quarta-feira, 29 de junho de 2011

REFLEXÔES DE BARBEARIA

"O primeiro economista do mundo foi Cristóvão Colombo: quando saiu, não sabia para onde ia; quando chegou, não sabia onde estava. E tudo por conta do governo."
(Ronaldo Costa Couto)

terça-feira, 28 de junho de 2011

ANA, ERA UMA VEZ...

A rosa e a borboleta

Uma vez uma borboleta se apaixonou por uma linda rosa. A rosa ficou comovida, pois o pó das asas da borboleta formava um maravilhoso desenho em ouro e prata. Assim, quando a borboleta se aproximou voando da rosa e disse que a amava, a rosa ficou coradinha e aceitou o namoro. Depois de um longo noivado e muitas promessas de fidelidade, a borboleta deixou sua amada rosa. Mas ó desgraça! A borboleta só voltou muito tempo depois.

- É isso que você chama fidelidade? – choramingou a rosa. – Faz séculos que você partiu, e além disso você passa o tempo de namoro com todos os tipos de flores. Vi quando você beijou dona Gerânio, vi quando você deu voltinhas na dona Margarida até que dona Abelha chegou e expulsou você... Pena que ela não lhe deu uma boa ferroada!

- Fidelidade!? – riu a borboleta. – Assim que me afastei, vi o senhor Vento beijando você. Depois você deu o maior escândalo com o senhor Zangão e ficou dando trela para todo besourinho que passava por aqui. E ainda vem me falar em fidelidade!

Não espere fidelidade dos outros se não for fiel também.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

REVISÃOZÃO: IMPERIALISMO.

Guerras do ópio e a impotência do Império

Interessada em abrir o mercado chinês para seus produtos e reverter a balança comercial a favor do Ocidente, a Inglaterra apelou para o uso do ópio, que, proibido na China, havia sido introduzido fraudulentamente no país, expondo a vulnerabilidade do Império do Meio.

Entre 1839 e 1860, a Inglaterra, inicialmente sozinha (primeira guerra do ópio, 1839-1842), depois aliada à França (segunda guerra do ópio, 1858-1860) impõe pela força das armas à China dos Ching (Manchus) a abertura ao comércio internacional. Em 1839, o Império do Meio estava fechado, com exceção de entrepostos exíguos em Cantão, nos quais negociantes estrangeiros, principalmente britânicos, mantinham relações comerciais apenas com a corporação dos comerciantes chineses.
Abalada pela revolução industrial, a Inglaterra batia na porta inutilmente. Comprava grandes quantidades de chá (12.700 toneladas em 1720, 360 mil toneladas em 1830) que, na época, só a China produzia. Mas, no início da década de 1820, a balança comercial com o Ocidente tinha-se invertido em detrimento da China, em razão da importação maciça de ópio, introduzido fraudulentamente por comerciantes ingleses e norte-americanos. A Inglaterra liberal de lorde Henry Palmerston decidira apelar para qualquer pretexto, para abrir o país, sem restrições, não somente para a droga, mas também para os tecidos de algodão de Lancashire e para as quinquilharias de Birmingham. A destruição das caixas de ópio, pertencentes a negociantes ingleses residentes em Cantão, pelo vice-rei Lin Zexu, em junho de 1839, foi o pretexto esperado para que se iniciassem as hostilidades.

Privilégios dos estrangeiros
As reformas tentadas a partir da década de 1860, para modernizar o país, adotando a tecnologia estrangeira sem nada mudar quanto ao regime, estavam fadadas ao fracasso
Em 1860, quando foi assinado o tratado de Pequim, que daria prosseguimento a uma longa lista de tratados qualificados pelos chineses de "desiguais", onze portos, dentre os quais Cantão, Xangai, Hankou e Tianjin, foram abertos ao comércio; os direitos alfandegários foram limitados a um máximo de 5%. Os ocidentais tinham o direito de circular no interior do país e aí adquirir propriedades rurais sem pagar mais de 2,5% de impostos. Nesses portos abertos, chamados de "portos de tratado", os estrangeiros, beneficiando-se da extraterritorialidade, começaram a desenvolver "concessões", como em Xangai. Dessa forma, alguns bairros das cidades escapam, de fato, se não de direito, à autoridade chinesa. Proibido por diversas vezes desde 1796, o comércio do ópio pôde, a partir de então, desenvolver-se sem obstáculos: passou de 30 mil caixas de droga, em 1838 (de contrabando), para 68 mil caixas em 1850, e 96 mil em 18733.
Todas as potências estrangeiras passaram a dispor, a partir de então, de missões diplomáticas permanentes em Pequim. A Inglaterra fez da pequena ilha de Hong Kong uma colônia da Coroa, enquanto a Rússia, por atuação diplomática, adquiriu mais de um milhão de quilômetros quadrados, da margem Norte do rio Amur até a margem oriental do Ussuri.
Além disso, o país foi sacudido por diversos movimentos de revolta, por vezes separatistas (populações muçulmanas turcas); um outro, como o movimento Taiping, conseguiu até fundar uma dinastia rival que reinou localmente durante dez anos. Eram rebeliões muitas vezes incentivadas por sociedades secretas, como a Tríade, enriquecidas pelo contrabando de ópio. Nesse contexto, as autoridades chinesas tinham três preocupações: uma, interna: restabelecer a ordem; a segunda, geopolítica, já que os perigos do ataque dos "bárbaros" (ou seja, os ocidentais) no litoral Sul foram subestimados, enquanto o levante do grande Oeste, apoiado pelo Império dos Czares, bem próximo, foi considerado um perigo maior. A terceira preocupação era econômica: a hemorragia de dinheiro provocada pelo contrabando de ópio. Além do empobrecimento do país, disso resultava uma grave tensão social: as classes populares eram pagas com moedas de cobre que se depreciavam diante da prata, que servia de base para o cálculo dos impostos.

Origem da revolução republicana
Depois de serem vencidos pelo Japão, durante tanto tempo desprezado é que a derrota das guerras do ópio assumiu então toda a sua significação
Depois de uma vitória contra um batalhão inglês, difundiu-se a idéia de que a resistência era possível, que a dinastia dos Ching perdera o mandato celeste e que era preciso derrubá-la. A humilhação suplementar sofrida em 1860 com a tomada da capital pelos "bárbaros" e o saque do Palácio de Verão (leia, nesta edição, o texto de Victor Hugo) acentuou ainda mais a rejeição a um poder impotente para defender o país.
Para certos historiadores, a crise das guerras do ópio insere-se numa crise interna mais ampla, iniciada na década de 1750, com a pressão demográfica, o aumento do desemprego dos instruídos, as insurreições das minorias nacionais e a impopularidade de um regime corrupto do qual se denuncia a origem estrangeira. Na verdade, as reformas tentadas a partir da década de 1860, no âmbito do movimento yangwu ("as coisas vindas do estrangeiro"), para modernizar o país, adotando a tecnologia estrangeira sem nada mudar quanto ao regime, estavam fadadas ao fracasso: o problema não era somente o "atraso" chinês em matéria de tecnologia e de armamento. Este último, aliás, só seria evidente no final do século, quando os exércitos chineses, equipados pelos ocidentais, foram vencidos pelo Japão, durante tanto tempo desprezado (1895). A derrota das guerras do ópio assumiu então toda a sua significação. Disso resultaria a revolução republicana de 1911 e um sentimento nacional exacerbado do qual ainda hoje se notam as manifestações.
(Alain Roux )

domingo, 26 de junho de 2011

PENSANDO NUMA BOA SEMANA

"A glória é tanto mais tardia quanto mais duradoura há de ser, porque todo o fruto delicioso amadurece lentamente."
(Arthur Schopenhauer)

sábado, 25 de junho de 2011

PHISOLOFANDO

CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS

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Na democracia da pólis, cujo exemplo maior é o da Atenas no século IV a.C., muito poucos de fato poderiam ser considerados cidadãos, estando excluídos da participação política
(A) escravos, crianças, mulheres e homossexuais.
(B) mulheres, crianças, escravos e estrangeiros.
(C) mulheres, escravos e os mais pobres.
(D) homens, mulheres e crianças.
(E) todos que não servissem ao exército.

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Ao lado do poeta, do adivinho e do rei-de-justiça, a Grécia arcaica possuía ainda um outro grupo de homens que têm o direito à palavra: os guerreiros.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia, p.41.
Como característica da palavra dos guerreiros, contrapondo-a à dos demais grupos citados, tem-se o fato de ela ser
(A) contrária à filosofia nascente, porque intransigente e interditada a qualquer possibilidade de discussão.
(B) fundada na força e na violência, cruel e impiedosa.
(C) requisitante de uma falsa fundamentação divina utilizada para sustentar a posição do rei-de-justiça.
(D) mágica e eficaz, cuja verdade é decidida pelo adivinho que acompanha os guerreiros.
(E) leiga e humana, proferida em assembleia e, portanto, fundamental à instituição da democracia e da palavra dialógico-filosófica.

28
A chamada "querela dos universais" foi, nos últimos séculos da Idade Média, uma das principais e mais determinantes discussões filosóficas para o advento do pensamento moderno. Segundo a posição nominalista de Guilherme de Ockam, no século XIV, os universais são
(A) entes dotados de realidade objetiva que constituem o fundamento último do real.
(B) formas que existem na matéria e dela são abstraídas apenas pelo pensamento.
(C) categorias de realidade lógica, ontológica e epistemológica.
(D) momentos ou aspectos do desdobramento histórico do Conceito.
(E) palavras que não correspondem a ideias existentes em si mesmas e, portanto, são desprovidos de realidade objetiva.

29
A investigação filosófica acerca do "belo" sofre radical mudança na modernidade, na medida em que passa a privilegiar a busca de seu objeto não na própria coisa (no caso, a obra de arte), como seu atributo, mas sim na subjetividade do sujeito, tematizando, sobretudo, o juízo de gosto. Tal deslocamento foi acompanhado de uma mudança terminológica que consiste no(a)
(A) uso do termo "estética" para referir-se às artes, empregado pela primeira vez, nesse sentido, por Baumgarten, em torno de 1750.
(B) uso do termo "belo" com referência não apenas aos entes inteligíveis, mas também aos entes sensíveis e mutáveis.
(C) emprego, feito pela primeira vez por Baumgarten, por volta de 1750, do termo "poética" para denominar a investigação do "belo" enquanto atividade produtiva do espectador.
(D) emprego do termo "imaginação", a partir do "Leviatã" de Thomas Hobbes, com referência apenas ao âmbito artístico e, peculiarmente, sob a perspectiva do artista.
(E) restrição do uso do termo "estética", referindo-se, a partir do século XVIII, apenas à experiência sensível e ao conhecimento dela proveniente.

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"Sabe por que não é fácil dizer quando um ser humano é "bom" e quando não é? Porque não sabemos para que servem os seres humanos. Um jogador de futebol serve para jogar futebol de modo a ajudar seu time a ganhar e marcar gols contra o time adversário; uma moto serve para nos transportar de maneira veloz, estável, resistente ... Sabemos quando um especialista em alguma coisa ou quando um instrumento funcionam devidamente, porque temos ideia do serviço que devem prestar, do que se espera deles."
SAVATER, Fernando. Ética para meu fi lho, cap. III.
O texto acima justifica a dificuldade de se saber qual é a virtude do homem enquanto homem pelo fato de, segundo o autor, não ser possível determinar qual atividade lhe é mais própria e, portanto, seu fim. Qual dos filósofos abaixo buscou dizer o que é a felicidade, utilizando justamente a pergunta sobre a finalidade do homem quanto à atividade que lhe é mais própria?
(A) Maquiavel.
(B) Heráclito.
(C) Aristóteles.
(D) Descartes.
(E) Hume.

31
A obra de arte tem sido um objeto privilegiado da investigação filosófica, que receberá o nome de Estética ou Poética, em função do aspecto que visa a apreender da obra, o da recepção ou o da fabricação. Considerando a distinção apontada, exercem a recepção de obra de arte e a produção de obra de arte, respectivamente, o
(A) artista e o artesão.
(B) poeta e o fingidor.
(C) crítico e o artista.
(D) crítico e o analítico.
(E) esteta e o filósofo.

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A elaboração de um discurso acerca da origem das coisas e sua explicação através dos processos de união e de separação são características
(A) presentes na filosofia pré-socrática e separam radicalmente o discurso mítico do filosófico.
(B) encontradas tanto na filosofia pré-socrática quanto na poesia épica de Hesíodo, embora, no mito, a explicação seja dada e, na filosofia, ela seja buscada e questionada.
(C) encontradas tanto em Hesíodo quanto em Parmênides, embora Hesíodo introduza seu discurso com uma narrativa mítica, enquanto Parmênides introduz seu discurso com uma análise lógica da predicação.
(D) peculiares ao período helenístico, em contraposição direta tanto ao pensamento platônico quanto ao aristotélico.
(E) capazes de distinguir a poesia da filosofia pelo fato, puramente estilístico, de uma ser composta em versos e a outra, em prosa.

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"Uma aranha executa operações que se assemelham às manipulações do tecelão, e a construção das colmeias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua perfeição, mais de um mestre de obras. Mas há algo em que o pior mestre de obras é superior à melhor abelha, o fato de que antes de executar a construção ele a projeta em seu cérebro."
MARX, Karl. O Capital, 1, III, VII.
A partir do texto, afirma-se que o homem é único animal que trabalha porque
(A) o homem é capaz de realizar uma ação transformadora da realidade dirigida por finalidades conscientes.
(B) o homem desempenha suas ações por uma capacidade dinâmica, enquanto o animal age por instinto.
(C) o homem é um animal que faz promessas.
(D) os animais, de maneira geral, são capazes apenas de sofrer ações, enquanto só o homem de fato as realiza.
(E) o trabalho, para existir, tem de haver exploração e alienação, e isso não ocorre na natureza.

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O projeto sartriano de substituir a noção de natureza humana pela de condição humana funda-se na
(A) concepção de que não há uma essência humana dada previamente à existência, mas sim um horizonte humano de possibilidades de realização através da escolha e da decisão.
(B) concepção, segundo a qual a essência humana encontra-se historicamente inviabilizada pela mecanização dos processos produtivos, trazendo à tona a necessidade de restabelecer e reformular sua identidade universal.
(C) refutação da concepção aristotélica do homem como animal político a partir das noções de direito natural e lei racional.
(D) ideia de que o sujeito do conhecimento não é anterior aos dados da experiência, sendo ele, anteriormente à recepção dos dados sensíveis e de suas relações, comparável a um quadro branco paulatinamente preenchido pela experiência.
(E) ideia de que o Eu consititui-se como resistência às forças externas opressoras e, portanto, deve libertar-se de toda materialidade natural (corpo, sensações, opiniões) para conquistar a si mesmo.

35
Na segunda de suas "Meditações Metafísicas", René Descartes apresenta-nos o chamado "argumento da cera", a partir do qual o filósofo chega à terceira verdade de sua meditação. Tal verdade consiste no fato de que
(A) eu sou uma coisa pensante.
(B) o método indutivo torna possível conhecer o corpo.
(C) a coisa extensa é tal como representada clara e distintamente pela coisa pensante.
(D) o espírito é mais fácil de conhecer do que o corpo.
(E) o corpo consiste em ser um produto da imaginação.

36
A metafísica moderna tem, como um de seus temas capitais, a questão do método. A intensa busca propriamente moderna pelo estabelecimento dos princípios do método encontra suas raízes na(o)
(A) retomada do aristotelismo, principalmente no que diz respeito às investigações sobre o intelecto enquanto princípio último da intuição verdadeira.
(B) crítica que, tanto os filósofos racionalistas quanto os empiristas, dirigiram à nova física de Galileu.
(C) mudança de foco da investigação metafísica que, antes voltada às causas últimas do real, passa a ocupar-se primordialmente com o horizonte de realização do conhecimento e, portanto, com a estrutura do objeto enquanto objeto.
(D) tentativa de superar a cisão sujeito-objeto, estabelecida por Aristóteles e mantida por toda a tradição filosófica medieval.
(E) abandono, em resposta à retomada renascentista do platonismo, dos princípios matemáticos como critério de cognoscibilidade do real.

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Para Aristóteles, as virtudes éticas são hábitos que apresentam
(A) libertação de estímulos externos.
(B) realização do dever moral.
(C) satisfação total dos apetites.
(D) justa-medida.
(E) risco real de morte.

38
Embora "Metafísica" seja o título de uma obra aristotélica, não há qualquer ocorrência desse termo em Aristóteles e tampouco tal título foi dado por ele mesmo à sua obra assim tradicionalmente conhecida. O responsável por tal título foi, em verdade, Andrônico de Rodes, ao agrupar e classificar os escritos aristotélicos por volta do ano 50 a.C.
Observe as formulações abaixo.
I - O ente enquanto ente.
II - O primeiro motor imóvel.
III - Os primeiros princípios e causas do real, como o princípio de não contradição.
Constitui(constituem), segundo Aristóteles, o(s) objeto(s) próprio(s) da ciência mais elevada que, posteriormente, veio a ser denominada Metafísica:
(A) I, apenas.
(B) III, apenas.
(C) I e II, apenas.
(D) II e III, apenas.
(E) I, II e III.

39
"Diz Platão que a primeira virtude do filósofo é admirar-se: Thaumátzein se diz em grego. (...) O filósofo, pois necessita de uma primeira dose de infantilidade, uma capacidade de admiração, que o homem já feito, que o homem já enrijecido, não costuma possuir. Por isso Platão preferia tratar com jovens a tratar com velhos. Sócrates, o mestre de Platão, andava, entre a mocidade de Atenas, entre as crianças e as mulheres."
MORENTI, Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofi a. Lições Preliminares. São Paulo: Mestre Jou, 1980.
Para que um jovem desenvolva a admiração filosófica, deve-se estimular a sua capacidade
(A) crítica na interpretação de textos.
(B) analítica na observação de argumentos.
(C) de valorizar o já sabido.
(D) de problematizar o já sabido.
(E) de decompor uma situação em elementos simples.

40
Para Platão, o que caracteriza o conhecimento (episteme) em seu contraste com a opinião (doxa) é estar
(A) referido ao que é inteligível, imutável e niversal.
(B) referido ao que é substancial, ininteligível e universal.
(C) referido ao que é sensível, transitório e particular.
(D) referido às formas universais abstraídas por indução da matéria.
(E) baseado em uma objetividade tal qual a da Física Newtoniana.

41
É muito comum distinguir Ética de Moral, tomando apenas a primeira como uma investigação filosófica, porque
(A) Ética diz respeito tanto às práticas como aos valores morais, enquanto que Moral se restringe apenas aos valores.
(B) a primeira se fundamenta na Ciência e a segunda, na Religião.
(C) ambas dizem respeito a valores morais, a primeira, por investigá-los em seus fundamentos, e a segunda, por reuni-los de acordo com regras de conduta comumente aceitas.
(D) ambas dizem respeito à investigação teórica; a primeira, de condutas simples, e a segunda, de condutas complexas.
(E) cada uma tem uma forma própria de lidar moralmente com o ser humano, uma, na ordem, outra, na obediência.

42
"A Ciência Moderna supõe uma verdadeira revolução mental, ligada a uma modificação radical do aspecto das coisas. Trata-se (...) de operar a substituição de um espaço Pré-Galilaico, pelo espaço abstrato da geometria euclidiana."
KOYRÉ, A. Estudos Galilaicos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1986.
"Toda a riqueza que se apresenta à nossa percepção e encanta a alma do artista irá se encontrar pouco a pouco reduzida a símbolos algébricos."
BLANCHÉ, R. El Método Experimental y La Filosofía da Física, Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1972.
Considerando os textos acima, qual é a atitude presente na Física Moderna, e decisiva para a chamada revolução científica, que NÃO pode ser observada de forma alguma na investigação da Natureza dos antigos, exemplarmente representada pela Física de Aristóteles?
(A) O uso transcendental de categorias do entendimento.
(B) O uso da argumentação dedutiva.
(C) A investigação do movimento local.
(D) A consideração da natureza em termos de substância.
(E) A consideração das qualidades sensíveis em termos matemáticos.

43
Para Tomás de Aquino, a Filosofia está separada da Teologia, porque, enquanto a primeira fundamenta seus argumentos em princípios da razão humana, a segunda
(A) funda-se no exercício radical da razão.
(B) dá-se apenas no campo da fé e da revelação, não possuindo argumentos.
(C) estabelece seus argumentos tendo como base a revelação.
(D) estabelece seus parâmetros na relação com os deuses.
(E) visa a atingir o que está para além da razão humana, com base no que é cognoscível.

44
Nietzsche aponta, quando se refere à morte de Deus, em seu diagnóstico da Modernidade, à(ao)
(A) perda do referencial em valores absolutos.
(B) queda do prestígio das religiões e dos fundamentalismos na modernidade.
(C) conquista tecnológica operada pela ciência.
(D) fato de a existência preceder à essência.
(E) argumento teológico da existência de Deus.

45
"O que está em questão é o que rege os enunciados e a forma como estes se regem entre si para constituir um conjunto de proposições aceitáveis cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou infirmadas por procedimentos científicos. Em suma, problema de regime, de política do enunciado científico."
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder, cap. I - tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Editora Graal, 2007.
Segundo o francês Michel Foucault,
(A) o esforço moderno por conhecer a loucura promoveu a superação da cisão entre sujeito e objeto.
(B) o conflito moderno entre razão e experiência deve ser superado através do retorno genealógico ao discurso originário dos primeiros filósofos.
(C) o sujeito não é fruto de uma construção histórica, mas sim a origem perene dos saberes determinados historicamente.
(D) os saberes próprios de uma época são autônomos frente às relações de poder que nela se desdobram.
(E) as relações de poder regulam a produção do saber.

46
Quais os procedimentos mais típicos da maiêutica socrática?
(A) Devir e plano de imanência.
(B) Ironia e dialética.
(C) Espanto e rigor.
(D) Dialética e método experimental.
(E) Observação da natureza e dialética.

47
Kant autodenomina seu projeto filosófico como uma revolução copernicana. A esse respeito, analise as afirmativas abaixo.
I - O projeto de Kant aponta para o desenvolvimento de uma Teoria do Conhecimento de cunho idealista, onde o referencial não são as coisas em si mesmas, mas o modo de acesso a elas.
II - Kant propõe uma crítica da Metafísica tradicional, de modo que essa possa dar conta dos desenvolvimentos da Física Moderna, tal como é a praticada por Copérnico.
III - Kant propõe uma crítica do conhecimento empírico, em prol daquele que se desenvolve de forma analítica.
Está correto o que se afirma em
(A) I, apenas. (B) II, apenas.
(C) I e II, apenas. (D) I e III, apenas.
(E) I, II e III.

49
"Mais do que aquele que dirige o processo, por conhecer a "verdade", cabe ao professor dar condições para que o próprio aluno construa seu conhecimento crítico e se oriente na direção da autonomia da ação."
PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, p.42.
Sobre o conhecimento crítico a que se refere o texto acima, analise as afirmativas abaixo.
I - Conhecimento crítico é a capacidade de discernir e de julgar valores, ações, discursos e de questionar seus pressupostos.
II - A concepção kantiana da filosofia caracteriza-se pelo papel fundamental destinado à crítica.
III - O conhecimento crítico aponta para a compreensão de que os discursos e valores elaborados no âmbito político são meras aparências ilusórias e opiniões infundadas, sendo a autonomia do homem condicionada pelo seu alheamento frente às disputas políticas.
Está correto o que se afirma em
(A) I, apenas.
(B) II, apenas.
(C) I e II, apenas.
(D) II e III, apenas.
(E) I, II e III.

50
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, não é necessário que o professor de Filosofia elabore novidades intelectuais, cabendo-lhe
(A) restringir o estudo a um filósofo apenas, aprofundando-se e tornando esse filósofo um paradigma ético, político e epistemológico para seus alunos.
(B) atender aos motivos originários da tradição filosófica, entendidos como a perplexidade, a dúvida e a busca de esclarecimento frente à realidade.
(C) construir certezas a partir das dúvidas dos alunos.
(D) preparar suas aulas a partir de suas próprias ideias e visão de mundo, sem compromisso com a História da Filosofia.
(E) ter como foco principal do processo de ensino-aprendizagem o desenvolvimento das competências requisitadas para a inserção do aluno no mercado de trabalho.


GABARITO:
26 - B
27 - E
28 - E
29 - A
30 - C
31 - C
32 - B
33 - A
34 - A
35 - D
36 - C
37 - D
38 - E
39 - D
40 - A
41 - C
42 - E
43 - C
44 - A
45 - E
46 - B
47 - C
49 - C
50 - B

(Prefeitura de Salvador - BA - SEPLAG - CESGRANRIO - 2010)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

REFLEXÕES DE BARBEARIA

"Estudo revela que depois de fazer amor, 10% dos homens voltam-se para o lado direito, 10% para o lado esquerdo e 80% voltam para casa!"

terça-feira, 21 de junho de 2011

ANA, ERA UMA VEZ...

A reunião geral dos ratos
Uma vez os ratos, que viviam com medo de um gato, resolveram fazer uma reunião para encontrar um jeito de acabar com aquele eterno transtorno. Muitos planos foram discutidos e abandonados. No fim um rato jovem levantou-se e deu a idéia de pendurar uma sineta no pescoço do gato; assim, sempre que o gato chegasse perto eles ouviriam a sineta e poderiam fugir correndo. Todo mundo bateu palmas: o problema estava resolvido. Vendo aquilo, um rato velho que tinha ficado o tempo todo calado levantou-se de seu canto. O rato falou que o plano era muito inteligente, que com toda certeza as preocupações deles tinham chegado ao fim. Só faltava uma coisa: quem ia pendurar a sineta no pescoço do gato?

Inventar é uma coisa, fazer é outra.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

REVISÃOZÃO: FORMAÇÃO DOS ESTADOS LATINO-AMERICANOS.

Carta da Jamaica

Na Carta da Jamaica de 1815, Simón Bolívar demonstrou seu desejo de formar uma confederação hispano-americana com as regiões que anteriormente pertenciam ao Império Espanhol, baseado no fato delas terem um passado histórico em comum, as mesmas instituições, professarem idêntica religião, a católica, e terem o espanhol como a sua língua dominante.
Nesta sua idéia, ficavam de fora os Estados Unidos (por serem anglo-saxãos de fala inglesa e de fé majoritariamente protestantes, além de inclinados ao expansionismo), o Haiti e o Brasil (que na época ainda não proclamara a independência). Bolívar afirmou que a aproximação geográfica daquelas regiões também tinha o seu peso.
Bolívar disse: "Eu desejo, mais do que qualquer outro, ver formar-se na América a maior nação do mundo, menos por sua extensão e riquezas do que pela liberdade e glória."
Acredita-se que a Carta de Jamaica foi escrita com o mesmo papel utilizado por Símon para escrever as cartas recentemente descobertas entre ele e seus aliados em toda a América Espanhola.

Muy señor mío: Me apresuro a contestar la carta de 29 del mes pasado que usted me hizo el honor de dirigirme, y yo recibí con la mayor satisfacción.


Sensible como debo, al interés que usted ha querido tomar por la suerte de mi patria, afligiéndose con ella por los tormentos que padece, desde su descubrimiento hasta estos últimos períodos, por parte de sus destructores los españoles, no siento menos el comprometimiento en que me ponen las solícitas demandas que usted me hace, sobre los objetos más importantes de la política americana. Así, me encuentro en un conflicto, entre el deseo de corresponder a la confianza con que usted me favorece, y el impedimento de satisfacerle, tanto por la falta de documentos y de libros, cuanto por los limitados conocimientos que poseo de un país tan inmenso, variado y desconocido como el Nuevo Mundo.


En mi opinión es imposible responder a las preguntas con que usted me ha honrado. El mismo barón de Humboldt, con su universalidad de conocimientos teóricos y prácticos, apenas lo haría con exactitud, porque aunque una parte de la estadística y revolución de América es conocida, me atrevo a asegurar que la mayor está cubierta de tinieblas y, por consecuencia, sólo se pueden ofrecer conjeturas más o menos aproximadas, sobre todo en lo relativo a la suerte futura, y a los verdaderos proyectos de los americanos; pues cuantas combinaciones suministra la historia de las naciones, de otras tantas es susceptible la nuestra por sus posiciones físicas, por las vicisitudes de la guerra, y por los cálculos de la política.


Como me conceptúo obligado a prestar atención a la apreciable carta de usted, no menos que a sus filantrópicas miras, me animo a dirigir estas líneas, en las cuales ciertamente no hallará usted las ideas luminosas que desea, mas sí las ingenuas expresiones de mis pensamientos.


«Tres siglos ha —dice usted— que empezaron las barbaridades que los españoles cometieron en el grande hemisferio de Colón». Barbaridades que la presente edad ha rechazado como fabulosas, porque parecen superiores a la perversidad humana; y jamás serían creídas por los críticos modernos, si constantes y repetidos documentos no testificasen estas infaustas verdades. El filantrópico obispo de Chiapa, el apóstol de la América, Las Casas, ha dejado a la posteridad una breve relación de ellas, extractada de las sumarias que siguieron en Sevilla a los conquistadores, con el testimonio de cuantas personas respetables había entonces en el Nuevo Mundo, y con los procesos mismos que los tiranos se hicieron entre sí: como consta por los más sublimes historiadores de aquel tiempo. Todos los imparciales han hecho justicia al celo, verdad y virtudes de aquel amigo de la humanidad, que con tanto fervor y firmeza denunció ante su gobierno y contemporáneos los actos más horrorosos de un frenesí sanguinario.


Con cuánta emoción de gratitud leo el pasaje de la carta de usted en que me dice «que espera que los sucesos que siguieron entonces a las armas españolas, acompañen ahora a las de sus contrarios, los muy oprimidos americanos meridionales». Yo tomo esta esperanza por una predicción, si la justicia decide las contiendas de los hombres. El suceso coronará nuestros esfuerzos; porque el destino de América se ha fijado irrevocablemente: el lazo que la unía a España está cortado: la opinión era toda su fuerza; por ella se estrechaban mutuamente las partes de aquella in mensa monarquía; lo que antes las enlazaba ya las divide; más grande es el odio que nos ha inspirado la Península que el mar que nos separa de ella; menos difícil es unir los dos continentes, que reconciliar los espíritus de ambos países. El hábito a la obediencia; un comercio de intereses, de luces, de religión; una recíproca benevolencia; una tierna solicitud por la cuna y la gloria de nuestros padres; en fin, todo lo que formaba nuestra esperanza nos venía de España. De aquí nacía un principio de adhesión que parecía eterno; no obstante que la inconducta de nuestros dominadores relajaba esta simpatía; o, por mejor decir, este apego forzado por el imperio de la dominación. Al presente sucede lo contrario; la muerte, el deshonor, cuanto es nocivo, nos amenaza y tememos: todo lo sufrimos de esa desnaturalizada madrastra. El velo se ha rasgado y hemos visto la luz y se nos quiere volver a las tinieblas: se han roto las cadenas; ya hemos sido libres, y nuestros enemigos pretenden de nuevo esclavizarnos. Por lo tanto, América combate con despecho; y rara vez la desesperación no ha arrastrado tras sí la victoria.


Porque los sucesos hayan sido parciales y alternados, no debemos desconfiar de la fortuna. En unas partes triunfan los in dependientes, mientras que los tiranos en lugares diferentes, obtienen sus ventajas, y ¿cuál es el resultado final? ¿No está el Nuevo Mundo entero, conmovido y armado para su defensa? Echemos una ojeada y observaremos una lucha simultánea en la misma extensión de este hemisferio.


El belicoso estado de las provincias del Río de la Plata ha purgado su territorio y conducido sus armas vencedoras al Alto Perú, conmoviendo a Arequipa, e inquietado a los realistas de Lima. Cerca de un millón de habitantes disfruta allí de su libertad.


El reino de Chile, poblado de ochocientas mil almas, está lidian do contra sus enemigos que pretenden dominarlo; pero en vano, porque los que antes pusieron un término a sus conquistas, los indómitos y libres araucanos, son sus vecinos y compatriotas; y su ejemplo sublime es suficiente para probarles, que el pueblo que ama su independencia, por fin la logra.


El virreinato del Perú, cuya población asciende a millón y medio de habitantes, es, sin duda, el más sumiso y al que más sacrificios se le han arrancado para la causa del rey, y bien que sean vanas las relaciones concernientes a aquella porción de América, es indubitable que ni está tranquila, ni es capaz de oponerse al torrente que amenaza a las más de sus provincias.


La Nueva Granada que es, por decirlo así, el corazón de la América, obedece a un gobierno general, exceptuando el reino de Quito que con la mayor dificultad contienen sus enemigos, por ser fuertemente adicto a la causa de su patria; y las provincias de Panamá y Santa Marta que sufren, no sin dolor, la tiranía de sus señores. Dos millones y medio de habitantes están esparcidos en aquel territorio que actualmente defienden contra el ejército español bajo el general Morillo, que es verosímil sucumba delante de la inexpugnable plaza de Cartagena. Mas si la tomare será a costa de grandes pérdidas, y desde luego carecerá de fuerzas bastantes para subyugar a los morigeros y bravos moradores del interior.


En cuanto a la heroica y desdichada Venezuela sus acontecimientos han sido tan rápidos y sus devastaciones tales, que casi la han reducido a una absoluta indigencia a una soledad espantosa; no obstante que era uno de los más bellos países de cuantos hacían el orgullo de América. Sus tiranos gobiernan un desierto, y sólo oprimen a tristes restos que, escapados de la muerte, alimentan una precaria existencia; algunas mujeres, niños y ancianos son los que quedan. Los más de los hombres han perecido por no ser esclavos, y los que viven, combaten con furor, en los campos y en los pueblos internos hasta expirar o arrojar al mar a los que insaciables de sangre y de crímenes, rivalizan con los primeros monstruos que hicieron desaparecer de la América a su raza primitiva. Cerca de un millón de habitantes se contaba en Venezuela y sin exageración se puede conjeturar que una cuarta parte ha sido sacrificada por la tierra, la espada, el hambre, la peste, las peregrinaciones; excepto el terremoto, todos resultados de la guerra.


En Nueva España había en 1808, según nos refiere el barón de Humboldt, siete millones ochocientas mil almas con inclusión de Guatemala. Desde aquella época, la insurrección que ha agitado a casi todas sus provincias, ha hecho disminuir sensiblemente aquel cómputo que parece exacto; pues más de un millón de hombres han perecido, como lo podrá usted ver en la exposición de Mr. Walton que describe con fidelidad los sanguinarios crímenes cometidos en aquel opulento imperio. Allí la lucha se mantiene a fuerza de sacrificios humanos y de todas especies, pues nada ahorran los españoles con tal que logren someter a los que han tenido la desgracia de nacer en este suelo, que parece destinado a empaparse con la sangre de sus hijos. A pesar de todo, los mejicanos serán libres, porque han abrazado el partido de la patria, con la resolución de vengar a sus pasados, o seguirlos al sepulcro. Ya ellos dicen con Reynal: llegó el tiempo en fin, de pagar a los españoles suplicios con suplicios y de ahogar a esa raza de exterminadores en su sangre o en el mar.


Las islas de Puerto Rico y Cuba, que entre ambas pueden formar una población de setecientas a ochocientas mil almas, son las que más tranquilamente poseen los españoles, porque están fuera del contacto de los independientes. Mas ¿no son americanos estos insulares? ¿No son vejados? ¿No desearán su bienestar?


Este cuadro representa una escala militar de dos mil leguas de longitud y novecientas de latitud en su mayor extensión en que dieciséis millones de americanos defienden sus derechos, o están comprimidos por la nación española que aunque fue en algún tiempo el más vasto imperio del mundo, sus restos son ahora impotentes para dominar el nuevo hemisferio y hasta para mantenerse en el antiguo. ¿Y~~ y amante de la libertad permite que una vieja serpiente por sólo satisfacer su saña envenenada, devore ta más bella parte de nuestro globo? ¡Qué! ¿Está Europa sorda al clamor de su propio interés? ¿No tiene ya ojos para ver la justicia? ¿Tanto se ha endurecido para ser de este modo insensible? Estas cuestiones cuanto más las medito, más me confunden; llego a pensar que se aspira a que desaparezca la América, pero es imposible porque toda Europa no es España. ¡Qué demencia la de nuestra enemiga, pretender reconquistar América, sin marina, sin tesoros y casi sin soldados! Pues los que tiene, apenas son bastantes para retener a su propio pueblo en una violenta obediencia, y defenderse de sus vecinos. Por otra parte, ¿podrá esta nación hacer el comercio exclusivo de la mitad del mundo sin manufacturas. Sin producciones territoriales, sin artes, sin ciencias, sin política? Lograda que fuese esta loca empresa, y suponiendo más, aun lograda la pacificación, los hijos de los actuales americanos únicos con los de los europeos reconquistadores, ¿no volverían a formar dentro de veinte años los mismos patrióticos designios que ahora se están combatiendo?


Europa haría un bien a España en disuadirla de su obstinada temeridad, porque a lo menos le ahorrará los gastos que expende, y la sangre que derrama; a fin de que fijando su atención en sus propios recintos, fundase su prosperidad y poder sobre bases más sólidas que las de inciertas conquistas, un comercio precario y exacciones violentas en pueblos remotos, enemigos y poderosos. Europa misma por miras de sana política debería haber preparado y ejecutado el proyecto de la independencia americana, no sólo porque el equilibrio del mundo así lo exige, sino porque éste es el medio legítimo y seguro de adquirirse establecimientos ultramarinos de comercio. Europa que no se halla agitada por las violentas pasiones de la venganza, ambición y codicia, como España, parece que estaba autorizada por todas las leyes de la equidad a ilustrarla sobre sus bien entendidos intereses.


Cuantos escritores han tratado la materia se acordaban en esta parte. En consecuencia, nosotros esperábamos con razón que todas las naciones cultas se apresurarían a auxiliarnos, para que adquiriésemos un bien cuyas ventajas son recíprocas a entrambos hemisferios. Sin embargo, ¡cuán frustradas esperanzas! No sólo los europeos. pero hasta nuestros hermanas del Norte se han mantenido inmóviles espectadores de esta contienda, que por su esencia es la más justa, y por sus resultados la más bella e importante de cuantas se han suscitado en los siglos antiguos y modernos, ¿porque hasta dónde se puede calcular la trascendencia de la libertad en el hemisferio de Colón?


«La felonía con que Bonaparte —dice usted— prendió a Carlos IV y a Fernando VII, reyes de esta nación, que tres siglos la aprisionó con traición a dos monarcas de la América meridional, es un acto manifiesto de retribución divina y, al mismo tiempo, una prueba de que Dios sostiene la justa causa de los americanos, y les concederá su independencia».


Parece que usted quiere aludir al monarca de Méjico Moctezuma, preso por Cortés y muerto, según Herrera, por el mismo, aunque Solís dice que por el pueblo, y a Atahualpa, inca del Perú, destruido por Francisco Pizarro y Diego Almagro. Existe tal diferencia entre la suerte de los reyes españoles y los reyes americanos, que no admiten comparación; los primeros son tratados con dignidad, conservados, y al fin recobran su libertad y trono; mientras que los últimos sufren tormentos inauditos y los vilipendios más vergonzosos. Si a Guatimozín sucesor de Moctezuma, se le trata como emperador, y le ponen la corona, fue por irrisión y no por respeto, para que experimentase este escarnio antes que las torturas. Iguales a la suerte de este monarca fueron las del rey de Michoacán, Catzontzin; el Zipa de Bogotá, y cuantos Toquis, Imas, Zipas, Ulmenes, Caciques y demás dignidades indianas sucumbieron al poder español. El suceso de Fernando VII es más semejante al que tuvo lugar en Chile en 1535 con el Ulmén de Copiapó, entonces reinante en aquella comarca. El español Almagro pretextó, como Bonaparte, tomar partido por la causa del legítimo soberano y, en consecuencia, llama al usurpador, como Fernando lo era en España; aparenta restituir al legítimo a sus estados y termina por encadenar X echar a las llamas al infeliz Ulmén, sin querer ni aún oír su defensa. Este es el ejemplo de Fernando VII con su usurpador; los reyes europeos sólo padecen destierros, el Ulmén de Chile termina su vida de un modo atroz.


«Después de algunos meses —añade usted— he hecho muchas reflexiones sobre la situación de los americanos y sus esperanzas futuras; tomo grande interés en sus sucesos; pero me faltan muchos informes relativos a su estado actual y a lo que ellos aspiran; deseo infinitamente saber la política de cada provincia como también su población; si desean repúblicas o monarquías, si formarán una gran república o una gran monarquía. Toda noticia de esta especie que usted pueda darme o indicarme las fuentes a que debo ocurrir, la estimaré como un favor muy particular».


Siempre las almas generosas se interesan en la suerte de un pueblo que se esmera por recobrar los derechos con que el Creador y la naturaleza le han dotado; y es necesario estar bien fascinado por el error o por las pasiones para no abrigar esta noble sensación; usted ha pensado en mi país, y se interesa por él, este acto de benevolencia me inspira el más vivo reconocimiento.


He dicho la población que se calcula por datos más o menos exactos, que mil circunstancias hacen fallidos, sin que sea fácil remediar esta inexactitud, porque los más de los moradores tienen habitaciones campestres, y muchas veces errantes; siendo labradores, pastores, nómadas, perdidos en medio de espesos e inmensos bosques, llanuras solitarias, y aislados entre lagos y ríos caudalosos. ¿Quién será capaz de formar una estadística completa de semejantes comarcas? Además, los tributos que pagan los indígenas; las penalidades de los esclavos; las primicias, diezmos y derechos que pesan sobre los labradores, y otros accidentes alejan de sus hogares a los pobres americanos. Esto sin hacer mención de la guerra de exterminio que ya ha segado cerca de un octavo de la población, y ha ahuyentado una gran parte; pues entonces las dificultades son insuperables y el empadronamiento vendrá a reducirse a la mitad del verdadero censo.


Todavía es más difícil presentir la suerte futura del Nuevo Mundo, establecer principios sobre su política, y casi profetizar la naturaleza del gobierno que llegará a adoptar. Toda idea relativa al porvenir de este país me parece aventurada. ¿Se puede prever cuando el género humano se hallaba en su infancia rodeado de tanta incertidumbre, ignorancia y error, cuál seria el régimen que abrazaría para su conservación? ¿Quién se habría atrevido a decir tal nación será república o monarquía, ésta será pequeña, aquélla grande? En mi concepto, esta es la imagen de nuestra situación. Nosotros somos un pequeño género humano; poseemos un mundo aparte, cercado por dilatados mares; nuevos en casi todas las artes y ciencias, aunque en cierto modo viejos en los usos de la sociedad civil. Yo considero el estado actual de América, como cuando desplomado el imperio romano cada desmembración formó un sistema político, conforme a sus intereses y situación, o siguiendo la ambición particular de algunos jefes, familias o corporaciones, con esta notable diferencia, que aquellos miembros dispersos volvían a restablecer sus antiguas naciones con las alteraciones que exigían las cosas o los sucesos; mas nosotros, que apenas conservamos vestigios de lo que en otro tiempo fue, y que por otra parte no somos indios, ni europeos, sino una especie mezcla entre los legítimos propietarios del país y los usurpadores españoles; en suma, siendo nosotros americanos por nacimiento, y nuestros derechos los de Europa, tenemos que disputar a éstos a los del país, y que mantenernos en él contra la invasión de los invasores; así nos hallemos en el caso más extraordinario y complicado. No obstante que es una especie de adivinación indicar cuál será el resultado de la línea de política que América siga, me atrevo aventurar algunas conjeturas que, desde luego, caracterizo de arbitrarias, dictadas por un deseo racional, y no por un raciocinio probable.


La posición de los moradores del hemisferio americano, ha sido por siglos puramente pasiva; su existencia política era nula. Nosotros estábamos en un grado todavía más abajo de la servidumbre y, por lo mismo, con más dificultad para elevarnos al goce de la libertad. Permítame usted estas consideraciones para elevar la cuestión. Los Estados son esclavos por la naturaleza de su constitución o por el abuso de ella; luego un pueblo es esclavo, cuando el gobierno por su esencia o por sus vicios, holla y usurpa los derechos del ciudadano o súbdito. Aplicando estos principios, hallaremos que América no solamente estaba privada de su libertad, sino también de la tiranía activa y dominante. Me explicaré. En las administraciones absolutas no se reconocen límites en el ejercicio de las facultades gubernativas: la voluntad del gran sultán, Kan, Bey y demás soberanos despóticos, es la ley suprema, y ésta, es casi arbitrariamente ejecutada por los bajáes, kanes y sátrapas subalternos de Turquía y Persia, que tienen organizada una opresión de que participan los súbditos en razón de la autoridad que se les confía. A ellos está encargada la administración civil, militar, política, de rentas, y la religión. Pero al fin son persas los jefes de Ispahán, son turcos los visires del gran señor, son tártaros los sultanes de la Tartaria. China no envía a buscar mandarines, militares y letrados al país de Gengis Kan que la conquistó, a pesar de que los actuales chinos son descendientes directos de los subyugados por los ascendientes de los presentes tártaros.


¡Cuán diferente entre nosotros! Se nos vejaba con una conducta que, además de privarnos de los derechos que nos correspondían, nos dejaba en una especie de infancia permanente, con respecto a las transacciones públicas. Si hubiésemos siquiera manejado nuestros asuntos domésticos en nuestra administración interior, conoceríamos el curso de los negocios públicos y su mecanismo, moraríamos también de la consideración personal que impone a los ojos del pueblo cierto respeto maquinal que es tan necesario conservar en las revoluciones. He aquí por qué he dicho que estábamos privados hasta de la tiranía activa, pues que no nos está permitido ejercer sus funciones.


Los americanos en el sistema español que está en vigor, y quizá con mayor fuerza que nunca, no ocupan otro lugar en la sociedad que el de siervos propios para el trabajo y, cuando más, el de simples consumidores; y aun esta parte coartada con restricciones chocantes; tales son las prohibiciones del cultivo de frutos de Europa, el estanco de las producciones que el rey monopoliza, el impedimento de las fábricas que la misma Península no posee, los privilegios exclusivos del comercio hasta de los objetos de primera necesidad; las trabas entre provincias y provincias americanas para que no se traten, entiendan, ni negocien; en fin, ¿quiere usted saber cuál era nuestro destino? Los campos para cultivar el añil, la grana, el café, la caña, el cacao y el algodón; las llanuras solitarias para criar ganados, los desiertos para cazar las bestias feroces, las entrañas de la tierra para excavar el oro que no puede saciar a esa nación avarienta.


Tan negativo era nuestro estado que no encuentro semejante en ninguna otra asociación civilizada, por más que recorro la serie de las edades y la política de todas las naciones. Pretender que un país tan felizmente constituido, extenso, rico y populoso sea meramente pasivo, ¿no es un ultraje y una violación de los derechos de la humanidad?


Estábamos, como acabo de exponer, abstraídos y, digámoslo así, ausentes del universo en cuanto es relativo a la ciencia del gobierno y administración del Estado. Jamás éramos virreyes ni gobernadores sino por causas muy extraordinarias; arzobispos y obispos pocas veces; diplomáticos nunca; militares sólo en calidad de subalternos; nobles, sin privilegios reales; no éramos, en fin, ni magistrados ni financistas, y casi ni aun comerciantes; todo en contravención directa de nuestras instituciones.


El emperador Carlos V formó un pacto con los descubridores, conquistadores y pobladores de América que, como dice Guerra, es nuestro contrato social. Los reyes de España convinieron solemnemente con ellos que lo ejecutasen por su cuenta y riesgo, prohibiéndoles hacerlo a costa de la real hacienda, y por esta razón se les concedía que fuesen señores de la tierra, que organizasen la administración y ejerciesen la judicatura en apelación; con otras muchas exenciones y privilegios que sería prolijo detallar. El rey se comprometió a no enajenar jamás las provincias americanas, como que a él no tocaba otra jurisdicción que la del alto dominio, siendo una especie de propiedad feudal la que allí tenían los conquistadores para sí y sus descendientes. Al mismo tiempo existen leyes expresas que favorecen casi exclusivamente a los naturales del país, originarios de España, en cuanto a los empleos civiles, eclesiásticos y de rentas. Por manera que con una violación manifiesta de las leyes y de los pactos subsistentes, se han visto despojar aquellos naturales de la autoridad constitucional que les daba su código.


De cuanto he referido, será fácil colegir que América no estaba preparada, para desprenderse de la metrópoli, como súbitamente sucedió por el efecto de las ilegítimas cesiones de Bayona, y por la inicua guerra que la regencia nos declaró sin derecho alguno para ello no sólo por la falta de justicia, sino también de legitimidad. Sobre la naturaleza de los gobiernos españoles, sus decretos conminatorios y hostiles, y el curso entero de su desesperada conducta, hay escritos del mayor mérito en el periódico El Español, cuyo autor es el señor Blanco; y estando allí esta parte de nuestra historia muy bien tratada, me limito a indicarlo.


Los americanos han subido de repente y sin los conocimientos previos y, lo que es más sensible, sin la práctica de los negocios públicos a representar en la escena del mundo las eminentes dignidades de legisladores, magistrados, administradores del erario, diplomáticos, generales, y cuantas autoridades supremas y subalternas forman la jerarquía de un Estado organizado con regularidad.


Cuando las águilas francesas sólo respetaron los muros de la ciudad de Cádiz, y con su vuelo arrollaron a los frágiles gobiernos de la Península, entonces quedamos en la orfandad. Ya antes habíamos sido entregados a la merced de un usurpador extranjero. Después, lisonjeados con la justicia que se nos debía, con esperanzas halagüeñas siempre burladas; por último, inciertos sobre nuestro destino futuro, y amenazados por la anarquía, a causa de la falta de un gobierno legítimo, justo y liberal, nos precipitamos en el caos de la revolución. En el primer momento sólo se cuidó de proveer a la seguridad interior, contra los enemigos que encerraba nuestro seno. Luego se extendió a la seguridad exterior; se establecieron autoridades que sustituimos a las que acabábamos de deponer encargadas de dirigir el curso de nuestra revolución y de aprovechar la coyuntura feliz en que nos fuese posible fundar un gobierno constitucional digno del presente siglo y adecuado a nuestra situación.


Todos los nuevos gobiernos marcaron sus primeros pasos con el establecimiento de juntas populares. Estas formaron en seguida reglamentos para la convocación de congresos que produjeron alteraciones importantes. Venezuela erigió un gobierno democrático y federal, declarando previamente los derechos del hombre, manteniendo el equilibrio de los poderes y estatuyendo leyes generales en favor de la libertad civil, de imprenta y otras; finalmente, se constituyó un gobierno independiente. La Nueva Granada siguió con uniformidad los establecimientos políticos y cuantas reformas hizo Venezuela, poniendo por base fundamental de su Constitución el sistema federal más exagerado que jamás existió; recientemente se ha mejorado con respecto al poder ejecutivo general, que ha obtenido cuantas atribuciones le corresponden. Según entiendo, Buenos Aires y Chile han seguido esta misma línea de operaciones; pero como nos hallamos a tanta distancia, los documentos son tan raros, y las noticias tan inexactas, no me animaré ni aun a bosquejar el cuadro de sus transacciones.


Los sucesos de México han sido demasiado varios, complicados, rápidos y desgraciados para que se puedan seguir en el curso de la revolución. Carecemos, además, de documentos bastante instructivos, que nos hagan capaces de juzgarlos. Los independientes de México, por lo que sabemos, dieron principio a su insurrección en septiembre de 1810, y un año después, ya tenían centralizado su gobierno en Zitácuaro, instalado allí una junta nacional bajo los auspicios de Fernando VII, en cuyo nombre se ejercían las funciones gubernativas. Por los acontecimientos de la guerra, esta junta se trasladó a diferentes lugares, y es verosímil que se haya conservado hasta estos últimos momentos, con las modificaciones que los sucesos hayan exigido. Se dice que ha creado un generalísimo o dictador que lo es el ilustre general Morelos; otros hablan del célebre general Rayón; lo cierto es que uno de estos dos grandes hombres o ambos separadamente ejercen la autoridad suprema en aquel país; y recientemente ha aparecido una constitución para el régimen del Estado. En marzo de 1812 el gobierno residente en Zultepec, presentó un plan de paz y guerra al virrey de México concebido con la más profunda sabiduría. En él se reclamó el derecho de gentes estableciendo principios de una exactitud incontestable. Propuso la junta que la guerra se hiciese como entre hermanos y conciudadanos; pues que no debía ser más cruel que entre naciones extranjeras; que los derechos de gentes y de guerra, inviolables para los mismos infieles y bárbaros, debían serlo más para cristianos, sujetos a un soberano y a unas mismas leyes; que los prisioneros no fuesen tratados como reos de lesa majestad, ni se degollasen los que rendían las armas, sino que se mantuviesen en rehenes para canjearlos; que no se entrase a sangre y fuego en las poblaciones pacíficas, no las diezmasen ni quitasen para sacrificarlas y, concluye, que en caso de no admitirse este plan, se observarían rigurosamente las represalias. Esta negociación se trató con el más alto desprecio; no se dio respuesta a la junta nacional; las comunicaciones originales se quemaron públicamente en la plaza de México, por mano del verdugo; y la guerra de exterminio continuó por parte de los españoles con su furor acostumbrado, mientras que los mexicanos y las otras naciones americanas no la hacían, ni aun a muerte con los prisioneros de guerra que fuesen españoles. Aquí se observa que por causas de conveniencia se conservó la apariencia de sumisión al rey y aun a la constitución de la monarquía. Parece que la junta nacional es absolutaen el ejercicio de las funciones legislativa, ejecutiva y judicial, y el número de sus miembros muy limitado.


Los acontecimientos de la tierra firme nos han probado que las instituciones perfectamente representativas no son adecuadas a nuestro carácter, costumbres y luces actuales. En Caracas el espíritu de partido tomó su origen en las sociedades, asambleas y elecciones populares; y estos partidos nos tornaron a la esclavitud. Y así como Venezuela ha sido la república americana que más se ha adelantado en sus instituciones políticas, también ha sido el más claro ejemplo de la ineficacia de la forma demócrata y federal para nuestros nacientes Estados. En Nueva Granada las excesivas facultades de los gobiernos provinciales y la falta de centralización en el general han conducido aquel precioso país al estado a que se ve reducido en el día. Por esta razón sus débiles enemigos se han conservado contra todas las probabilidades. En tanto que nuestros compatriotas no adquieran los talentos y las virtudes políticas que distinguen a nuestros hermanos del Norte, los sistemas enteramente populares, lejos de sernos favorables, temo mucho que vengan a ser nuestra ruina. Desgraciadamente, estas cualidades parecen estar muy distantes de nosotros en el grado que se requiere; y por el contrario, estamos dominados de los vicios que se contraen bajo la dirección de una nación como la española que sólo ha sobresal ido en fiereza, ambición, venganza y codicia.


Es más difícil, dice Montesquieu, sacar un pueblo de la servidumbre, que subyugar uno libre. Esta verdad está comprobada por los anales de todos los tiempos, que nos muestran las más de las naciones libres, sometidas al yugo, y muy pocas de las esclavas recobrar su libertad. A pesar de este convencimiento, los meridionales de este continente han manifestado el conato de conseguir instituciones liberales, y aun perfectas; sin duda, por efecto del instinto que tienen todos los hombres de aspirar a su mejor felicidad posible; la que se alcanza infaliblemente en las sociedades civiles, cuando ellas están fundadas sobre las bases de la justicia, de la libertad y de la igualdad. Pero ¿seremos nosotros capaces de mantener en su verdadero equilibrio la difícil carga de una República? ¿Se puede concebir que un pueblo recientemente desencadenado, se lance a la esfera de la libertad, sin que, como a Ícaro, se le deshagan las alas, y recaiga en el abismo? Tal prodigio es inconcebible, nunca visto. Por consiguiente, no hay un raciocinio verosímil, que nos halague con esta esperanza.


Yo deseo más que otro alguno ver formar en América la más grande nación del mundo, menos por su extensión y riquezas que por su libertad y gloria. Aunque aspiro a la perfección del gobierno de mi patria, no puedo persuadirme que el Nuevo Mundo sea por el momento regido por una gran república; como es imposible, no me atrevo a desearlo; y menos deseo aún una monarquía universal de América, porque este proyecto sin ser útil, es también imposible. Los abusos que actualmente existen no se reformarían, y nuestra regeneración sería infructuosa. Los Estados americanos han menester de los cuidados de gobiernos paternales que curen las llagas y las heridas del despotismo y la guerra. La metrópoli, por ejemplo, sería México, que es la única que puede serlo por su poder intrínseco, sin el cual no hay metrópoli. Supongamos que fuese el istmo de Panamá punto céntrico para todos los extremos de este vasto continente, ¿no continuarían éstos en la languidez, y aún en el desorden actual? Para que un solo gobierno dé vida, anime, ponga en acción todos los resortes de la prosperidad pública, corrija, ilustre y perfeccione al Nuevo Mundo sería necesario que tuviese las facultades de un Dios y, cuando menos, las luces y virtudes de todos los hombres.


El espíritu de partido que al presente agita a nuestros Estados, se encendería entonces con mayor encono, hallándose ausente la fuente del poder, que únicamente puede reprimirlo. Además, los magnates de las capitales no sufrirían la preponderancia de los metropolitanos, a quienes considerarían como a otros tantos tiranos; sus celos llegarían hasta el punto de comparar a éstos con los odiosos españoles. En fin, una monarquía semejante sería un coloso deforme, que su propio peso desplomaría a la menor convulsión.


Mr. de Pradt ha dividido sabiamente a la América en quince o diecisiete Estados independientes entre sí, gobernados por otros tantos monarcas. Estoy de acuerdo en cuanto a lo primero, pues la América comporta la creación de diecisiete naciones; en cuanto a lo segundo, aunque es más fácil conseguirla, es menos útil; y así no soy de la opinión de las monarquías americanas. He aquí mis razones. El interés bien entendido de una república se circunscribe en la esfera de su conservación, prosperidad y gloria. No ejerciendo la libertad imperio, porque es precisamente su opuesto, ningún estímulo excita a los republicanos a extender los términos de su nación, en detrimiento de sus propios medios, con el único objeto de hacer participar a sus vecinos de una Constitución liberal. Ningún derecho adquieren, ninguna ventaja sacan venciéndolos, a menos que los reduzcan a colonias, conquistas o aliados, siguiendo el ejemplo de Roma. Máximas y ejemplos tales están en oposición directa con los principios de justicia de los sistemas republicanos, y aún diré más, en oposición manifiesta con los intereses de sus ciudadanos; porque un Estado demasiado extenso en sí mismo o por sus dependencias, al cabo viene en decadencia, y convierte su forma libre en otra tiránica; relaja los principios que deben conservarla, y ocurre por último al despotismo. El distintivo de las pequeñas repúblicas es la permanencia; el de las grandes es vario, pero siempre se inclina al imperio. Casi todas las primeras han tenido una larga duración; de las segundas sólo Roma se mantuvo algunos siglos, pero fue porque era república la capital y no lo era el resto de sus dominios que se gobernaban por leyes e instituciones diferentes.


Muy contraria es la política de un rey, cuya inclinación constan te se dirige al aumento de sus posesiones, riquezas y facultades; con razón, porque su autoridad crece con estas adquisiciones, tanto con respecto a sus vecinos, como a sus propios vasallos que temen en él un poder tan formidable cuanto es su imperio que se conserva por medio de la guerra y de las conquistas. Por estas razones pienso que los americanos ansiosos de paz, ciencias, artes, comercio y agricultura, preferirían las repúblicas a los reinos, y me parece que estos deseos se conforman con las miras de Europa.


No convengo en el sistema federal entre los populares y representativos, por ser demasiado perfecto y exigir virtudes y talentos políticos muy superiores a los nuestros; por igual razón rehuso la monarquía mixta de aristocracia y democracia que tanta fortuna y esplendor ha procurado a Inglaterra. No siéndonos posible lograr entre las repúblicas y monarquías lo más perfecto y acabado, evitemos caer en anarquías demagógicas, o en tiranías monócratas. Busquemos un medio entre extremos opuestos que nos conducirán a los mismos escollos, a la infelicidad y al deshonor. Voy a arriesgar el resultado de mis cavilaciones sobre la suerte futura de América; no la mejor, sino la que sea más asequible.


Por la naturaleza de las localidades, riquezas, población y carácter de los mexicanos, imagino que intentarán al principio establecer una república representativa, en la cual tenga grandes atribuciones el poder Ejecutivo, concentrándolo en un individuo que, si desempeña sus funciones con acierto y justicia, casi naturalmente vendrá a conservar una autoridad vitalicia. Si su incapacidad o violenta administración excita una conmoción popular que triunfe, ese mismo poder ejecutivo quizás se difundirá en una asamblea. Si el partido preponderante es militar o aristocrático, exigirá probablemente una monarquía que al principio será limitada y constitucional, y después inevitablemente declinará en absoluta; pues debemos convenir en que nada hay más difícil en el orden político que la conservación de una monarquía mixta; y también es preciso convenir en que sólo un pueblo tan patriota como el inglés es capaz de contener la autoridad de un rey, y de sostener el espíritu de libertad bajo un cetro y una corona.


Los Estados del istmo de Panamá hasta Guatemala formarán quizás una asociación. Esta magnífica posición entre los dos grandes mares, podrá ser con el tiempo el emporio del universo. Sus canales acortarán las distancias del mundo: estrecharán los lazos comerciales de Europa, América y Asia; traerán a tan feliz región los tributos de las cuatro partes del globo. ¡Acaso sólo allí podrá fijarse algún día la capital de la tierra! Como pretendió Constantino que fuese Bizancio la del antiguo hemisferio.


Nueva Granada se unirá con Venezuela, si llegan a convenirse en formar una república central, cuya capital sea Maracaibo o una nueva ciudad que con el nombre de Las Casas (en honor de este héroe de la filantropía), se funde entre los confines de ambos países, en el soberbio puerto de Bahía Honda. Esta posición aunque desconocida, es más ventajosa por todos respectos. Su acceso es fácil y su situación tan fuerte, que puede hacerse inexpugnable. Posee un clima puro y saludable, un territorio tan propio para la agricultura como para la cría de ganados, y una gran de abundancia de maderas de construcción. Los salvajes que la habitan serían civilizados, y nuestras posesiones se aumentarían con la adquisición de la Guajira. Esta nación se llamaría Colombia como tributo de justicia y gratitud al creador de nuestro hemisferio. Su gobierno podrá imitar al inglés; con la diferencia de que en lugar de un rey habrá un poder ejecutivo, electivo, cuando más vitalicio, y jamás hereditario si se quiere república, una cámara o senado legislativo hereditario, que en las tempestades políticas se interponga entre las olas populares y los rayos del gobierno, y un cuerpo legislativo de libre elección, sin otras restricciones que las de la Cámara Baja de Inglaterra. Esta constitución participaría de todas las formas y yo deseo que no participe de todos los vicios. Como esta es mi patria, tengo un derecho incontestable para desearla lo que en mi opinión es mejor. Es muy posible que la Nueva Granada no convenga en el reconocimiento de un gobierno central, porque es en extremo adicta a la federación; y entonces formará por sí sola un Estado que, si subsiste, podrá ser muy dichoso por sus grandes recursos de todos géneros.


Poco sabemos de las opiniones que prevalecen en Buenos Aires, Chile y el Perú; juzgando por lo que se trasluce y por las apariencias, en Buenos Aires habrá un gobierno central en que los militares se lleven la primacía por consecuencia de sus divisiones intestinas y guerras externas. Esta constitución degenerará necesariamente en una oligarquía, o una monocracia, con más o menos restricciones, y cuya denominación nadie puede adivinar. Sería doloroso que tal caso sucediese, porque aquellos habitantes son acreedores a la más espléndida gloria.


El reino de Chile está llamado por la naturaleza de su situación, por las costumbres inocentes y virtuosas de sus moradores, por el ejemplo de sus vecinos, los fieros republicanos del Arauco, a gozar de las bendiciones que derraman las justas y dulces leyes de una república. Si alguna permanece largo tiempo en América, me inclino a pensar que será la chilena. Jamás se ha extinguido allí el espíritu de libertad; los vicios de Europa y Asia llegarán tarde o nunca a corromper las costumbres de aquel extremo del universo. Su territorio es limitado; estará siempre fuera del contacto inficionado del resto de los hombres; no alterará sus leyes, usos y prácticas; preservará su uniformidad en opiniones políticas y religiosas; en una palabra, Chile puede ser libre.


El Perú, por el contrario, encierra dos elementos enemigos de todo régimen justo y liberal; oro y esclavos. El primero lo corrompe todo; el segundo está corrompido por sí mismo. El alma de un siervo rara vez alcanza a apreciar la sana libertad; se enfurece en los tumultos, o se humilla en las cadenas. Aunque estas reglas serían aplicables a toda la América, creo que con más justicia las merece Lima por los conceptos que he expuesto, y por la cooperación que ha prestado a sus señores contra sus propios hermanos los ilustres hijos de Quito, Chile y Buenos Aires. Es constante que el que aspira a obtener la libertad, a lo menos lo intenta. Supongo que en Lima no tolerarán los ricos la democracia, ni los esclavos y pardos libertos la aristocracia; los primeros preferirán la tiranía de uno solo, por no padecer las persecuciones tumultuarias, y por establecer un orden siquiera pacífico. Mucho hará si concibe recobrar su independencia.


De todo lo expuesto, podemos deducir estas consecuencias: las provincias americanas se hallan lidiando por emanciparse, al fin obtendrán el suceso; algunas se constituirán de un modo regular en repúblicas federales y centrales; se fundarán monarquías casi inevitablemente en las grandes secciones, y algunas serán tan infelices que devorarán sus elementos, ya en la actual, ya en las futuras revoluciones, que una gran monarquía no será fácil consolidar; una gran república imposible.


Es una idea grandiosa pretender formar de todo el mundo nuevo una sola nación con un solo vínculo que ligue sus partes entre sí y con el todo. Ya que tiene un origen, una lengua, unas costumbres y una religión debería, por consiguiente, tener un solo gobierno que confederase los diferentes Estados que hayan de formarse; mas no es posible porque climas remotos, situaciones diversas, intereses opuestos, caracteres desemejantes dividen a la América. ¡Qué bello sería que el istmo de Panamá fuese para nosotros lo que el de Corinto para los griegos! Ojalá que algún día tengamos la fortuna de instalar allí un augusto Congreso de los representantes de las repúblicas, reinos e imperios a tratar y discutir sobre los altos intereses de la paz y de la guerra, con las naciones de las otras tres partes del mundo. Esta especie de corporación podrá tener lugar en alguna época dichosa de nuestra regeneración, otra esperanza es infundada, semejante a la del abate St. Pierre que concibió el laudable delirio de reunir un Congreso europeo, para decidir de la suerte de los intereses de aquellas naciones.


«Mutuaciones importantes y felices, continuas pueden ser frecuentemente producidas por efectos individuales». Los americanos meridionales tienen una tradición que dice: que cuando Quetzalcoatl, el Hermes, o Buda de la América del Sur resignó su administración y los abandonó, les prometió que volvería después que los siglos designados hubiesen pasado, y que él restablecería su gobierno, y renovaría su felicidad. ¿Esta tradición, no opera y excita una convicción de que muy pronto debe volver? ¡Concibe usted cuál será el efecto que producirá, si un individuo apareciendo entre ellos demostrase los caracteres de Quetzalcoatl, el Buda de bosque, o Mercurio, del cual han hablado tanto las otras naciones? ¿No cree usted que esto inclinaría todas las partes? ¿No es la unión todo lo que se necesita para ponerlos en estado de expulsar a los españoles, sus tropas, y los partidarios de la corrompida España, para hacerlos capaces de establecer un imperio poderoso, con un gobierno libre y leyes benévolas?


Pienso como usted que causas individuales pueden producir resultados generales, sobre todo en las revoluciones. Pero no es el héroe, gran profeta, o dios del Anáhuac, Quetzalcoatl, el que es capaz de operar los prodigiosos beneficios que usted propone. Este personaje es apenas conocido del pueblo mexicano y no ventajosamente; porque tal es la suerte de los vencidos aunque sean dioses. Sólo los historiadores y literatos se han ocupado cuidadosamente en investigar su origen, verdadera o falsa misión, sus profecías y el término de su carrera. Se disputa si fue un apóstol de Cristo o bien pagano. Unos suponen que su nombre quiere decir Santo Tomás; otros que Culebra Emplumajada; y otros dicen que es el famoso profeta de Yucatán, Chilan-Cambal. En una palabra, los más de los autores mexicanos, polémicos e historiadores profanos, han tratado con más o menos extensión la cuestión sobre el verdadero carácter de Quetzalcoatl. El hecho es, según dice Acosta, que él establece una religión, cuyos ritos, dogmas y misterios tenían una admirable afinidad con la de Jesús, y que quizás es la más semejante a ella. No obstante esto, muchos escritores católicos han procurado alejar la idea de que este profeta fuese verdadero, sin querer reconocer en él a un Santo Tomás como lo afirman otros célebres autores. La opinión general es que Quetzalcoatl es un legislador divino entre los pueblos paganos de Anáhuac, del cual era lugarteniente el gran Moctezuma, derivando de él su autoridad. De aquí que se infiere que nuestros mexicanos no seguirían al gentil Quetzalcoatl, aunque apareciese bajo las formas más idénticas y favorables, pues que profesan una religión la más intolerante y exclusiva de las otras.


Felizmente los directores de la independencia de México se han aprovechado del fanatismo con el mejor acierto proclamando a la famosa Virgen de Guadalupe por reina de los patriotas, invocándola en todos los casos arduos y llevándola en sus banderas. Con esto, el entusiasmo político ha formado una mezcla con la religión que ha producido un fervor vehemente por la sagrada causa de la libertad. La veneración de esta imagen en México es superior a la más exaltada que pudiera inspirar el más diestro profeta.


Seguramente la unión es la que nos falta para completar la obra de nuestra regeneración. Sin embargo, nuestra división no es extraña, porque tal es el distintivo de las guerras civiles formadas generalmente entre dos partidos: conservadores y reformadores. Los primeros son, por lo común, más numerosos, porque el imperio de la costumbre produce el efecto de la obediencia a las potestades establecidas; los últimos son siempre menos numerosos aunque más vehementes e ilustrados. De este modo la masa física se equilibra con la fuerza moral, y la contienda se prolonga, siendo sus resultados muy inciertos. Por fortuna entre nosotros, la masa ha seguido a la inteligencia.


Yo diré a usted lo que puede ponernos en aptitud de expulsar a los españoles, y de fundar un gobierno libre. Es la unión, ciertamente; mas esta unión no nos vendrá por prodigios divinos, sino por efectos sensibles y esfuerzos bien dirigidos. América está encontrada entre sí, porque se halla abandonada de todas las naciones, aislada en medio del universo, sin relaciones diplomáticas ni auxilios militares y combatida por España que posee más elementos para la guerra, que cuantos furtivamente podemos adquirir.


Cuando los sucesos no están asegurados, cuando el Estado es débil, y cuando las empresas son remotas, todos los hombres vacilan; las opiniones se dividen, las pasiones las agitan y los enemigos las animan para triunfar por este fácil medio. Luego que seamos fuertes, bajo los auspicios de una nación liberal que nos preste su protección, se nos verá de acuerdo cultivar las virtudes y los talentos que conducen a la gloria; entonces seguiremos la marcha majestuosa hacia las grandes prosperidades a que está destinada la América meridional; entonces las ciencias y las artes que nacieron en el Oriente y han ilustrado a Europa, volarán a Colombia libre que las convidará con un asilo.


Tales son, señor, las observaciones y pensamientos que tengo el honor de someter a usted para que los rectifique o deseche según su mérito; suplicándole se persuada que me he atrevido a exponerlos, más por no ser descortés, que porque me crea capaz de ilustrar a usted en la materia.


Soy de usted, etc., etc.


Kingston, 6 de septiembre de 1815

domingo, 19 de junho de 2011

sábado, 18 de junho de 2011

PHISOLOFANDO

 Rousseau e a questão da cidadania

Gilda Naécia Maciel Barros

Educar é relativizar o eu humano; é um processo de abertura para o outro.

Vários autores, no século XVIII, ocuparam-se da educação, em geral animados por extraordinário otimismo pedagógico, grande fé no poder do conhecimento, associada, por vezes, ao engrandecimento moral do indivíduo ou dos povos.

Contudo, no quadro cultural da época, onde brilharam figuras notáveis como Diderot, Voltaire, D’Alembert, D’Holbach, Helvetius, La Metrie, para citar apenas alguns, associados à Ilustração francesa, Rousseau destaca-se como um pensador à parte, que não apenas enfrenta os debates contemporâneos como, ainda mais, torna-se, ele próprio, em certos momentos, o centro mesmo desses debates, seja por seu comportamento, seja pela crítica instigante e original que sustenta contra teses predominantes.

Recusando-se a tratar separadamente a política e a moral, e visando a investigar os fatores que se interpõem entre o indivíduo e a sua felicidade, a partir do postulado de que o homem, degradado em sua natureza pelo processo histórico de socialização, pode, em princípio, recuperar sua integridade essencial, Rousseau, mais do que desenvolver pensamentos sobre educação, desenvolve uma teoria normativa do homem e da sociedade, coroada, na seu inspiração, por um autêntico projeto de cidadania,para cuja compreensão O Contrato Social e Da Economia Política oferecem preciosos subsídios.[1]

Se o ponto de partida de seu raciocínio é a crença na boa natureza do homem e o alvo a felicidade dele, o problema que se coloca é o de conservar nessa natureza a sua qualidade originária e saber onde deve ser posta a felicidade. Lembremo-nos de que esse objetivo - fazer o homem feliz - nada mais é do que confirmar a sua integridade, de que nos dá conta o dogma rousseauniano da bondade natural. Em termos mais amplos, isso implicaria em pensá-lo integrado na “boa sociedade”, adequada para tal fim, não só pelas condições de gênese e estrutura, dadas em O Contrato Social, como também de funcionamento, apresentadas no Da Economia Política.

Consideremos a “boa sociedade”. Para compreender a sua legitimidade devemos atentar para o seguinte. De um lado, é preciso referir o nascimento e a organização do corpo político ao princípio da igualdade natural, a partir do qual a sociedade justa deverá ser dirigida por leis diretamente votadas pelos associados, por ato indelegável de vontade[2], que legitima o pacto social. De outro, não se pode deixar de lado o problema subseqüente do funcionamento dessa mesma sociedade, por conta de um poder - o governo, cujo tarefa deve restringir-se sobretudo à execução daquela vontade geral.

O problema que nos interessa examinar aqui diz respeito ao status ôntico do homem na teoria política de Rousseau, mais precisamente, à natureza e limites da integração do indivíduo na sociedade, fundada, naqueles termos, pelo pacto social.

Não é possível, ensina Rousseau, conservar em sociedade a mesma condição do estado natural. A desnaturação gesta um novo homem, que passa a viver com os outros e, nessa nova condição, sofrerá mudanças, virtualmente possíveis em seu estado natural. Serão benéficas se favorecerem a conservação da integridade de sua natureza. Na base dessas mudanças está a necessidade primária de criação de um artifício, o espírito social, assentado sobre uma condição existencial básica. Que condição é essa? Que idéia a traduz? É a condição de homem ao mesmo tempo “integrado” (súdito) e “ integrante” (cidadão). A idéia que a traduz? A de ser parte.

O que significa ser parte? O exame dessa idéia implica, logicamente, a análise do processo em que se dá a socialização, nesta incluídas a fundação da sociedade política e a convivência dos seres humanos que a integram. Para garantir a legitimidade da vida social Rousseau cuida de preservar dois valores fundamentais – a liberdade e a igualdade. E pensa ter encontrado a fórmula para tanto estabelecendo, para o homem que se associa, uma condição que, a seu ver, lhe daria um poder soberano, necessário à salvaguarda daqueles valores.

Não desconhecemos a importância que tem nessa questão as divergências entre os críticos acerca desse poder soberano, sua natureza e seus limites, divergências essas que resultam em interpretações que aproximam Rousseau quer da filosofia liberal quer da ideologia coletivista[3]. Por si só, a teoria política de Rousseau é infrutífera para esclarecer essa condição do homem-parte, mas, combinada com a sua teoria sobre a educação, oferece preciosos subsídios nessa direção. Sem pretender um tratamento sistemático do assunto, pretendemos oferecer elementos que ponham esse vínculo em destaque. [4]

Mas, se restringimos o exame dessas idéias ao campo da teoria constitucional e do direito público, nossa análise fica empobrecida; se o ampliamos, para considerá-lo à luz da teoria formativa de Rousseau, ocorre precisamente o contrário. Estamos convencidos de que Rousseau, embora um autor dos tempos modernos, vai buscar inspiração nos valores da cidade antiga para fundamentar a sua idéia de participação, o que pode ser melhor aclarado com a discussão de seu ideal de Estado educador.

De fato, o exame das idéias de Rousseau acerca da educação, da moral e da cultura não indica apenas uma vinculação espiritual com a civilização grega e romana – isso já foi assinalado por vários autores[5]; mas há em seu íntimo uma adesão substantiva a valores da cidade antiga, o que fortalece nossa opinião da existência de um importante núcleo arcaico no pensamento de Rousseau, que não pode ser escamoteado por aqueles que têm pressa em aproximá-lo dos tempos modernos.

A importância desse núcleo é ressaltada quando fazemos a avaliação da estreita relação entre os vículos da ética e da política em Rousseau. Pode então perceber-se que em Rousseau a filosofia da educação e a filosofia política vêm empre entrelaçadas, e é a partir desse ponto que ele se aproxima da visão dos antigos quanto às relações do homem com a cidade. [6]

Essa questão da dependência de Rousseau relativamente aos antigos não é de menor monta e, para bem compreendê-la, é preciso, antes, bem situá-la. Para ilustrar isso vamos retomar aqui as observações de um dos mais brilhantes críticos de Rousseau, B. Constant, aos olhos de quem o autor do Contrato Social, com a melhor das intenções, afastou a estrada para a absorção do indivíduo no seio do Estado.

O que teria levado Constant a semelhante conclusão? Em texto que se tornará famoso, intitulado De la liberté des anciens comparée à celle des modernes (1819), esse autor veio a distinguir dois tipos de liberdade, conforme, precisamente, a modalidade de integração do homem no corpo coletivo. E critica Rousseau, que, a seu ver, pleiteia para o homem moderno um ideal de vida e liberdade mais adequado ao homem antigo. Leiamos o próprio Constant:

“O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos os cidadãos de uma mesma pátria. Era isso o que eles denominavam liberdade. O objetivo dos modernos é a segurança dos privilégios; e e eles chamam liberdade as garantias concedidas pelas instituições a esses privilégios.”[7]

Ao denunciar a falta de percepção de “homens bem intencionados”, contemporâneos seus, aos quais essas diferenças passavam despercebidas, B. Constant vai encontrar em obras de autores do passado – em Rousseau e em Mably notadamente - , a fonte de inspiração dessa cegueira. De Rousseau diz ele:

“Eu examinarei, pois, o sistema do mais ilustre desses filósofos, J.-J. Rousseau, e mostrarei que, transportando para os tempos modernos um volume de poder social, de soberania coletiva que pertencia a outros séculos, esse gênio sublime, que era animado pelo mais puro amor à liberdade, forneceu, todavia, desastrosos pretextos a mais de um tipo de tirania.”[8]

É verdade também que, na opinião de Constant, mais do que Rousseau, o responsável por esse erro é o abade de Mably, que pode ser considerado como o representante do sistema que, “conforme as máximas da liberdade antiga, quer que os cidadãos sejam completamente dominados para que a nação seja soberana, e que o indivíduo seja escravo para que o povo seja libre.” [9]

Explicitando essas críticas, observa Constant:

“O abade de Mably, como Rousseau, e como muitos outros, tinha, conforme os antigos, tomado a autoridade do corpo social pela liberdade, e todos os meios pareciam-lhe bons para estender a ação dessa autoridade sobre a parte recalcitrante da existência humana, da qual ele deplorava a independência. A queixa que ele expressa em todas as suas obras é que a lei só possa atingir as ações. Ele teria desejado que ela atingisse os pensamentos, as impressões mais passageiras, que ela perseguisse o homem sem trégua e sem deixar-lhe nenhum refúgio onde pudesse escapar ao seu poder.” [10]

Antes de Constant, Mirabeau (1749-1791) já percebera essa diferença entre antigos e modernos, e levanta dúvidas sobre os limites da ação do poder público na vida do cidadão. Comparando uns e outros, destaca as diferenças, lembrando o papel dos legisladores antigos, que se serviram da educação pública para dar a seus povos uma feição própria, que sobrepunha ao homem o cidadão, criando, por um certo tipo de desnaturação, hábitos contrários à nossas disposições originais:

“Quanto a vós, senhores, não tendes opiniões prontas a espalhar; não tendes qualquer objetivo particular a atingir; vosso objeto único é proporcionar ao homem o uso de todas as suas faculdades, fazê-lo desfrutar de todos os seus direitos, fazer nascer a existência pública de todas as existências individuais livremente desenvolvidas e a vontade geral de todas as vontades privadas. Não se trata de fazer os homens contrairem certos hábitos, mas de deixá-los tomar todos aqueles para os quais a opinião pública ou gostos inocentes os chamarão...

Assim, é, quem sabe, um problema saber se os legisladores franceses devem ocupar-se da educação pública de outra forma que para proteger-lhe o progresso e se a constituição mais provável ao desenvolvimento do eu humano e as leis mais adequadas a por cada um em seu lugar não são a única educação que o povo deve esperar deles.” [11]

E, como Constant o fará depois, Mirabeau rejeita a solução dos antigos:

“A sociedade não existe senão pelos indivíduos: por conseguinte, não só ela deve existir para eles e consagrar, se necessário, à defesa de cada um a força de todos, mas deve, sobretudo, respeitar esta existência particular, a única que decorre da natureza, a única cuja violação nenhum interesse pode legitimar... Os povos nos quais o legislador tinha fundado em outros princípios a duração da associação parecem, contrariamente a nós, não ter existido senão por e para ela: a pátria não era apenas o centro da reunião dos cidadãos; era, em certo sentido, a fonte de todo o seu ser, o único ponto pelo qual sentiam e amavam a vida... Quanto a nós, tudo ocorre de outro modo.” [12]

Cabe-nos agora perguntar até que ponto as teses de Rousseau acerca da relação do homem com o corpo coletivo comportam, ainda que virtualmente, o perigo a que se refere Constant. Ou, dito de outro modo, até que ponto Rousseau está comprometido com a idéia de liberdade dos antigos.[13]

Vista a questão do ângulo da política, somos obrigados a examinar, à luz da teoria de Rousseau acerca da soberania, em que termos se dá o compromisso entre o indivíduo e o soberano, mais precisamente, de que forma aquele participa do processo de desnaturação, alienando,em favor do corpo social, o seu poder, os seus bens e a sua liberdade.

É preciso lembrar, com Derathé, que é o próprio Rousseau quem confia ao soberano a tarefa de julgar os limites dessa alienação: “Há apenas a força do Estado para fazer a liberdade de seus membros .”[14] De fato, ao soberano Rousseau entrega a tarefa de impedir a ruptura ôntica do homem, estabelecendo, como primeiro dever do legislador, a tarefa de conformar as leis à vontade geral”[15].

Aqui, chegamos ao ponto chave da questão. Não basta que as leis sejam retas. Porque de nada adiantaria escrever leis sem garantia de que serão cumpridas; ora, essa obediência Rousseau espera alcançar aplicando o que ele próprio denominou “segunda regra essencial da Economia Política”:

“.... se quereis que a vontade geral seja cumprida, fazei com que todas as vontades particulares a ela se conformem. E, como a virtude não passa da conformidade da vontade particular à geral, para dizer, numa palavra, a mesma coisa: fazei reinar a virtude.” [16]

Mas persiste a necessidade de avaliar o quanto o homem, pelo pacto, aliena de seu poder, bens e liiberdade.

Nesse processo de integração, a alienação que o indivíduo sofre relativamente à sua vida, aos seus bens e à sua liberdade é sempre total, mas está sujeita a duas condições: de um lado, ninguém pode, na ordem social, ser preferido pelo soberano. A igualdade é fundamental; de outro, acima de tudo é o interesse comum que deve estar em discussão; o que está fora desse interesse, não pode ser alienado. E se o soberano o exigisse, desvirtuaria sua própria essência. Isso quer dizer que, se a vontade do corpo político de cidadãos é geral quanto ao objeto - visa sempre e tão só ao bem comum – não pode tomar em consideração nenhum objeto particular, pois isto não configuraria um ato de soberania. Rousseau o diz claramente no Contrato Social, repetindo a mesma advertência no Da Economia Política. Abre-se então a possibilidade de, na boa sociedade, coexistirem a figura do “homem” e a do “cidadão”.

Parece, até, que o problema da liberdade se quantifica: fora dos limites das convenções, pode o homem dispor de seus bens, de sua liberdade. A esfera dos assuntos não pertinentes ao interesse comum é residual e é civil o caráter da liberdade que lhe diz respeito. Se a vida e a liberdade da pessoa enquanto ser particular não dependem da pessoa pública que ela integra, é preciso distinguir o direito natural que indivíduo deve gozar na qualidade de homem, agora não mais de cidadão ou súdito.

A pergunta que se põe, então, é a seguinte: como irão conviver na mesma pessoa o homem e o cidadão? Alguns julgam que à figura do primeiro se sobrepõe a do segundo; outros, não.

Teria Rousseau percebido o quanto, na sociedade legítima, aproximam-se o homem e o cidadão? A nosso ver, sim, tendo, inclusive, percebido o quanto, na sociedade de seu tempo, um e outro estavam separados, e, muitas vezes, em relação de conflito.

É notável que também não lhe escapou, antes de Constant, a distinção entre a liberdade dos antigos e a dos modernos. Deixemos de lado as instigantes considerações que afloram o tema no Emílio e prestemos atenção às palavras com que Rousseau distingue antigos de modernos em Carta os cidadãos de Genebra, datada de 1764:

“Os povos antigos não são mais um modelo para os modernos; sob todos os aspectos eles lhes são muito estranhos. Sobretudo vós, genebrinos, ficai em vosso lugar, não ides aos objetos elevados que se vos apresentam para vos esconder o abismo que se cava diante de vós. Vós não sois romanos, nem espartanos, nem mesmo sois atenienses. Abandonai esses grandes nomes que não vos cabem. Vós sois mercadores, artistas, burgueses, sempre ocupados com vossos interesses particulares, com vosso trabalho, vosso comércio, vosso ganho, pessoas para as quais a própria liberdade é apenas um meio de adquirir sem obstáculo e possuir em segurança.”[17]

Rousseau tem consciência das diferenças entre as sociedades antigas e as modernas, seja quanto ao funcionamento da democracia antiga, seja quanto aos hábitos de vida. Sabe que falta no seu tempo o ócio, que a cidade antiga garantia ao cidadão explorando o trabalho escravo, razão pela qual chama a atenção para a importância dos mecanismos de controle adequados ao sistema representativo, uma vez que o envolvimento excessivo do indivíduo com seus interesses particulares afasta-o da participação direta e contínua na vida pública. Assim, adiantando-se a Constant, sublinhando esse desinteresse, Rousseau chama a atenção para o fato de que a participação política é que nos garante a liberdade civil. Aos genebrinos que, em sua opinião, só se ocupavam dos seus direitos políticos tardiamente, com repugnância e somente diante do premente perigo, Rousseau aconselha:
“Esta situação exige para vós máximas específicas. Não sendo ociosos como eram os antigos povos, vós não podeis, como eles, ocupar-vos sem cessar do governo; mas justamente pelo fato de que vós quase não podeis vigiar constantemente o governo, deve ele ser instituído de modo que vos seja mais fácil ver as suas manobras e prevenir os abusos. Todos os cuidados que, por exigência de vossos próprios interesses, deveis ter na ordem pública, devem ser tornados tanto mais fáceis de tomar quanto um cuidado que vos custe e que não tomeis de bom grado. Porque querer desonerar-se inteiramente é querer cessar de ser livre. É preciso optar, diz o filósofo benfazejo, e os que não podem suportar o trabalho só têm de procurar o repouso na servidão. Um povo inquieto, desocupado, agitado e carente de negócios particulares, sempre pronto a imiscuir-se nos negócios do Estado, tem necessidade de ser contido, eu o sei; mas, novamente, é a burguesia de Genebra esse povo? Nada assemelha-se menos a isso; ela é o antípoda dele. Vós cidadãos, inteiramente absorvidos em vossas ocupações particulares e sempre indiferentes diante do resto, só cuidais do interesse público quando o vosso é atacado. Muito pouco cuidadosos em esclarecer a conduta de seus chefes, não vêem os ferros que se lhes prepara a não ser quando sentem o peso deles. Sempre distraídos, sempre enganados, sempre atentos a outros objetos, deixam-se enganar acerca do mais importante de todos, e vão sempre procurando o remédio, por falta de ter sabido prevenir o mal. De tanto calcular os seus passos, não os dão nunca senão demasiado tarde. Seus vagares os teriam já perdido cem vezes se a impaciência do magistrado não os tivesse salvo e se, apressado em exercer esse poder supremo ao qual ele aspira, ele próprio não os tivesse advertido do perigo. Segui a história de vosso governo, vós vereis sempre o Conselho, ardente em seus empreendimentos, fracassar muitas vezes por muito zelo em realizá-los, e vereis sempre a burguesia retornar enfim sobre o que ela deixou que se fizesse sem a isso opor-se. Em 1570 ...., em 1714 ...., em 1725 ...., em 1650 ..., em 1707 ..., em 1736 ..., em 1762 ..., em 1763 ......[18]. Eis, senhores, fatos conhecidos em vossa cidade, e mais conhecidos por vós do que por mim; eu poderia acrescentar cem outros, sem contar os que me escaparam. Estes bastariam para julgar se a burguesia de Genebra alguma vez foi ou é, eu não digo agitada e sediciosa, mas vigilante, atenta e ágil na defesa de seus direitos melhor estabelecidos e mais abertamente atacados. (...)”[19]

Deixando de lado a discutível questão acerca de se saber até que ponto, pessoalmente comprometido com os conselhos que dá aos genebrinos na 9a. Carta, Rousseau teria mudado de opinião quanto à orientação assumida no Contrato Social relativamente ao sistema representativo, pode perceber-se que ele tem a clara consciência da diferença entre antigos e modernos na questão da liberdade. Então, que posição tomou?

Em nossa avaliação, repetimos, somente à luz da filosofia da educação de Rousseau, espalhada em algumas obras, concentrada em outras, mas sempre associada a uma teoria da cultura, é que podemos aclarar a sua idéia de liberdade e o seu ideal de cidadania.

Examinemos tudo mais de perto. No Contrato Social, distinguindo a tarefa de redigir as leis do direito de as votar, exercido este diretamente pelo povo em assembléia, em condições de igualdade radical, reserva Rousseau aquela para uma figura ímpar, o Legislador. A seu ver, a elaboração das leis deve obedecer a uma inspiração única, que tudo faça concorrer para a realização do espírito social. Essa, a dificuldade primária, a que o próprio Rousseau já fora sensível. Como levar a cabo essa tarefa se o instituidor supõe existir no povo precisamente aquilo que elas (as leis) devem concorrer para estabelecer - o espírito social? A segunda dificuldade está na gestação do homem novo, na desnaturação. Estabelecer o espírito social implica sempre em desnaturar. Essa tarefa – desnaturar – exige do Legislador de um povo uma intervenção radical.:

“.... ... mudar a natureza humana, transformar cada indivíduo, que por si mesmo é um todo perfeito e solitário, em parte de um todo maior, do qual de certo modo esse indivíduo recebe sua vida e seu ser; alterar constituição do homem para fortificá-la; substituir a existência física e independente que todos nós recebemos da natureza, por uma existência parcial e moral.” [20]

Ora, o que o exame das idéias políticas e educacionais de Rousseau indica é simplesmente isso: desnaturar é uma tarefa que Rousseau não irá conceber na sociedade legítima sem o concurso do poder público e da educação Eis aqui o ponto em que sobressai a face política da educação.
Como devemos entender isso? Considerado em si próprio, o homem é um ser natural, completo; em sua relação com os outros, deixa essa condição para tornar-se um ser social, que se completa apenas à medida que se compõe com os outros homens, na qualidade, agora, de parte de um todo que o ultrapassa, a sociedade política, numa vida artificialmente organizada. Ser parte de um todo - eis a nova condição do homem desnaturado.

Mas como esclarecer o sentido mesmo de ser parte?. Vejamos, primeiro, como Rousseau vê a condição do homem cuja desnaturação fracassou. Há uma passagem no Segundo Discurso que ilustra bem o fato:

“... a sociedade não oferece mais aos olhos do sábio senão um conjunto de homens artificiais e de paixões factícias que são obra de todas essas novas relações e que não têm fundamento verdadeiro da natureza (...) o homem selvagem e o homem policiado diferem de tal forma quanto ao fundo do coração e às inclinações que o que faz a felicidade suprema de um reduziria o outro ao desespero ...” [21]

No livro I do Emílio esse ponto é enfaticamente problematizado. Para Rousseau, o homem da sociedade de seu tempo, mal socializado, é um híbrido teratológico. Nem é homem e nem é cidadão. Ficou a meio do caminho, na passsagem para a ordem social. Onde foi que essa operação falhou e por que?

Não é possível, diz Rousseau, ao homem manter na vida em sociedade a unidade de seu ser e, ao mesmo tempo, pretender conservar na ordem civil a primazia dos sentimentos da natureza:

“Aquele que, na ordem civil, quer conservar a primazia dos sentimentos da natureza, não sabe o que ele quer. Sempre em contradição consigo próprio, hesitando sempre entre suas inclinações e seus deveres, ele não será, jamais, nem homem, nem cidadão; não será bom nem para si nem para os outros. Será um desses homens de nossos dias; um francês, um inglês, um burguês; ele não será nada.”[22]

Portanto, em algum momento da transição do estado natural para o estado social deu-se um desastre ôntico. O sentimento de piedade, de que o homem naturalmente é dotado, é que permite a boa socialização. Ora, no processo de transposição de um estado para outro, esse sentimento, desenvolvendo-se sempre de preferência ao outro sentimento básico do homem natural, que é o amor de si, deveria, em sociedade, mudando de sinal, configurar o que, no plano moral, chamamos virtude e, no plano social, justiça.[23] Pelos resultados da transição tal não se deu. Ao invés de ser fortalecido, esse sentimento foi atrofiado. Que fatores favoreceram esse fracasso?

Parte desse fracasso se deve à própria estrutura da sociedade, que é injusta e desigual; parte deve ser tributada às falhas da educação. Quando esta favorece o florecimento, no homem, de paixões contrárias à natureza, tudo está perdido:

“Não há mais tempo para mudar nossas inclinações naturais quando elas tomaram seus cursos e quando o hábito associou-se ao amor próprio; não há mais tempo para nos tirar fora de nós mesmos, desde que o eu humano, concentrado nos nosssos corações, adquiriu aí esta desprezível atividade que absorve toda virtude e faz a vida de almas pequenas.”[24]

Como alcançar que na sociedade ilegítima convivam harmonicamente na mesma pessoa o homem e o cidadão, sem que haja a ruptura? O grande problema é preservar a unidade do ser. Teria Rousseau encontrado a fórmula para tal sonho? [25]

Nessa sociedade ilegítima, estando a ruptura infiltrada na própria ordem civil, injusta e desigual, a unidade deve ser constituída e também reforçada na intimidade de cada um. O preceptor formará o homem habilitado a adaptar-se às leis civis do País que escolher como pátria; cidadão do mundo, contudo, guiar-se-á, em última análise, pelas leis escritas em seu coração. A correspondência entre a moralidade que deve regular a vida interior do indivíduo e a legalidade que tutela o cidadão será tanto mais imperfeita quanto imperfeitas forem as leis da pátria onde se vive. [26]

O problema da contradição interior dentro do homem aflora quando, sob a tutela da educação particular, que Rousseau intitula doméstica, a socialização mal feita favorece o movimento centrípeto do eu, contra as exigências do corpo político, que sempre deveria estimular no indivíduo a abertura para o todo. O caminho para a desagregação social está mais próximo tanto mais quanto na vida associativa cada um mover-se em torno de si próprio, nada restará quando, então, de útil, para entretecer o liame social. Se a união social nasce do acaso, justifca-se e se mantém devido aos interesses comuns.

Nas sociedades degeneradas a educação fica por conta de iniciativas isoladas, referidas à vida privada; nelas a responsabilidade do educador é total e mal pode ser dividida com a sociedade, já que esta, mal constituída, é, em si, um obstáculo.

Para transformar o homem natural em homem civil sem degradá-lo, Rousseau conta com as boas instituições e confia ao poder da educação a disciplina das paixões, que não pretende eliminar, pois sabe que o homem, este ser dual, pela parte corpórea está sujeito a elas:

“Mas que ser sensível pode viver sempre sem paixões, sem ligações? Ele não é um homem; é um bruto ou é um Deus. Não podendo, pois, me garantir de todas as afecções que nos ligam às coisas, vós me ensinastes ao menos a escolhê-las, a não abrir minha alma senão às mais nobres, a não me prender senão aos mais dignos objetos que são meus semelhantes, a estender, por assim dizer, o eu humano a toda a humanidade, e a me preservar, assim, das vis paixões que o concentram.”[27]

Consequentemente, para a sociedade legítima, Rousseau prescreve a educação pública, e a transforma em uma paidéia de deveres.[28] Esta vai estabelecer, primeiramente pelos costumes, depois pelas leis, uma tábua de valores acerca do que é permitido ou proibido. As paixões não serão eliminadas, mas, sim, controladas em sua gênese[29] e direcionadas para o espírito social:

“Dir-me-ão que quem tiver homens para governar não deve procurar fora da sua natureza uma perfeição de que não são capazes, não deve desejar neles destruir as paixões e que a execução de um tal projeto seria tão indesejável quanto impossível. Conviria com tudo isso, sobretudo porque um homem que não tivesse nenhuma paixão seria certamente péssimo cidadão. Mas é preciso também convir em que, se não se ensina os homens a nada amar, também não é impossível ensiná-los a amarem um certo objeto em lugar de outro e o que é verdadeiramente belo em lugar do que é disforme.” [30]

A boa ordem e a boa educação é que vão permitir esse transporte do eu (humano) para a unidade comum de modo a tornar relativo (parte) o que era absoluto (todo), com existência definida em função do corpo coletivo:

“O homem natural é tudo para si mesmo: ele é a unidade numérica, o inteiro absoluto que só tem relação com ele próprio ou com seu semelhante. O homem civil é apenas uma unidade fracionária que depende do denominador cujo valor está em sua relação com o inteiro, que é o corpo social. As boas instituições são aquelas que melhor sabem desnaturar o homem, tirar-lhe sua existência absoluta para lhe dar uma relativa, e transportar o eu para a unidade comum: de tal modo que cada particular não se creia mais um, mas parte da unidade, e apenas seja sensível no todo.” [31]

Dir-se-á que não é possível socializar sem “relativizar”o eu humano; todavia, o problema está na forma de se conceber essa “relativização”: [32] o nível e a intensidade da entrega do eu ao nós, do indivíduo, ao todo. De qualquer forma, a vontade particular, preponderante na ordem natural, é agora enfraquecida, em favor da vontade geral, que é soberana.

Mas Rousseau julga que, para o êxito desse procedimento é preciso algo mais do que leis escritas; é preciso gestar no indivíduo o espírito social e, com ele, um sentimento único: o de ser parte. Ser social, então, vai ser mais do que fazer parte ou tomar parte: será não algo passageiro, mas um estado de alma permanente, pelo qual o cidadão mostra não apenas conhecer o que é o bem, mas também amá-lo:

“Se, por exemplo, desde bem cedo forem acostumados a só considerarem sua individualidade pelas suas relações com o corpo do Estado e a só perceber, por assim dizer, sua própria existência como uma parte da existência dessa corpo, poderão, por fim, identificar-se de certo modo com esse todo maior, sentirem-se membros da pátria, amá-la com esse sentimento especial que todo o homem isolado só tem por si mesmo, elevar perpetuamente sua alma a esse grande objetivo e transformar, assim, numa virtude sublime, essa disposição perigosa [amor de si] da qual nascem todos os nossos vícios [amor próprio].”[33]

Nesse novo contexto cada associado exerce dois papéis, como homem e como cidadão. Mas o mesmo indivíduo que faz a lei no exercíciio da cidadania, cumpre-a na qualidade de súdito. pois foi ele próprio que a estabeleceu. Respeitada a correlação direitos-deveres, constituindo-se um liame social sólido, está garantida a presevação do corpo politico e a liberdade civil de cada um. O pressuposto dessa solidez é a subordinação do interesse particular ao interesse público, alcançada em primeiro lugar por meio da formação de costumes sadios.

A partir daqui, leis passam a controlar as opiniões, a regular o julgamento sobre o que é belo e o que deve ser entendido como tal.

“A essas três espécies de leis, junta-se uma quarta, a mais importante de todas, que não se grava nem no mármore, nem no bronze, mas nos corações dos cidadãos; que faz a verdadeira constituição do estado; que todos os dias ganha novas forças; que, quando as outras leis envelhecem ou se extinguem, as reanima ou as supre, conserva um povo no espírito de sua instituição e insensivelmente substitui a força da autoridade pela do hábito. Refiro-me aos usos e costumes e, sobretudo, à opinião, essa parcela desconhecida por nossos políticos, mas da qual depende o sucesso de todas as outras: parte de que se ocupa em segredo o grande Legislador, enquanto parece limitar-se a regulamentos particulares que não são senão o arco da abóbada, da qual os costumes, mais lentos para nascerem, formam por fim a chave indestrutível.”(CS., ed. cit., p. 55-6)

É no âmago desse argumento que se deve entender a crítica de Rousseau à cultura. Esta é bem vinda quando não enfraquece o liame social, favorecendo o interesse pessoal e a gestação de paixões ilegítimas - vaidade, hipocrisia, ambição etc. Pois aos olhos de Rousseau, enquanto a ignorância, por si só, não pode impedir a virtude ou afastar o vício, a história mostra que as ciências, as artes, a filosofia se fazem acompanhar sempre de decadência. [34]

A partir daqui desvela-se com força total o compromisso da teoria formativa de Rousseau com a sua teoria política e a natureza desse compromisso. Porquanto, 14 para constituir e manter esse liame Rousseau reclama, na sociedade legítima, algo mais do que a mera adesão às leis. Rousseau reclama uma autêntica conversão interior, que qualifica aquele sentimento de ser parte. À verdadeira ordem social corresponde a ordem no interior do homem. A melhor adesão à disciplina da lei comum é espontânea. Mas para chegar a essa espontaneidade é preciso formar no homem o cidadão, 16 tarefa do Estado e da educação, que, como dissemos, na sociedade legítima, deve ser pública. O pai que educa o filho fala em nome da natureza; o Estado que forma o cidadão, em nome da lei comum. E essa ênfase na adesão espontânea à lei pelo controle da vontade, constituida em sua substância pela educação, indica a matriz ética da política de Rousseau.

Ordem política, ordem social, ordem moral. Tudo sustentado, na sociedade legítima, pela harmônica coordenação entre o “eu” e o “nós”, numa comunhão espiritual plena. Nela, a rainha é a virtude:

“Por que arte inconcebível se pôde encontrar o meio de submeter os homens para torná-los livres; empregar no serviço do Estado os bens, os braços e a própria vida de todos os seus membros, sem obrigá-los e sem consultá-los; com o seu próprio consentimento, aprisionar a sua vontade; fazer valer seu consentimento contra a sua recusa, e forçá-los a punirem-se a si próprios quando fazem o que não desejaram? Como pode acontecer que obedeçam e que ninguém mande, que sirvam e não tenham senhor; sendo tanto mais livres, com efeito, quanto, sob uma sujeição aparente, ninguém perde de sua liberdade a não ser aquilo que pode prejudicar a outrem? Esses prodígios são obra da lei.” [35]

Agora, então, vê-se claramente que toda a concepção de Rousseau acerca da liberdade está assentada em sua teoria da lei, que, nas últimas consequências, sobreleva o campo jurídico, para alcançar o campo da moral. O elogio da lei diz tudo:

“É somente à lei que os homens devem a justiça e a liberdade; é esse órgão salutar da vontade de todos que restabelece no direito a igualdade natural entre os homens; é essa voz celeste que dita a cada cidadão os preceitos da razão pública e o ensina a agir de acordo com as máximas de seu próprio julgamento a não ficar em contradição consigo mesmo.” [36]

Sempre favorecendo a mais ampla abertura para o outro, as idéias de Rousseau sobre educação e política na sociedade legítima coroam um autêntico encômio à fraternidade humana:

“Se as crianças são educadas em comum no seio da igualdade, se estiverem imbuídas das leis do Estado e das máximas da vontade geral, se forem instruídas no sentido de respeitá-las acima de todas as coisas, se estiverem cercadas de exemplos e de objetos que incessantemente lhes digam da terna mãe que os alimentou, do amor que têm por eles, dos bens inestimáveis que recebem dela e da retribuição que lhe devem, não duvidemos que desse modo aprendam a se querer mutuamente como irmãos, a não querer jamais senão o que a sociedade deseja, a substituir o estéril palavrório dos sofistas pelas ações de homens e de cidadãos e a se tornarem um dia os defensores e os pais da pátria de quem por tanto tempo foram filhos.”[37]

Como se depreende do exposto – e de muito mais que todo mais que pode ser colhido na obra de Rosseau – Rousseau desenvolve todo o seu pensamento sobre educação ancorado em uma idéia de formação capaz de previnir a possibilidade de ruptura ôntica, apta, pois, a fortalecer um certo tipo de integração social.

Mas ficamos com algumas dúvidas. A primeira delas, talvez a mais importante, diz respeito a esta questão: como eliminar a contradição essencial no homem? A idéia rousseuaniana de sujeito acaba dependendo de uma opção que privilegia o aspecto social: por este a boa sociedade se define sempre como igualitária e justa; por este o indivíduo em sociedade só chega à percepção de si pela percepção do outro. A constituição do “eu” ‘’ deriva, em última análise, de uma gestação referida ao “nós”. Mas, pelo exposto vemos que a questão da unidade na alma do indivíduo deve sr compreendida à luz da natureza da unidade do liame social. Rousseau deseja uma integração radical entre o indivíduo e o Estado. Referindo-se a estes, observa:

“A vida de um e de outro é o eu comum ao todo, a sensibilidade recíproca e a correspondência interna de todas as partes. Se essa comunicação vem a cessar, a unidade formal a desfazer-se e as partes contíguas a só se prenderem, uma à outra, por justaposição, o homem está morto ou o Estado dissolvido.” [38]

Concluindo, insistimos em que, se é preciso discutir a qualidade da síntese que forma o corpo político para aclarar a questão da definição do homem-parte, também é verdade que só o exame de sua idéias educativas aclara esse status ôntico. Rousseau, que não quer para a sua ‘polis’ homens sábios, mas homens bons, acentua isso com clareza, ao mesmo tempo em que revela o caráter ‘político’ da educação:

“Não é suficiente dizer aos cidadãos - sêde bons: é preciso ensiná-los a ser. O próprio exemplo que a esse respeito constitui a primeira lição, não representa o único meio a empregar-se; o amor à pátria constitui o meio mais eficaz, pois, como já disse, todo o homem é virtuoso quando sua vontade particular em tudo se encontra de acordo com a vontade geral ..” [39]

Por essa razão, Rousseau mostra-se severo em seu julgamento histórico da ação política do grande Péricles[40]:



“.. perguntarei unicamente se os atenienses se tornaram melhores ou piores sob o seu governo; pedirei que nomeiem alguém entre os cidadãos, entre os escravos ou até entre as crianças, que, graças a seus cuidados, se tenha tornado um homem de bem. Aí está, parece-me, a primeira função do magistrado e do soberano, uma vez que o meio mais rápido e certo de tornar os homens felizes não é ornamentar suas cidades nem mesmo enriquecê-las, mas sim torná-los bons.” [41]

Uma outra dúvida diz respeito aos direitos de cada um como homem. Se o que prevalece, na ordem social, é o que o soberano determina e só o soberano é juiz do ônus da alienação, cabe perguntar, ao final, o que, fora do âmbito do interesse comum, será deixado residualmente à atuação de cada um.

Agora, resta saber se Rousseau não nos deixa precisamente esta lição – o sonho de uma sociedade justa e igualitária, para cuja “bondade” uma das condições fundamentais é o controle dos fins da educação e, por que não, também, dos meios, poderá ser alcançado com outra alternativa que não a do Estado bom que tenha a seu serviço o controle do ensino e da formação moral dos homens? Pois como poderia ser diferente se a proposta de realização da sociedade legítima pressupõe um mecanismo pedagógico que gere comportamentos naturalmente sociais?

Se é tarefa precípua da educação pública gestar em cada um a espontânea adesão ao espírito coletivo, não seria grande o risco de a figura do cidadão sobrepor-se à figura do homem, absorvendo-a? E, por isso, não estaria Rousseau mais próximo dos antigos e de sua idéia de liberdade?

Não se pode por em dúvida a fé de Rousseau na perfectibilidade do homem e no poder da educação. Mas esse otimismo de base é prejudicado pelo esforço que Rousseau, atormentado pelo medo da queda, é constrangido a dispender, ao estabelecer princípios e mecanismos de controle que acabam por limitar e dirigir essa perfectibilidade, sempre visando à moralidade e à felicidade humanas. Nos resultados, um contrasenso, a nosso ver.

O homem é um ser de poderes, que lhe prometem o infinito. Na filosofia educativa de Rousseau, isso está plenamente reconhecido, como princípio positivo. Mas esse princípio positivo é enfraquecido e pode até ser anulado quando condicionado, em sua aplicação, ao imponderável.[42] Rousseau, que parece cultivar e preservar tanto a liberdade ao pensar a vida de Emílio na sociedade degenerada, acaba, com medo da queda, por limitá-la, ao estabelecer as condições ideais de estrutura e funcionamento da sociedade legítima. Pais que muito amam seus filhos fazem a mesma coisa, pois agem com suas crianças como se lhes estivessem a dizer: “sabemos que vocês podem e querem ir mais longe, mas porque podem ferir-se, brinquem apenas e sempre no quintal.”

Felicidade, moralidade e liberdade. São três conceitos fundamentais para qualquer teoria política e educativa. A forma pela qual é pensada a interligação entre eles é que vai determinar o tipo de regime, de formacão humana e de estilo de vida que escolhermos. Rouseau não escapou a esse esquema, com vimos. E, pensando o ideal, pôs no horizonte do homem, poderosa, a figura do cidadão.

Contudo, fazer o homem bom e feliz não é, na filosofia liberal, tarefa do Estado. Mas, sim, criar as condições para que cada um encontre, por si só, o caminho do que julga ser a felicidade. O que nos devolve ao texto de Constant e à sua brilhante crítica a Rousseau.

Resumo – O problema que nos interessa examinar aqui diz respeito ao status ôntico do homem na teoria política de Rousseau. Na verdade, o processo, que num sentido amplo chamamos de “socialização” e que em Rousseau nada mais é do que “desnaturação”, é a idéia central do que poderíamos configurar como o seu projeto de cidadania. Referidas a ele é que devem ser discutidas suas posições acerca da participação e da liberdade. Nossa tese é que, por si só, a teoria política de Rousseau, é infrutífera para esclarecer a condição de homem-parte, mas, combinada com a sua teoria sobre a educação, oferece preciosos subsídios nessa direção. Autor dos tempos modernos, Rousseau contudo vai buscar inspiração nos valores da cidade antiga para fundamentar a sua idéia de participação. E isso pode ser mais facilmente compreendido com a discussão de seu ideal de Estado educador.

Palavras-chaves

bondade natural – vontade geral - Estado Educador – virtude – lei – felicidade – moralidade – bem público – cidadania.


[1] Esclareça-se de imediato que as idéias de Rousseau sobre a cidadania estão espalhadas por suas obras, não tendo, ele próprio, distinguido uma, em especial, que tratasse diretamente do tema. Embora o Emílio, o Contrato Social sejam fundamentais para essa questão, o cerne de seu pensamento a respeito parece-nos encontrar-se no Da Economia Política.
[2]Essa vontade,que Rousseau desígna como “vontade geral”, corresponde à vontade moral, que legisla em prol da razão pública e, não, à vontade da maioria, que pode, eventualmente, estar dissociada do interesse comum e ser-lhe inútil ou, até mesmo, nociva. É no Contrato Social que Rousseau discute esse conceito.
[3] Essas divergências estão bem comentadas por Derathé em Jean-Jacques Rousseau et la science politique de son temps. Paris:PUF, 1950.Em especial, cap. V – La théorie de la souveraineté, iii. – Les limites de la souveraineté.
[4] O desenvolvimento desse tema fazia parte de nosso projeto de pesquisa para a livre-docência, que discutia a idéia de liberdade e cidadania em Platão e Rousseau. Hoje restringimos nossa tese aos gregos antigos, e parte dos resultados daquela investigação estão em nosso livro Platão, Rousseau e o Estado Total. S.Paulo:TAQueiroz, 1996. Agora, ocupa-se do aprofundamento da questão de que tratamos neste texto nosso orientando de mestrado da área de Filosofia da Educação, Fábio de Barros Silva. Interessado na conexão entre ética e política no pensamento de Rousseau, está iniciando sua pesquisa justamente pela questão do núcleo arcaico das idéias de Rousseau.
[5] Destaco o trabalho de Denise Leduc-Fayette, Jean-Jacques Rousseau et le mythe de l’Antiquité. Paris: J. Vrin, 1974.
[6] Na visão dos antigos - estamos pensando na Grécia arcaica e clássica, em Roma do período republicano - predomina, em geral, sobre a figura do homem, a do cidadão. Apenas para ilustrar esse ponto, leiamos Cícero, A República, I.4.8: “A lei segundo a qual a pátria nos gerou ou criou não foi a de, por assim dizer, não esperar nenhum sustento da nossa parte, e de ela providenciar as nossas comodidades, fornecendo-nos um refúgio seguro para os nossos lazeres e um local tranquilo para descansarmos, mas assegurar-se, ela mesma, para sua utilidade, da posse da maior parte, em qualidade e quantidade, do nosso espírito, talento e prudência, deixando-nos, para nosso uso privado, apenas aquilo que lhe sobrava.” (trad. Maria Helena da Rocha Pereira, Romana. Universidade de Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos, 1986, 2a. ed., p. 31.)
[7]Cf. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. In Filosofia Política 2, LPM – Unicamp/UFRGS, com apoio do CNPQ, 1985, p.16.
[8]ib., p. 16
[9]Ib., p. 17.
[10] Ib., p. 17. Constant insiste no mesmo ponto em De L’ Esprit de Conquête et de L’Usurpation. Cf. 2a. parte, De L’Usurpation, cap. VII, p. 208 et sqs, in Cours de Politique Constitutionnelle, de Collection des Ouvrages publiés sur le gouvernement représentatif. Paris: Librairie de Guillaumin et Cie, 1861.
[11] Da instrução publica ou Da organização do corpo ensinante. Tradução de Roque Spencer Maciel de Barros.
[12] Da instrução publica ou Da organização do corpo ensinante. Tradução de Roque Spencer Maciel de Barros.
[13] Alguns autores chegaram mesmo a ver no regime igualitário proposto por Rousseau as bases da democracia totalitária. Tal é a posição, por exemplo, de Talmon.
[14] Contrato Social, II, xii. In: J.-J. Rousseau - Obras, vol. II, Do Contrato Social. Trad. de Lourdes Santos Machado. Editora Globo-RJ - P. Alegre - S.P, 1962.
[15] Da Ec. Pol., p. 290-3. In: J.-J. Rousseau – Obras. Cf. , vol. I – Da Economia Política. Trad. de Lourdes Santos Machado. Editora Globo-RJ - P. Alegre - S.P, 1962.
[16]Ec. Pol., ed. cit., p. 294.
[17] J. Rousseau, Oeuvres Complètes. Pleiade, 1964, t. III, Lettres Écrites de la Montagne, 9ème, pp. 880-88. Trad. de Roque Spencer Maciel de Barros e Gilda N. M. de Barros
[18]Rousseau refere-se a diferentes momentos da história política de Genebra aos quais se aplica o princípio geral a que se refere. Por ex., em 1707, um cidadão é julgado clandestinamente, contra as leis, condenado, fuzilado na prisão e outro é enforcado em virtude de um falso testemunho; ainda outro é encontrado morto. Tudo é esquecido e só se fala disso em 1734, quando alguém se lembra de pedir ao juiz notícias a respeito do cidadão fuzilado trinta anos antes.
[19] J.-J. Rousseau, Oeuvres Complètes. Pleiade, 1964, t. III, Lettres Écrites de la Montagne, 9ème, pp. 880-88. Trad. de Roque Spencer e Gilda N. M. de Barros
[20] Cf. O Contrato Social, ed. cit., p. 45-6.
[21] J.-J. Rousseau, Oeuvres Complètes. Pleiade, 1964, t. III. Cf. Sur l’origine de l’inégalité, p. 191-3.
[22] J.J. Rousseau – Oeuvres Complètes. Pleiade, 1969, t. IV, Émile, pp. 249-50
[23] “A passagem do estado de natureza para o estado civil produz no homem uma mudança muito notável, substituindo em sua conduta o instinto pela justiça, e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É somente então que a voz do dever, sucedendo ao impulso físico e o direito ao apetite, o homem, que até então não tinha considerado senão a si próprio, se vê forçado a agir conforme outros princípios, e consultar sua razão antes de ouvir suas inclinações.” (J.J. Rousseau –J.-J. Rousseau, Oeuvres Complètes. Pleiade, 1964, t. III, p. 364, todos os itálicos das citações neste artigo são nossos)
[24] J.-J. Rousseau, Oeuvres Complètes. Pleiade, 1964, t. III, Sur l’économie politique, p. 260.
[25] “Resta, enfim, a educação doméstica, ou a da natureza. Mas o que se tornará para os outros um homem educado unicamente para si? Se o duplo objetivo que se propõe pudesse ser reunido em um só, tirando as contradições do homem se tiraria, talvez, um tirando as contradições do homem se tiraria, talvez, um grande obstáculo à sua felicidade.” (J.J. Rousseau – Oeuvres Complètes. Pleiade, 1969, t. IV, Émile, p. 251.

rande
[26] A solução encontrada por Rousseau para a sociedade ilegítima – que é, no fundo, a que nós conhecemos e na qual vivemos, pode parecer sedutora aos olhos dos liberais, por seu matiz estóico e evidente valorização da autonomia. A fragilidade de seu encanto aparece quando confrontada com a organização da sociedade legítima, na qual, rigorosamente falando, o campo jurídico e o campo moral tendem a se encontrar. Nesse trânsito é que assoma, com toda a força, um problema filosófico espinhoso, nascido da pretensão de Rousseau de fundamentar a moral universal. De qualquer forma, o que Rousseau nos diz com a sociedade do Contrato é: “Se se quiser preservar a bondade natural do homem.....” pois Rousseau não pretendeu fazer revolução com as teses do Contrato Social, mas postular as condições constitucionais ideais da sociedade justa.
[27] J.J. Rousseau – Oeuvres Complètes. Pleiade, 1969, t. IV,Émile et Sophie, p. 883.
[28] “A educação pública, sob regras prescritas pelo governo e sob a responsabilidade de magistrados designados pelo soberano, constitui, pois, uma das máximas fundamentais do governo popular ou legítimo.” (Da Econ. Pol., ed. cit., p. 301)
[29]Mas é no Emílio que se pode aprender o essencial sobre esse controle e disciplina.
[30]Econ. Pol. ed. cit., p. 300.
[31] J.J. Rousseau – Oeuvres Complètes. Pleiade, 1969, t. IV, Émile, p. 249.
[32]Roque Spencer Maciel de Barros discute precisamente isto ao considerar os vários sentidos da idéia de participação nos seguintes artigos: Da Participação 1 – In : “O Estado de S. paulo”, 24.II.1987; Da Participação 2 – In: “O Estado de S. Paulo”, 10.III.1987; Da Participação 3 – In “O Estado de S. Paulo”, 17.III.1987; Da Participaçào 4 (final) – In: “O Estado de S. Paulo”, 24.III.1987.
[33] Econ. Pol. ed. cit., p. 300. O texto entre colchetes é nosso.
[34]Cf. Discurso sobre as Ciências e as Artes; as Respostas a às críticas a esse Discurso e o Prefácio de Narciso; Carta a d’Alembert sobre os espetáculos.
[35]Ec. Pol., ed. cit. p. 291.
[36]Ec. Pol., ed. cit., p. 291.
[37] Econ. Pol., ed. cit., p. 301.
[38]Econ. Pol. p. 288.
[39]Da Econ. Pol., ed. cit., p. 296.
[40] Mesma posição assumida pelo Sócrates platônico no Górgias.
[41] Última resposta...., ed. cit., vol. I, p. 98; mesma posição nas Considerações sobre o Governo da Polônia, onde Rousseau observa que não quer tornar a Polônia uma nação rica e próspera, mas virtuosa. Cf. vol II, ed. cit., p. 306 em diante.
[42] Em Os solitários, tão logo Emílio e Sofia alçam vôo para longe do preceptor, postos à prova, desviam-se.

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