão de Estado tentou definir em que os princípios e os métodos de governo estatal diferem, por exemplo, da maneira em que Deus governava o mundo, o pai, sua família, ou um superior, sua comunidade.

Quanto à doutrina da polícia, ela define a natureza dos objetos da atividade racional do Estado; define a natureza dos objetivos que persegue, a forma geral dos instrumentos que utiliza.

É, portanto, deste sistema de racionalidade que gostaria de falar agora. Mas é preciso começar por duas afirmações preliminares: 1) tendo Meinecke publicado um livro dos mais importantes sobre a razão de Estado, falarei principalmente da teoria da polícia. 2) A Alemanha e a Itália enfrentaram sérias dificuldades para se constituírem em Estados, e foram estes dois países que produziram o maior número de reflexões sobre a razão de Estado e a polícia. Por isso, voltarei muitas vezes a textos italianos e alemães.

Comecemos pela razão de Estado, de que dou aqui algumas definições:

Botero: "Um conhecimento perfeito dos meios através dos quais os Estados se formam, se reforçam, duram e crescem".

Palazzo (Discurso sobre o governo e a verdadeira razão de Estado, 1606): "Um método ou uma arte permitindo descobrir como fazer reinar a ordem e a paz no seio da República".

Chemnitz (De ratione status, 1647): " Alguma consideração política necessária para todos os negócios públicos, os conselhos e os projetos, cuja única finalidade é a preservação, a expansão e a felicidade do Estado; com que finalidade se empregam os meios mais rápidos e os mais cômodos".

Fixemo-nos em alguns traços comuns destas definições.

1) A razão de Estado é considerada como uma "arte", ou seja, uma técnica que segue determinadas regras. Tais regras não dizem respeito apenas aos costumes ou às tradições, mas também ao conhecimento - ao conhecimento racional. Em nossos dias, a expressão razão de Estado evoca o "arbitrário" ou "a violência". Na época, porém, entendia-se por ela uma racionalidade própria à arte de governar os Estados.

2) Donde esta arte de governar tira sua razão de ser? A resposta a tal pergunta provoca o escândalo do pensamento político nascente. No entanto, ela é bastante simples: a arte de governar é racional se a reflexão a conduz a observar a natureza daquilo que é governado - no caso, o Estado.

Ora, proferir tal lugar comum significa romper com uma tradição ao mesmo tempo cristã e judiciária, tradição que pretendia que o governo era justo em sua raiz. Ele respeitava todo um sistema de leis: leis humanas, lei natural, lei divina.

Existe, a este propósito, um texto bastante revelador de Santo Tomás. Ele assinala que "a arte, no seu domínio, deve imitar o que a natureza cumpre no seu campo"; é razoável só sob esta condição. No governo do seu reino, o rei deve imitar o governo da natureza por parte de Deus; ou então, o governo do corpo pela alma. O rei deve fundar cidades exatamente como Deus criou o mundo ou como a alma dá forma ao corpo. O rei deve também conduzir os homens para a sua finalidade, assim como Deus o faz pelos seres naturais, ou como a alma o faz dirigindo o corpo. E qual a finalidade do homem? O que é bom para o corpo? Não. Só teria necessidade de um médico, não de um rei. A riqueza? Também não. Um administrador bastaria. A verdade? Nem isso. Para tal, só um mestre realizaria a tarefa. O homem precisa de alguém que seja capaz de abrir o caminho para a felicidade celeste conformando-se , aqui embaixo, ao que é honestum.

Conforme podemos observar, a arte de governar toma por modelo a Deus, que impõe suas leis às suas criaturas. O modelo de governo racional apresentado por Santo Tomas não é político, ao passo que, sob o nome de "razão de Estado", os séculos XVI e XVII procurarão princípios capazes de guiar o governo prático.. Não se interessam pela natureza nem por suas leis em geral. Interessam-se pelo que é o Estado, pelo que são suas exigências.

Assim podemos compreender o escândalo religioso suscitado por este tipo de pesquisa. Isso explica porque a razão de Estado foi confundida com o ateísmo. Na França, especialmente, tal expressão, presente em contexto político, foi comumente qualificada como "atéia".

3) A razão de Estado opõe-se também a outra tradição. Em O Príncipe, o problema de Maquiavel consiste em saber como se pode proteger, contra seus adversários internos e externos, uma província ou território adquirido por herança ou conquista. Toda a análise de Maquiavel procura definir o que mantém ou reforça o vínculo entre o príncipe e o Estado, ao passo que o problema posto pela razão de Estado é o da própria existência e da natureza do Estado. É por isso que os teóricos da razão de Estado se esforçam para ficar também o mais longe possível de Maquiavel; este tinha má reputação, e eles não podiam reconhecer o problema daquele como o próprio. Inversamente, os adversários da razão de Estado tentarão comprometer esta nova arte de governar, denunciando no mesmo a herança de Maquiavel. A despeito de querelas confusas, que se desenvolverão um século depois da redação de O Príncipe, a razão de Estado marca, por sua vez, o aparecimento de um tipo de racionalidade muito diverso - embora só em parte - daquele de Maquiavel.

O objetivo de tal arte de governar é precisamente o de não reforçar o poder que um príncipe pode exercer sobre seu domínio. Sua finalidade é a de reforçar o próprio Estado. Este é um dos traços mais característicos de todas as definições formuladas nos sécs. XVI e XVII. O governo racional resume-se, por assim dizer, a isso: dada a natureza do Estado, ele pode derrubar seus inimigos durante um período indeterminado. Não o pode fazer senão aumentando sua própria potência. E seus inimigos também o fazem. O Estado cujo único cuidado fosse o de durar acabaria certamente em catástrofe. Esta idéia é da maior importância e se costura com uma nova perspectiva histórica. De fato, supõe que os Estados são realidades que devem obrigatoriamente resistir durante um período histórico de duração indefinida no contexto de uma área geográfica contestada.

4) Por fim, podemos ver que a razão de Estado, no interior de um governo racional capaz de aumentar a potência do Estado de acordo com ele mesmo, passa pela constituição prévia de um determinado tipo de saber. O governo não é possível a não ser que a força do Estado seja conhecida; só assim pode ser mantida. A capacidade do Estado e os meios para as aumentar devem também ser conhecidas, assim como a força e a capacidade dos outros Estados. O Estado governado deve, portanto, resistir contra os outros. Assim, o governo não poderia limitar-se apenas à aplicação dos princípios gerais de razão, de sabedoria e de prudência. É necessário um saber: saber concreto, preciso e proporcional à potência do Estado. A arte de governar, característica da razão de Estado, está intimamente ligada ao desenvolvimento do que denominamos estatística ou aritmética política, ou seja, ao conhecimento das forças respectivas dos diferentes Estados. Tal conhecimento era indispensável ao bom governo.

Em síntese, a razão de estado não é uma arte de governar seguindo as leis divinas, naturais ou humanas. Este governo não precisa respeitar a ordem geral do mundo. Trata-se de um governo de acordo com a potência do Estado. É um governo cuja finalidade consiste em aumentar tal potência num quadro extensivo e competitivo.

O que os autores dos sécs. XVII e XVIII entendem por "polícia" é bastante diferente do que nós compreendemos com este termo. Valeria a pena estudar porque a maioria destes autores são italianos ou alemães, mas o que importa?! Por "polícia", eles entendem não uma instituição ou mecanismo que funciona no interior do Estado, mas uma técnica do governo própria do Estado: trata-se de domínios, técnicas, objetivos que pedem a intervenção do Estado.

Para ser claro e simples, ilustraria meu propósito por meio de um texto que contém ao mesmo tempo a utopia e o projeto. Trata-se de uma das primeiras utopias-programas de Estado policiado. Turquet de Mayerne a compôs e apresentou em 1611 aos estados gerais da Holanda. Em Science and Rationalism in the Government of Louis XIV , J. King chama a atenção para a importância desta estranha obra cujo título, Monarquia aristodemocrática, basta para mostrar o que conta aos olhos do autor: trata-se menos de escolher entre diferentes tipos de constituição, e mais de os combinar em vista de um fim vital: o Estado. Turquet denomina-a também Cidade, República, ou ainda Polícia.

Eis a organização que é proposta por Turquet. Quatro grandes dignitários secundam o rei. Um está encarregado da justiça; o segundo, do exército; o terceiro, do tabuleiro, a saber, dos impostos e dos recursos do rei; e o quarto, da polícia. Parece que o papel deste grande encarregado devesse ser essencialmente moral. Segundo Turquet, ele devia inculcar na população "a modéstia, a caridade, a fidelidade, a assiduidade, a cooperação amigável e a honestidade". Reconhecemos aí uma idéia tradicional: a virtude do sujeito é o penhor da boa administração do reino. Mas, quando entramos nos detalhes, a perspectiva se torna um pouco diversa.

Turquet sugere a criação, em cada província, de conselhos encarregados de manter a ordem pública. Dois cuidarão das pessoas; dois outros, dos bens. O primeiro conselho, que se ocupa das pessoas, devia cuidar dos aspectos positivos, ativos e produtivos da vida. Dito de outra forma, ocupar-se-ia da educação, determinaria os gostos e as aptidões de cada um e escolheria as profissões - as profissões úteis: cada pessoa de mais de vinte e cinco anos devia estar inscrito em registro que indicasse sua profissão. Aqueles que não estavam utilmente empregados eram considerados a ralé da sociedade.

O segundo conselho devia ocupar-se dos aspectos negativos da vida: dos pobres (viúvas, órfãos, velhos) necessitados; das pessoas sem emprego; daqueles cujas atividades exigiam ajuda pecuniária (e dos quais não se cobrava juro algum); mas também da saúde pública - doenças, epidemias - e de acidentes, tais como os incêndios e as inundações.

Um dos conselhos encarregados dos bens devia especializar-se em mercados e produtos manufaturados. Devia indicar o que produzir e como fazê-lo, mas também controlar os mercados e o comércio. O quarto conselho cuidaria do "domínio", ou seja, do território e do espaço, controlando os bens privados, os legados, as doações e as vendas; reformando os direitos senhoriais; ocupando-se das estradas, dos rios, dos edifícios públicos e das florestas.

Para muitos, este texto aparenta-se com as utopias políticas tão numerosas na época. Mas é também contemporâneo das grandes discussões teóricas sobre a razão de Estado e a organização administrativa das monarquias. É altamente representativo do que deviam ser, no espírito da época, as tarefas de um Estado governado segundo a tradição.

O que demonstra este texto?

1) A "polícia" aparece como administração dirigindo o Estado ao lado da justiça, do exército e do tabuleiro. Isso é verdade. No entanto, de fato ela abraça todo o resto. Conforme o explica Turquet, ela estende suas atividades a todas as situações, a tudo aquilo que os homens fazem ou empreendem. Seu domínio compreende a justiça, as finanças e o exército.

2) A polícia engloba tudo. Mas de um ponto de vista bem particular. Homens e coisas são vistas em suas relações: a coexistência dos homens no território; as suas relações de propriedade; o que eles produzem; o que se troca no mercado. Ela interessa-se também pela maneira como vivem, pelas doenças e pelos acidentes aos quais estão expostos. É de um homem vivo, ativo e produtivo que a polícia cuida. Turquet usa uma expressão notável: o homem é o verdadeiro objeto da polícia, afirma ele substancialmente.

4) Uma intervenção deste tipo nas atividades dos homens poderia muito bem ser qualificada de totalitária. Quais são os objetivos visados? Eles dependem de duas categorias. Em primeiro lugar, a polícia tem a ver com tudo o que diz respeito à ornamentação, à forma e ao esplendor da cidade. O esplendor não só se relaciona com a beleza de um Estado organizado com perfeição, mas também com sua potência, seu vigor. Assim, a polícia garante o vigor do Estado e o coloca em primeiro plano. Em segundo lugar, o outro objetivo da polícia consiste em desenvolver as relações de trabalho e de comércio entre os homens, sob o pretexto de ajuda e de assistência mútua. A palavra que Turquet usa neste caso ainda é importante: a política deve assegurar a "comunicação" entre os homens, no sentido amplo do termo. Sem isso os homens não poderiam viver; ou sua vida seria precária, miserável e estaria perpetuamente ameaçada.

Podemos reconhecer aqui, creio eu, uma idéia importante. Enquanto forma de intervenção racional exercendo o poder político sobre os homens, o papel da polícia consiste em lhes dar um pequeno suplemento de vida; fazendo isso, em dar ao Estado um pouco mais de força. Isso se faz pelo controle da "comunicação", isto é, das atividades comuns dos indivíduos (trabalho, produção, troca, comodidades).

Alguém poderia objetar: trata-se aqui apenas de uma utopia de algum autor obscuro. Daí não se poderia deduzir a menor conseqüência significativa! De minha parte, pretendo que tal obra de Turquet seja vista apenas como um exemplo da imensa literatura que circulava na maioria dos países europeus da época. O fato de ser excessivamente simples e muito pormenorizada evidencia com a maior clareza possível características que se podem reconhecer por todo lugar. Antes de tudo, diria que estas idéias não foram natimortas. Difundiram-se ao longo de todo o século XVII e do século XVIII, seja sob a forma de políticas concretas (tais como o cameralismo ou o mercantilismo), seja como matérias de ensino (a Polizeiwissenschaft alemã; não esqueçamos que sob tal nome era ensinada na Alemanha a ciência da administração).

Há duas perspectivas que gostaria, não de estudar, mas, pelo menos, de sugerir. Começaria referindo-me a um compêndio administrativo francês, depois a um manual alemão.

1) Todo historiador conhece o compêndio de De Lamare. No início do século XVIII, este administrador empreende a compilação dos regulamentos de polícia de todo o reino. È uma fonte inesgotável de informações do maior interesse. Meu propósito é aqui o de mostrar a concepção geral da polícia que tal quantidade de regras e regulamentos podia fazer nascer no caso de uma administrador como De Lamare.

De Lamare explica que há onze coisas das quais a polícia deve cuidar dentro do Estado: 1) a religião; 2) a moralidade; 3) a saúde; 4) os mantimentos; 5) as estradas, as pontes e calçadas, e os edifícios públicos; 6) a segurança pública; 7) as artes liberais (em geral, as artes e as ciências); 8) o comércio; 9) as fábricas; 10) os criados e os carregadores; 11) os pobres.

A mesma classificação caracteriza todos os tratados relativos à polícia. Como no programa utópico de Turquet, com exceção do exército, da justiça propriamente dita e das contribuições diretas, a política cuida aparentemente de tudo. Pode-se dizer o mesmo de forma diferente: o poder régio foi-se afirmando contra o feudalismo tanto graças ao apoio de uma força armada, quanto com o desenvolvimento de um sistema judiciário e com o estabelecimento de um sistema fiscal. É assim que se exercia tradicionalmente o poder régio. Ora, a "polícia" designa o conjunto do novo domínio no qual o poder político e administrativo centralizado pode intervir.

Mas qual é então a lógica por detrás da intervenção nos ritos culturais, nas técnicas de produção em pequena escala, na vida intelectual e na malha estradal?

A resposta de De Lamare parece um tanto hesitante. A polícia - precisa ele substancialmente - cuida de tudo que se relaciona com a felicidade dos homens, após o que ele acrescenta: a polícia cuida de tudo que regulamenta a sociedade (as relações sociais) que prevalece entre os homens. E por fim - garante - a polícia cuida da vida (vivant). É sobre esta definição que gostaria de me deter. É a mais original, e esclarece as duas outras; é De Lamare mesmo que insiste nisso. Eis quais são suas observações sobre os onze objetos da polícia. A polícia ocupa-se da religião, não, bem entendido, do ponto de vista da verdade dogmática, mas daquele da qualidade moral da vida. Cuidando da saúde e dos mantimentos, ela se preocupa em preservar a vida; tratando-se do comércio, das fábricas, dos trabalhadores, dos pobres e da ordem pública, ocupa-se com as comodidades da vida. Cuidando do teatro, da literatura, dos espetáculos, seu objeto não é senão os prazeres da vida. Em breve, a vida é o objeto da polícia: o indispensável, o útil e o supérfluo. Cabe à polícia permitir aos homens sobreviverem, viverem e melhorarem ainda mais.

Encontramos assim as outras definições que De Lamare propõe: o único objetivo da polícia consiste em conduzir o homem à maior felicidade de que o homem possa usufruir nesta vida. Ou ainda, a polícia cuida do conforto da alma ( graças à religião e à moral), do conforto do corpo ( sustento, saúde, vestuário, moradia), e da riqueza (indústria, comércio, mão-de-obra). Ou enfim, a polícia cuida das vantagens que só se podem tirar da vida em sociedade.

2) Lancemos agora um rápido olhar para os manuais alemães. Deviam ser utilizados um pouco mais tarde para ensinar a ciência da administração. Este ensino foi dispensado em diversas universidades, especialmente em Göttingen, adquirindo importância enorme para a Europa continental. É lá que foram formados os funcionários prussianos, austríacos e russos - aqueles que deveriam realizar as reformas de José II e de Catarina, a Grande. Alguns franceses, sobretudo nos círculos de Napoleão, conheciam muito bem as doutrinas da Polizeiwissenschaft .

O que encontramos nestes manuais?

No seu Liber de politia, Hohenthal distingue as seguintes rubricas: o número dos cidadãos; a religião e a moralidade; a saúde; a alimentação; a segurança das pessoas e dos bens (especialmente com relação aos incêndios e às inundações); a administração da justiça; as recreações e os prazeres dos cidadãos (como usufruí-los e como moderá-los). Segue depois uma série de capítulos sobre os rios, as florestas, as minas, as salinas e a moradia e, por fim, vários capítulos sobre os diferentes meios para adquirir bens através da agricultura, da indústria ou dos negócios.

Em seu Abrégé de la police, Willebrandt aborda sucessivamente a moralidade,as artes e profissões, a saúde, a segurança e, por último, os edifícios públicos e o urbanismo. No que diz respeito aos assuntos, mais ou menos, não há grande diferença com a lista de De Lamare.

De todos estes textos, porém, o mais importante é o de Justi, Éléments de police. O objeto específico da polícia continua sendo definido como a vida em sociedade de indivíduos vivos. Contudo, Von Justi organiza sua obra de maneira um pouco diversa. Começa estudando o que ele chama os "imóveis do Estado" ("bien-fonds de l'État"), ou seja, seu território. Focaliza-o sob dois aspectos: como é povoado (cidades e campo), em seguida, quem são seus habitantes (número, crescimento demográfico, saúde, mortalidade, imigração). Depois von Justi analisa os "bens e objetos de uso" ("biens et effets"), a saber, os produtos manufaturados, assim como sua circulação que toca problemas relativos a seu custo, ao crédito e à moeda. Por fim, a última parte é consagrada à conduta dos indivíduos: sua moralidade, suas capacidades profissionais, sua honestidade e seu respeito pela lei.

Na minha opinião, a obra de Justi é demonstração muito mais rebuscada da evolução do problema da polícia do que a introdução de De Lamare ao seu compêndio de regulamentos. Há quatro motivos para isso.

Primeiro, von Justi define em termos bem mais claros o paradoxo central da polícia. A polícia - explica ele - é o que permite ao estado aumentar seu poder e exercer sua potência em todo o seu alcance. Além disso, a polícia deve atender as pessoas felizes - a felicidade compreendida como a sobrevivência, a vida e uma vida melhor. Ele define perfeitamente o que considera a finalidade da arte moderna de governar, ou da racionalidade estatal: desenvolver os elementos constitutivos da vida dos indivíduos de tal maneira que seu desenvolvimento reforce também a potência do Estado.

Depois von Justi estabelece uma distinção entre esta tarefa, que, à semelhança de seus contemporâneos, chama de Polizei, e a Politik, Die Politik. Die Politik é fundamentalmente uma tarefa negativa. Ela consiste, para o Estado, em bater-se contra seus inimigos tanto do dentro quanto de fora. A Polizei, pelo contrário, é uma tarefa positiva: consiste em favorecer ao mesmo tempo a vida dos cidadãos e a força do Estado.

Tocamos aqui um ponto importante: von Justi insiste bem mais do que o faz De Lamare sobre uma noção que deveria adquirir importância crescente no curso do séc. XVIII - a população. A população era definida como grupo de indivíduos vivos. Suas características eram aquelas de todos os indivíduos pertencentes à mesma espécie, vivendo lado a lado. (Assim, caracterizavam-se pelas taxas de mortalidade e de fecundidade; eram sujeitos a epidemias e a fenômenos de superpopulação; apresentavam determinado tipo de distribuição territorial.) Assim, De Lamare emprega o termo "vida" para definir o objeto da polícia, mas ele não insistia para além da medida. Ao longo de todo o séc. XVIII, e sobretudo na Alemanha, é a população - ou seja, um grupo de indivíduos vivos em determinada área - que é definida como o objeto da polícia.

Finalmente, basta ler von Justi para dar-se conta de que não se trata apenas de uma utopia, como no caso de Turquet, nem de um compêndio de regulamentos sistematicamente elencados. Von Justi procura elaborar uma Polizeiwissenschaft. Seu livro não é mera lista de prescrições. É também uma grade através da qual se pode observar o Estado, a saber, seu território, seus recursos, sua população, suas cidades, etc. Von Justi associa a "estatística" (a descrição dos Estados) e a arte de governar. A Polizeiwissenschaft é, ao mesmo tempo, uma arte de governar e método para analisar uma população vivendo sobre um território.

Tais considerações históricas devem parecer estar muito distantes; devem parecer inúteis com relação às preocupações atuais. Não iria tão longe quanto Herman Hesse, que afirma que só é fecunda a "referência constante à história, ao passado e à Antigüidade". Mas a experiência me ensinou que a história das diferentes formas de racionalidade consegue às vezes abalar melhor nossas certezas e nosso dogmatismo do que uma crítica abstrata. Durante séculos, a religião não pôde suportar que se contasse sua história. Hoje, nossas escolas de racionalidade não apreciam muito que se escreva a história das mesmas, o que é sem dúvida significativo.

O que pretendi mostrar é uma direção de pesquisa. Aqui apresentei apenas rudimentos de estudo no qual trabalho há dois anos. Trata-se da análise histórica do que chamaríamos, usando expressão em desuso, a arte de governar.

Este estudo apoia-se em certo número de postulados de base, que resumiria da seguinte maneira:

O poder não é uma substância. Não é também um misterioso atributo de que precisaríamos esquadrinhar as origens. O poder não é senão um tipo particular de relações entre os indivíduos. E tais relações são específicas: por outras palavras, elas nada têm a ver com a troca, a produção e a comunicação, mesmo que lhes estejam associadas. O traço distintivo do poder é o de determinados homens poderem determinar, mais ou menos inteiramente, a conduta de outros homens - mas jamais de modo exaustivo e coercitivo. Um homem acorrentado e pisado está submetido à força que se exerce sobre ele. Mas não ao poder. Mas se for possível levá-lo a falar, quando seu último recurso teria podido ser o de manter sua língua, preferindo a morte, é porque se impeliu a comportar-se de um determinado modo. Sua liberdade foi sujeitada ao poder. Ele foi submetido ao governo. Se um indivíduo pode continuar livre, por mais limitada que possa ser sua liberdade, o poder pode sujeitá-lo ao governo. Não há poder sem rejeição ou revolta em potência.

No que diz respeito às relações entre os homens, muitos fatores determinam o poder. No entanto, a racionalização não cessa de perseguir sua obra e se reveste de formas específicas. Difere da racionalização própria dos processos econômicos ou das técnicas de produção e de comunicação; difere também do discurso científico. O governo dos homens por parte dos homens - tanto no caso de formarem grupos modestos ou importantes, quanto no caso de se tratar do poder dos homens sobre as mulheres, dos adultos sobre as crianças, de uma classe sobre a outra, ou de uma burocracia sobre uma população - pressupõe uma determinada forma de racionalidade, e não uma violência instrumental.

Conseqüentemente, os que resistem ou se rebelam contra uma forma de poder não conseguiriam contentar-se com a denúncia da violência ou com a crítica a uma instituição. Não basta acusar a razão em geral. O que é necessário questionar é a forma de racionalidade presente. A crítica do poder exercido sobre os doentes mentais ou sobre os loucos não deveria limitar-se às instituições psiquiátricas; de modo similar, os que contestam o poder de punir não deveriam contentar-se com a denúncia das prisões como instituições totais. A questão é: como são racionalizadas as relações de poder? Colocar tal questão constitui a única maneira de evitar que outras instituições, com os mesmos objetivos e os mesmos efeitos, tomem seu lugar.

Durante séculos, o Estado foi uma das mais importantes formas de governo humano, e também uma das mais temíveis.

Que a crítica política tenha acusado o Estado de ser ao mesmo tempo fator de individualização e princípio totalitário é bastante revelador. Basta observar a racionalidade do Estado nascente e ver qual foi seu primeiro projeto de polícia para darmo-nos conta de que, desde o seu início, o Estado foi, ao mesmo tempo, individualizante e totalitário. Contrapor-lhe o indivíduo e seus interesses é tão infeliz quanto contrapor-lhe a comunidade e suas exigências.

A racionalidade política desenvolveu-se e impôs-se ao fio da história das sociedades ocidentais. Enraizou-se inicialmente na idéia de poder pastoral, depois naquela de razão de Estado. A individualização e a totalização são seus efeitos inevitáveis. A libertação disso só pode vir do ataque, não a um ou outro destes efeitos, mas às próprias raízes da racionalidade política.

Texto original:

FOUCAULT, Michel. "Omnes et singulatim": vers une critique de la raison politique. In: Dits et Écrits 1954-1988, Vol. IV (1980-1988). Édition établie sous la direction de Daniel Defert et François Ewald, avec la collaboration de Jacques Lagrange. Paris, Gallimard, 1994, pp. 134-161. O texto resulta de conferências feitas pelo Autor em 1979, e publicadas como um artigo em 1981.