segunda-feira, 25 de abril de 2011

REVISÃOZÃO: BAIXA IDADE MÉDIA.

                                                             Albrecht Dührer "O cavaleiro e a morte"


CRUZADAS
O movimento cruzadista é, geralmente, definido como uma série de expedições armadas realizadas pelos cristãos contra os muçulmanos, com o propósito de romper o cerco a que vinham submetendo a Europa desde o século VII. Assim, a idéia de libertação de lugares religiosos tradicionais, como o Santo Sepulcro, na Palestina, transformou-se em bandeira desse movimento. Essas expedições já eram solicitadas pelos imperadores bizantinos, que necessitavam de auxílio do Ocidente para conter o avanço dos turcos seldjúcidas sobre seu território. A Igreja Católica acabou assumindo a dinamização do movimento cruzadista, ambicionando reafirmar-se no Oriente: alcançaria assim seu ideal de unificação das duas igrejas, anulando a autonomia da Igreja Ortodoxa.


O SANTO SEPULCRO
Jerusalém tornou-se o centro da espiritualidade cristã ocidental, pois para lá dirigiam-se constantemente peregrinos em busca do contato com as relíquias sagradas. O local era considerado santo, pois Cristo fora enterrado ali. Jerusalém passou a atrair indivíduos de todo o mundo cristão, mesmo considerando as dificuldades de acesso, as quais, em meio ao misticismo generalizado, tornavam-se uma purificação para os peregrinos.
Inegavelmente, a religiosidade do homem medieval foi um fator determinante para a organização das Cruzadas. Entretanto, outros fatores, como a marginalização decorrente do crescimento demográfico e a persistência do direito de primogenitura, foram igualmente importantes na constituição desse movimento. Segundo o direito de primogenitura, apenas o filho mais velho do senhor feudal herdava as terras e os títulos paternos, restando aos outros filhos apenas as alternativas de se tornarem vassalos de um outro senhor, ingressar nos quadros eclesiásticos ou partir, como cavaleiros, em busca de aventuras e conquistas. Para os setores marginalizados, não incorporados ao processo de produção, e para os nobres sem feudos, as Cruzadas representavam, então, uma oportunidade de aventura e, eventualmente, de enriquecimento.
Também o interesse comercial, sobretudo dos negociantes italianos, foi decisivo para a constituição do movimento cruzadista. Para esses comerciantes, as Cruzadas significavam a possibilidade de reabertura do mediterrâneo e a obtenção de entrepostos e vantagens comerciais no Oriente.
Assim, usando o avanço dos seldjúcidas como pretexto, o Papa Urbano II, em um discurso proferido no Concílio de Clermont, em 1095, conclamava os cristãos a integrar o movimento cruzadista. Esse discurso, do qual reproduzimos uma das mais significativas passagens, expressa claramente as intenções da Igreja, bem como os problemas que afetavam a Europa do século XI:
“Deixai os que outrora estavam acostumados a se baterem, impiedosamente, contra os fiéis, em guerras particulares, lutarem contra os infiéis(...) Deixai os que até aqui foram ladrões, tornarem-se soldados. Deixai aqueles, que outrora se bateram contra seus irmãos e parentes, lutarem agora contra os bárbaros, como devem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixos salários, receberem agora a recompensa eterna.
Uma vez que a terra que vós habitais, fechada de todos os lados pelo mar e circundada por picos de montanhas, é demasiadamente pequena à vossa grande população: sua riqueza não abunda, mal fornece o alimento necessário aos seus cultivadores(...) tomais o caminho do Santo Sepulcro; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a vós mesmos. Essa terra em que, como diz a Escritura, ‘jorra leite e mel’ foi dada por Deus aos filhos de Israel. Jerusalém é o umbigo do mundo; a terra é mais que todas frutífera, como um novo paraíso de deleites”.
Foram organizadas diversas Cruzadas entre 1096 e 1270. Vejamos as principais:
Cruzada dos Mendigos (1096) - extra-oficial. Comandada por Pedro, o Eremita, e Gautier Sem-Vintém, constituiu um movimento popular que bem caracteriza o misticismo da época. Iniciou-se antes da primeira Cruzada oficial, sendo massacrada pelos turcos.
Primeira Cruzada (1096-1099) - Cruzada dos Nobres. Comandada principalmente por Godofredo de Bulhão, Raimundo de Toulouse e Boemundo, foi a única Cruzada que obteve efetivos sucessos, reconquistando Jerusalém em 1099, organizando a região de forma feudal. Possibilitou, ainda, a criação de ordens monásticas como as dos Templários e Hospitalários.
Segunda Cruzada (1147-1149) -  Refeitos da surpresa inicial, os turcos se reorganizaram, empreendendo a reconquista dos territórios perdidos. Contra eles, organizou-se a Segunda Cruzada, pregada por São Bernardo e liderada pelos reis Luís VII (França) e Conrado II (Sacro Império). Não atingiu seus objetivos e desintegrou-se sem resultados.
Terceira Cruzada (1189-1192) - Cruzada dos Reis. É assim denominada pela participação dos três principais soberanos europeus de época: Ricardo Coração de Leão (Inglaterra), Filipe Augusto (França) e Frederico I, o Barba-Roxa (Sacro Império). Sua convocação ocorreu quando da retomada de Jerusalém pelo sultão Saladino, em 1187. Frederico morreu a caminho e Felipe Augusto retornou à França; Ricardo combateu sem sucesso e finalizou a Cruzada estabelecendo um acordo com Saladino, que permitia a peregrinação cristã a Jerusalém.
Quarta Cruzada (1202-1204) - Cruzada Comercial. Assim designada por ter sido desviada de seu intuito original pelo doge (duque) Dândolo, de Veneza, que levou os cristãos a saquear Zara e Constantinopla, onde fundaram o Reino Latino de Constantinopla, que durou até 1261. Veneza assumiu o domínio do Mediterrâneo, restabelecendo o comércio entre Ocidente e Oriente.
Cruzada das Crianças Quando movimento extra-oficial, baseado na crença de que apenas almas puras poderiam libertar Jerusalém. Apesar da oposição do papa Inocêncio III, a Cruzada efetivou-se, mas as crianças acabaram vendidas como escravas no Norte da África.
Quinta Cruzada (1218-1221) -  Dirigida por André II, da Hungria, contra o Egito, não obteve qualquer resultado significativo.
Sexta Cruzada (1228-1229) - Realizada por Frederico II, imperador do Sacro Império, essa Cruzada resultou apenas em acordos diplomáticos com os turcos.
Sétima e Oitava Cruzadas (1250 e 1270) -  Sua importância reside no fato de terem sido comandadas por Luís IX, rei da França, posteriormente canonizado como São Luís. Voltaram-se contra o Egito sem nenhum sucesso.

Pouco a pouco, tornaram-se bastante claros os interesses materiais envolvidos nesse movimento, e, assim, destituídas em sua essência do sentido espiritual, as Cruzadas acabaram por comprometer o prestígio da Igreja entre os fiéis. Todavia, no aspecto econômico, esses empreendimentos foram extremamente importantes:
“Elas (as Cruzadas), ajudaram a despertar a Europa de seu sono feudal, espalhando sacerdotes, guerreiros, trabalhadores e uma crescente classe de comerciantes por todo o continente; intensificaram a procura de mercadorias estrangeiras; arrebataram a rota do Mediterrâneo das mãos dos muçulmanos e a converteram, outra vez, na maior rota comercial entre o Oriente e o Ocidente, tal como antes”. (HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. p.30).
Nessa fase embrionária da economia capitalista, o lucro não era gerado na área da produção de mercadorias e sim na área da comercialização, isto é, da circulação delas. O texto que segue é uma carta do século XIII do mercador Andréa para seu sócio Tolomeu da cidade italiana de Sierra.
“O cardeal Simão (de Brile) esforça-se por coletar o dízimo para a expedição do rei Carlos. Penso que ele conseguirá uma grande quantia daqui até Candelária, e creio que o dito rei terá vendido uma grande parte dessa soma de maneira a dispor de dinheiro em Roma e na Lombardia. Se assim acontecer, parece-me que o preço dos dinheiros de Provins deve baixar(...) Se vedes um meio de tirar partido disso, não o descuides(...) Aqui, as mercadorias vendem-se tão mal que pareceria impossível colocar alguma; e as há com abundância. Assim, a pimenta... não se vende bem. O gengibre vale de 22 a 28 dinheiros, segundo a qualidade. O açafrão é muito procurado, e vende-se a 25 soldos a libra (quase meio quilo), e não o há no mercado (...)."
(C. Paoli e E. Piccolomini, Leterre volgati del sec. XIII scripa de Senesi, in: Gustavo de Freitas, 900 textos e documentos de História, vol. I).

RENASCIMENTO COMERCIAL
Os nobres que lutavam no Oriente entraram em contato com o estilo de vida mais sofisticado dos povos árabes e bizantinos. Ao voltar para a Europa depois dos combates, exibiam produtos de luxo, saqueados ou adquiridos dos comerciantes árabes. Além disso, as Cruzadas abriram o Mediterrâneo aos mercadores italianos. O comércio de produtos de luxo se iniciava na Europa Medieval.
Formaram-se no continente Europeu dois principais pólos desse grande comércio internacional:
- Norte da Itália (sul da Europa), com Gênova e Veneza na liderança de um comércio que na verdade não chegou a ser totalmente desativado. Desde o século IX, os árabes mantinham relações comerciais apenas com Veneza, ocorrendo com Gênova um antagonismo religioso que impedia essa relação. Com a derrota dos árabes nas Cruzadas, Gênova e Veneza passaram a exercer uma verdadeira ditadura sobre o comércio do mar Mediterrâneo.
- Norte da Europa, na região de Flandres, que produzia tecidos de ótima qualidade e controlava o comércio de peles, peixes secos e madeira, vindos dos países nórdicos. As rotas mais importantes desse comércio eram o mar do Norte e o mar Báltico.
Havia, entre esses dois pólos de comércio internacional, um ponto intermediário ligando-os. Era a região de Champanha, planície localizada no interior da França, onde se realizavam feiras anuais para a comercialização dos produtos que chegavam do Norte da Europa, por estradas e principalmente por rios como o Reno.
As feiras eram verdadeiros acontecimentos festivos e comerciais. Realizadas inicialmente dentro de muralhas de algum castelo ou mosteiro, ou mesmo de um burgo, eram fonte de impostos para os senhores feudais ou clericais. Aí os nobres poderiam encontrar os produtos de luxo vindos do Oriente. Um cavaleiro poderia encontrar produtos de couro vindos da Espanha. E mesmo um pequeno rendeiro camponês poderia encontrar algum par de sandálias grosseiras, que talvez não tivesse tido tempo de fabricar pessoalmente.
Estava nascendo um centro comercial, um centro urbano dinâmico.

RENASCIMENTO URBANO
As cidades se desenvolveram praticamente em função do comércio. Localizavam-se sempre próximas ou mesmo no centro de grandes rotas de comércio. Além de concentrarem o comércio, passaram a ser também importantes centros de produção artesanal.
Como estavam localizadas no interior das terras da nobreza, as cidades eram obrigadas a pagar impostos. Essas taxas na verdade diminuíram os lucros dos comerciantes, e além do mais, a própria administração da cidade estava de certa forma influenciada pela autoridade dos senhores. Por essa razão as cidades e seus habitantes almejavam a libertação da tutela feudal.
Ao longo dos anos, as cidades medievais travaram lutas constantes contra a nobreza feudal para conseguirem sua liberdade. Tornaram-se livres através de acordos com a nobreza ou de luta violenta. Quando conseguiram a liberdade, recebiam um documento chamado “franquia”, que garantia sua independência.
Especializados no comércio e na produção de artigos manufaturados (artesanato), os habitantes eram obrigados a comprar produtos alimentícios e matéria-prima dos campos. Ao mesmo tempo o próprio camponês, que antes produzia quase tudo de que necessitava, passou a concentrar-se na produção que iria comercializar e viu-se obrigado a comprar mercadorias da cidade. Gerava-se assim um comércio interno que, de certa forma, estava conectado ao comércio internacional.
Os cidadãos viam-se na contingência de proteger seu artesanato e o seu comércio da possível concorrência de outras cidades. Para essa proteção foram criadas as chamadas corporações de ofícios. Essas entidades controlavam os horários dos que trabalhavam nas oficinas, mas sobretudo a qualidade dos produtos e o preço. Aparentemente, o processo era vantajoso para os pequenos artesãos e comerciantes, no entanto, se um deles descobrisse uma nova técnica que barateasse a produção de tecidos, por exemplo, era expulso da corporação e impedido de utilizar-se de seu invento.
As corporações estabeleciam também uma hierarquia bastante rígida segundo as funções dentro de uma oficina artesanal:
O mestre artesão era o dono da oficina, das ferramentas e da matéria-prima. Mas o mais importante é que ele guardava os segredos da técnica de fabricação de um produto. Em outras palavras, tinha que ser um profundo conhecedor de sua profissão.
O companheiro era um artesão formado na prática de sua convivência com um mestre, mas não possuía sua oficina própria. Por isso era obrigado a trabalhar como assalariado em alguma oficina.
O aprendiz era um jovem que se apresentava em uma oficina para trabalhar, ajudando o mestre e com isso aprendendo uma profissão. De modo geral não ganhava nada, a não ser casa e comida. Estava submetido a uma disciplina rígida.
O jornaleiro era um jovem que trabalhava por tarefa. Essas tarefas (jornadas) eram estabelecidas pelo mestre, e ao fim delas, os jornaleiros recebiam um pequeno salário.
No documento de 1188 transcrito abaixo, um trecho da carta de constituição da corporação, ou guilda, de Aire-surla-Lys, fica claro como a solidariedade e a ajuda mútua era fundamental na relação entre seus integrantes.
"Todos aqueles que estão compreendidos na Amizade da cidade confirmaram, pela fé e pelo juramento, que cada um ajudaria cada um como um irmão, no que é útil e honesto (...) Se aquele que foi, quer autor, quer vítima, dum prejuízo não aceitar a arbitragem (...) que ele próprio e quem quer que tenha sido seu cúmplice (...) seja entregue à Amizade comum (...) Se algum membro da Amizade perder os seus bens... que se queixe ao preboste da Amizade (...) Se houver tumulto na cidade todo o membro da Amizade que, ouvindo-os, não (...) preste ajuda de inteiro coração como as circunstâncias exijam (...) (pagará uma multa) (...) Se a alguém ardeu a casa, ou se, caído em cativeiro, tiver de pagar resgate (...) cada um dos Amigos dará um escudo para socorrer o Amigo empobrecido..."
(Ordenações dos reis de França, in Gustavo de Freitas, op. cit.).

CRISE E DECADÊNCIA DO FEUDALISMO
A crise no sistema feudal acelerou-se no século XIV. Essa crise geral manifestou-se de várias formas e seria praticamente impossível procurar uma única causa do fim do feudalismo.
Apesar disso, devemos analisar inicialmente as manifestações sociais e econômicas que desaguaram na crise.
Durante a maior parte da Idade Média, a exploração agrícola tinha um caráter fortemente predatório. Isso significa que, apesar das inovações técnicas, as terras atingiam um ponto de exaustão e não produziam praticamente mais nada. A cada ano que passava a produção diminuía, enquanto a taxa de crescimento populacional mantinha-se ascensional. A queda da produção teve como resultado imediato a subida dos preços dos cereais. O trigo, por exemplo, que era o alimento básico dos europeus da época, tornava-se de difícil aquisição. O mercado agrícola, paralisado, tendia a paralisar o mercado das cidades, pois não havia produtos para fornecer e as trocas se estancavam.
Pouco a pouco, a fome foi tomando conta das cidades e principalmente do campo. A taxa de crescimento populacional, que antes era ascensional, começou a baixar rapidamente. Isso equivale a dizer que morria mais gente do que nascia. Quanto menos gente, menor a procura de alimentos. Os preços, antes altos, baixaram. Os senhores feudais, consumidores de produtos de luxo, viram-se então com uma renda insuficiente para manter o seu padrão de consumo. Não é difícil imaginar que a anarquia tendia a surgir: muitos nobres dedicavam-se ao banditismo, saqueando as cidades para complementar seus ganhos e camponeses se rebelavam contra a nobreza que os obrigava a aumentar a jornada de trabalho.
Foi nesse quadro já conturbado que a Europa passou por uma das maiores catástrofes que a humanidade já conheceu: a peste negra.

PESTE NEGRA
Por volta do ano 1348, difundiu-se pela Europa um surto de peste bubônica que talvez tenha sido trazido do Oriente, por ratos contaminados. Em pouco tempo a sensação que se tinha era a de que um tufão passara por todos os lugares varrendo, ou melhor, cortando a vida das pessoas.
A peste ocorria com maior freqüência nos aglomerados populacionais. Vale lembrar que as cidades medievais não possuíam nenhuma infra-estrutura de saneamento: os esgotos eram os leitos das próprias ruas. As possibilidades de disseminação de doenças eram, portanto, bastante facilitadas.
Até o ano de 1350 a Europa não teve sossego. Mais de um terço da população foi contaminada e morta. A Europa só conseguiu voltar a ter o mesmo número de habitantes trezentos anos depois. Por que a peste negra acelerou o processo de desintegração do feudalismo? A peste matou milhões de camponeses e a mão-de-obra diminuiu ainda mais. Os servos estavam portanto, em uma situação de relativa vantagem, isto é, podiam até fazer exigências em troca de seu trabalho. Passaram a exigir a diminuição de impostos e queriam receber mais por seu trabalho.
Isto mudava profundamente as relações de produção do feudalismo: uma parte considerável dos camponeses acumulava dinheiro suficiente para comprar sua liberdade, tornando-se cidadão livre. Os senhores feudais acabaram incentivando essa prática, que, paradoxalmente, ia contra os próprios princípios do feudalismo.
Por outro lado, em certas regiões os senhores feudais temiam que seus servos fugissem e agravassem ainda mais a situação. Por isso reprimiam os servos, aumentando as obrigações e os impostos. O resultado dessa super exploração foi piorar a crise: os camponeses não conseguiam atender as exigências porque suas forças chegaram à exaustão, o que acabou diminuindo ainda mais a produção.
A forte pressão que a nobreza exercia sobre os servos acabou explodindo em rebeliões que também marcaram o século XVI como um século de crises.
Boccacio, famoso escritor da época, registriou suas impressões dos efeitos devastadores da peste negra sobre a população de Florença, que era sua cidade.
"Digo, pois que tínhamos já chegado ao ano da salutar encarnação de Jesus Cristo de 1348, quando a pestífera mortalidade atingiu a excelente cidade de Florença (...) a qual peste (...) foi enviada aos mortais pela justa ira de Deus, e alguns anos antes começara nas partes do Oriente, que privou duma inumerável quantidade de vivos;(...) Poucos se curavam; quase morriam em três dias (...) esta parte ganhou ainda mais força porque se contagiava às pessoas sãs pela frequentação dos doentes (...) bastava mesmo o tocar nos trajes ou outras coisas (...) E assim sempre as pessoas, se o podiam fazer, fugiam dos doentes. E em tal aflição e miséria da nossa cidade, a autoridade das leis, tanto divinas como humanas, estava quase destruída, por falta de ministros e executores (...) pelo que era lícito a cada qual fazer o que queria (...) não se preocupando senão de si próprios, muitos homens e mulheres abandonavam a própria cidade (...) E, mais estranha coisa é e quase incrível, até os pais e mães fugiam de visitar e servir os filhos, como se não fossem seus (...) Muitas pessoas morriam (assim) por falta de socorros. Em virtude do que, tanto por falta de remédios convenientes (...) como pela forma da peste, a multidão daqueles que morriam, dia e noite, era tão grande que era uma coisa terrificante (...) Daí que a necessidade obrigasse a novos costumes contrários aos antigos (...) muita gente morria sem testemunhas (...) e bem pequeno era o número daqueles cujos corpos fossem acompanhados à sepultura (...) e mesmo esses apenas por uma espécie de coveiros, do povo miúdo, que fazia isso por dinheiro (...) carregando às costas o caixão, com grande pressa (...) e metendo-o na primeira fosse que a encontrassem vazia (...)"
(Giovanni Boccacio, Decameron, in Gustavo de Freitas, op. cit.).

REBELIÕES CAMPONESAS
Na França, a rebelião começou aparentemente na cidade de Paris, espalhando-se, como fogo em um paiol, por todo o território. Alguns artesãos da cidade, não suportando mais as pesadas taxas, se rebelaram no ano 1358. O líder da rebelião foi Estevão Marcel. Os camponeses, tomando conhecimento do que ocorria na cidade, começaram também a fazer exigências. As rebeliões camponesas, que ficaram conhecida na França com o nome de jacqueries, atingiram os nobres: castelos foram invadidos, depósitos de alimentos saqueados e destruída a documentação que oficializava a situação dos servos.
Na Inglaterra as rebeliões explodiram alguns anos depois, sob a liderança de John Ball. A cidade de Londres com seus pobres se rebelou também, acompanhando o campo, no ano 1381.
Tanto a rebelião francesa como a inglesa foram, depois de duras lutas, reprimidas pela nobreza feudal. No entanto, essas rebeliões eram um claro indício de que a crise do feudalismo era irreversível. Crise que agravou com a Guerra dos Cem Anos.
Os camponeses passam a reivindicar melhores condições de trabalho e por esta razão o rei da Inglaterra determinou que não se pagasse mais do que os senhores achassem justo. Confira o documento que Eduardo III, rei da Inglaterra, fez circular no ano de 1351, o estatuto inglês dos trabalhadores.
"Eduardo (III), pela Graça de Deus (...) Dado que uma grande parte do povo, e especialmente dos trabalhadores, morreu ultimamente da peste, e muitos, vendo as necessidades dos senhores e a grande escassez de serviçais, não querem servir sem receber salários excessivos, preferindo outros mendigar no ócio a ganhar a vida pelo seu trabalho (...) ordenamos: Que cada homem e mulher do nosso reino da Inglaterra, qualquer condição que seja, livre ou servo, apto de corpo e com menos de sessenta anos, que não viva do comércio nem exerça qualquer ofício, nem possua de próprio com que possa viver, nem terra própria em cujo cultivo se possa ocupar, nem sirva qualquer outro, se for convocado para trabalhar num serviço que lhe seja adequado, considerada a sua condição, será obrigado a servir aquele que assim convoca (...)"
(Ed. from Statutes of Realm trad. F. Espinosa, in Gustavo de Freitas, op. cit.).

GUERRA DOS CEM ANOS
Conflito que, entre 1337 e 1453, entrecortado por períodos de paz, opôs Inglaterra e França.
São vários os antecedentes deste conflito e este não se deve entender apenas como conflito militar, a ele se juntam numerosos conflitos e perturbações sociais e económicas. A Inglaterra pretendia expandir-se militar e economicamente e, logicamente, visava o continente. O monarca inglês era vassalo do rei da França pelo ducado da Guiena e pelo condado de Ponthieu; as obrigações de vassalagem eram prestadas a custo e por outro lado os franceses pretendiam reaver estes territórios. As influências francesa e inglesa na Flandres eram também opostas, pois os condes deste território eram vassalos da França e, por outro lado, a burguesia estava ligada economicamente a Inglaterra.
O conflito foi desencadeado após a sucessão de Carlos IV de França. Os barões franceses, alegando a lei sálica que impedia a sucessão ao trono por via feminina, escolheram como rei Filipe de Valois (Filipe VI), sobrinho de Filipe o Belo por linha masculina, preterindo Eduardo III de Inglaterra, sobrinho de Carlos VI por sua mãe. Eduardo III reconhece Filipe VI em Amiens em 1329; no entanto, após a intervenção de Filipe VI na Flandres apoiando o conde contra os amotinados flamengos, Eduardo II suspende as exportações de lãs. A burguesia flamenga forma um partido a favor do rei de Inglaterra incitando-o a proclamar-se rei de França. Assim Eduardo III repudia o juramento de Amiens e em 1337 dá início ao conflito.
A guerra evoluiu por quatro períodos: o 1.º entre 1337 e 1364, o 2.º entre 1364 e 1380, o 3.º entre 1380 e 1422 e o 4.º entre 1422 e 1453. Durante o primeiro período, os ingleses obtiveram várias vitórias, aniquilaram a frota francesa em Écluse (1340), tomaram Calais (1347) e em Poitiers (1356) chegaram a aprisionar o rei francês João o Bom. Em 1360 foi assinado o tratado de Brétigny; por este tratado a Inglaterra passou a exercer soberania sobre uma vasta parte do território francês. Entre 1356 e 1360 rebentou uma revolta em Paris e em 1358 os camponeses assolam várias províncias (Jacquerie). Já dentro do segundo período, Carlos V reconquista aos ingleses todos territórios com exceção de Calais. A luta estendeu-se a Castela com a França a apoiar o candidato à coroa, D. Henrique, contra D. Pedro aliado de Inglaterra. No terceiro período, após a loucura do rei Carlos VI, os candidatos à regência do trono francês dividem-se em dois partidos (Borguinhões e Armagnacs). Os ingleses, mais uma vez, liquidam a cavalaria francesa em Azincourt (1415), aliam-se com os Borguinhões e entram em Paris. Em 1420 é assinado o tratado de Troyes pelo qual a princesa Catarina (filha de Carlos VI) casa com Henrique V de Inglaterra que é coroado rei de França. Só no quarto período surge entre os franceses um verdadeiro sentimento nacional.
Joana d'Arc vence os ingleses em Orleães, Patay e outros lugares e o rei Carlos VII é sagrado em Reims.
O fim da guerra é marcado pela batalha de Castillon em 1453; apenas Calais permanece em poder dos ingleses. Nenhum tratado foi assinado de forma a assinalar o fim das hostilidades; a Inglaterra entra num período de guerra civil (Guerra das Duas Rosas) ao passo que em França a monarquia sai reforçada pelo sentimento nacionalista e caminha progressivamente para o absolutismo monárquico.
Poderá, enfim, dizer-se que a Guerra dos Cem Anos marca o final da Idade Média e anuncia a Época Moderna.


FORMAÇÃO DAS MONARQUIAS NACIONAIS
Durante o feudalismo, predominava na Europa a autoridade da nobreza e da Igreja. A nobreza impunha uma autoridade de cunho particular, controlando apenas seus feudos. A Igreja irradiava sua autoridade de forma universal, espalhando-a por toda a Europa. O Renascimento Comercial e Urbano originou a necessidade da centralização do poder para unificar os tributos, as moedas, os pesos, as medidas, as leis e mesmo a língua. Esses obstáculos ao desenvolvimento do comércio só poderiam ser removidos por um poder que submetesse a nobreza e exercesse autoridade em regiões bem maiores que a de um simples feudo. O instrumento surgiu com a criação do Estado Moderno, sob forma de monarquias nacionais. A formação dessas monarquias ocorreu sob uma luta de interesses, que aliou o rei e a burguesia contra a nobreza e a Igreja.

MONARQUIA NACIONAL PORTUGUESA
A primeira monarquia nacional a se consolidar na Europa foi Portugal. Foi da luta pela expulsão dos árabes, que desde o século VIII dominavam a Península Ibérica, que nasceu o Estado português. O rei Afonso VI, do reino cristão de Leão e Castela, com o auxílio de nobres franceses, conseguiu vitórias na luta contra os mouros. Doou, como recompensa, ao nobre francês Henrique de Borgonha a mão de sua filha e terras que formaram o Condado Portucalense. O filho de Henrique de Borgonha, Afonso Henrique, em 1139 proclamou-se rei de Portugal, iniciando, assim, a Dinastia de Borgonha.
Na formação da monarquia nacional portuguesa, a nobreza foi obrigada a se unir ao rei para a expulsão dos árabes, o que ocorreu no século XIII.
Também a burguesia comercial portuguesa se fortalecia, já que os portos de Portugal eram pontos de escala das rotas européias. Com o fim da Dinastia de Borgonha, em 1383, a burguesia e a nobreza entrariam em conflito. A burguesia, vitoriosa após dois anos de guerra civil, colocou no trono D. João de Avis, que criaria as condições necessárias para a expansão do comércio.

FORMAÇÃO DA MONARQUIA FRANCESA
Foi na França ocidental, uma das três divisões do Império Carolíngio, pelo Tratado de Verdun, que surgiu a monarquia nacional francesa. No século X terminou a Dinastia Carolíngia e se iniciou a Dinastia Capetíngia, sob a qual seria fortalecido o poder real.
Na luta pela centralização política e expansão territorial, os reis capetíngios enfrentaram a nobreza e a Inglaterra, que possuía vastos territórios ao norte da frança. Mas contavam com o apoio das cidades e da burguesia. Os mais importantes reis capetíngios foram Felipe Augusto, ou Filipe II, Luís IX e Filipe IV, o Belo.
Felipe Augusto organizou o sistema de impostos, um exército permanente e conquistou domínios dos reis ingleses na França.
No governo de Luís IX deu-se um fortalecimento ainda maior do poder real. Foi criada uma moeda padronizada, facilitando o comércio, organizaram-se tribunais reais para uniformizar a justiça e ampliaram-se os domínios da Coroa.
Com Felipe IV, o Belo, o Estado francês entrou em conflito com o Papado, porque o rei queria cobrar tributos do clero francês. Com a morte de Bonifácio VIII, Felipe IV influiu na eleição do novo papa, o francês Clemente V. O Papado se instalou na cidade francesa de Avinhão e a Igreja ficou sob a tutela do poder real.
Durante esses conflitos com a Igreja, Felipe IV convocou, pela primeira vez, os Estados Gerais, assembléia em que estavam representados o clero, e nobreza e a burguesia. Não tinha, porém, poder de decisão.
A monarquia francesa, formada durante a Dinastia Capetíngia, se consolidaria nos séculos XIV e XV, durante a Guerra dos Cem Anos, sob outra dinastia.

FORMAÇÃO DA MONARQUIA INGLESA
Em 1066, na batalha de Hastings, os normandos, comandados por Guilherme, o Conquistador, derrotam a heptarquia anglo-saxônica. A conquista militar fez com que o novo rei normando tivesse muito poder, mais do que os nobres. Dividiu a Inglaterra em condados, cada um com um sheriff por ele nomeado.
Em 1154, o nobre francês Henrique Plantageneta herdou a Coroa inglesa, fundando nova dinastia. Com seus filhos Ricardo I, Coração de Leão, e João Sem-Terra, a autoridade real se enfraqueceu.
Após as derrotas nos conflitos com a França e com o Papado, João Sem-Terra é obrigado pela nobreza inglesa a assinar um documento, a Magna Carta. Por este documento, a autoridade real era limitada. O rei não podia, por exemplo, aumentar os impostos sem a prévia autorização dos nobres.
Em sua oposição ao rei, os barões ingleses, no século XIII, oficializam o Parlamento, que no século XIV foi oficialmente dividido em Câmara dos Lordes (nobreza e clero) e Câmara dos Comuns (cavaleiros e burguesia).
Na Inglaterra, governada pelos Plantagenetas, a burguesia não apóia o rei, em razão dos impostos abusivos e da nova classe social ainda não suficientemente forte.

CULTURA MEDIEVAL EUROPEIA
A ruína do Império Romano do Ocidente não resultou, como já afirmamos, na deterioração cultural. O que houve na verdade foi o surgimento de valores adequados à nova ordem feudal emergente, refletindo a superestrutura do período.
Com o deslocamento da economia da cidade para o campo, houve uma desorganização não só econômica, mas também social e política nos primeiros séculos da Idade Média, fato que inegavelmente afetou a produção cultural e artística.
O campo, ao contrário da cidade, não favorecia o desenvolvimento das artes: não existia ali a efervescência cultural típica dos centros urbanos, nem condições que estimulassem o seu florescimento. Assim, a produção artística desse período apenas refletia a simplicidade e rusticidade do cotidiano dos povos germânicos.
Mesmo as cidades que resistiram à ruína do Império não desenvolveram atividades culturais e artísticas, pois foram ou sedes de bispados, ou centros urbanos onde ocasionalmente os reis se fixavam, como Paris, Reims e Orleans.

NOVA ORDEM CULTURAL
“No século V, existia ainda uma aristocracia culta, bem versada em assuntos artísticos e literários, mas no século VI desaparecera quase completamente; à nova nobreza franca eram inteiramente estranhos os assuntos de educação e cultura”.
(HAUSER, Arnold. História social da arte e da cultura. Lisboa, Jornal do Foro, 1954, p. 211).
Durante o reinado dos merovíngios, não mais havia qualquer instituição educacional, exceto as escolas episcopais, mantidas pelos bispos com o propósito de garantir a continuidade da formação de clérigos, e os mosteiros, onde os monges praticamente se dedicavam apenas a copiar manuscritos antigos. Assim, a Igreja adquiriu, na Alta Idade Média, o controle da educação, sendo o clero a elite intelectual e suas escolas as únicas instituições culturais atuantes na Europa ocidental.
A notável influência da Igreja sobre o pensamento e a cultura medievais apoiou-se em sólidas bases materiais ao longo dos séculos, a Igreja se organizou politicamente, adquiriu inúmeros feudos e ganhou prestígio junto aos reis e à nobreza, além de comandar a mentalidade religiosa popular. Assim, a cultura medieval passou a refletir, de certa forma, o pensamento da Igreja, fenômeno esse conhecido como teocentrismo cultural, isto é, que subordinava o mundo às leis de Deus.
A partir do século X, inaugurava-se uma nova fase histórica, com um período de grande efervescência cultural, devido às transformações econômicas e políticas ocorridas com o renascimento comercial e urbano. O ativo comércio que se estabeleceu entre os europeus e os povos orientais contribuiu para modificar os valores do homem medieval, que, em contato com outras civilizações, passou a valorizar a prosperidade material e a crer numa vida menos subordinada à inquestionável “vontade divina”.
Ainda que a Igreja, por meio das ordens monásticas, continuasse direcionando a produção cultural, as cidades passaram a ter importância como centos irradiadores dos novos valores culturais, desvinculando-se pouco a pouco do dogmatismo religioso.

EDUCAÇÃO
O renascimento das atividades comerciais e a prosperidade dos centos urbanos estimularam também o desenvolvimento intelectual. As universidades proliferaram, pois para a burguesia o conhecimento passou a ser indispensável à plena realização de seus negócios. No decorrer do século XII, as escolas, muitas delas fundadas durante o período carolíngio, tornaram-se excelentes centros de ensino, cujas disciplinas continuavam sendo as mesmas da época de Carlos Magno. O curso era composto pelo trivium, em que se ensinava Gramática, Retórica e Lógica; e pelo quadrivium, que iniciava o aluno em Aritmética, Geometria, Astronomia e Música.
Depois de completar o curso básico (trivium e quadrivium), os alunos podiam preparar-se profissionalmente em escolas de “artes liberais” ou em faculdades de Medicina, Direito ou Teologia.
Supõe-se que a primeira universidade européia tenha sido a da cidade italiana de Salermo, cujo centro de estudos remonta ao século XI. As universidades de Bolonha e de Paris, ambas do século XII, estão também entre as mais antigas. Nos séculos seguintes, muitas outras surgiram, como as de Oxford, Cambridge, Montpellier e Coimbra.
O dinamismo cultural da Baixa Idade Média foi marcante, tanto que no século XIII a Universidade de Paris contava com mais de 20 mil alunos e, no final do período, a Europa possuía certa de 80 universidades, denotando o emergente renascimento cultural.

FILOSOFIA
O pensamento filosófico da Idade Média, intensamente influenciado pelo Cristianismo, em alguns momentos confundiu-se com a Teologia, amparando-se na fé e em dogmas religiosos. Durante a Alta Idade Média o grande teólogo foi Santo Agostinho, um dos doutores da Igreja, responsável pela síntese entre a filosofia clássica - a platônica - e a doutrina cristã. Segundo a teologia agostiniana, a natureza humana é, por essência, corrompida, estando na fé de Deus a remissão, a salvação eterna. As principais obras de Santo Agostinho são Confissões e Cidade de Deus.
Essa visão pessimista em relação à natureza humana foi substituída na Baixa Idade Média por uma concepção mais otimista e empreendedora do homem, com a filosofia escolástica, que procurou harmonizar razão e fé, partindo do pressuposto de que o progresso do ser humano dependia não apenas da vontade divina, mas do esforço do próprio homem. Essa atitude refletia uma tendência à valorização dos atributos racionais do homem, não devendo existir conflito entre fé e razão, pois ambas auxiliavam o homem na busca do conhecimento.
O grande mérito dos escolásticos, considerados os precursores do humanismo, foi restituir ao homem medieval a confiança em si próprio e em sua capacidade de inquirir, raciocinar e compreender. O filósofo escolástico Pedro Abelardo (1079-1142), por exemplo, no prefácio de sua obra Sic et non (Sim e não), demonstrava claramente suas convicções acerca da importância do raciocínio crítico: “Pois a primeira chave da sabedoria é chamada de interrogação. (...) Pela dúvida, somos levados à investigação e pela investigação conhecemos a verdade.”
Todavia, se por um lado a escolástica valorizou a razão e substituiu as idéias agostinianas, de predestinação pela concepção de livre arbítrio, isto é, de capacidade de escolha, por outro deixou para o clero o papel de orientador moral e espiritual da sociedade, condicionando assim a liberdade de escolha às concepções da Igreja. Desse modo, ao mesmo tempo que buscava assimilar as transformações sociais, tentava preservar os valores do mundo feudal decadente, assegurando a supremacia de sua mais poderosa instituição - a Igreja.
São Tomás de Aquino (1225-1274), professor da Universidade de Paris, foi o mais influente filósofo escolástico. Inspirado na teologia cristã e no pensamento de Aristóteles, elaborou a Suma teológica, obra em que discorria sobre os mais diversos assuntos, como religião, economia e política. O pensamento de São Tomás constituiu poderoso instrumento de ação do clero durante a Baixa Idade Média.
Embora aceitasse as atividades comerciais, o tomismo - a doutrina escolástica de São Tomás - reprovava a “ambição do ganho”, condenando como pecado a usura (empréstimos de dinheiro a juros) e qualquer transação em que os comerciantes obtivessem “mais do que o justo pelo seu trabalho”.

USURA
“Cobrar juros era totalmente errado - dizia a Igreja. Isso é que ela dizia. O que dizia e o que fazia, porém, eram duas coisas totalmente diferentes. Embora os bispos e reis combatessem e fizessem leis contra os juros, estavam entre os primeiros a violar tais leis. Eles mesmos tomavam empréstimos, ou os faziam, a juros - exatamente quando combatiam outros usurários!(...)."
(HUBERMAN, Leo. op. cit., p. 48).
Entretanto, essa postura não era compatível com a expansão comercial e com a maior importância adquirida pela moeda. Dessa forma, lentamente, a doutrina da Igreja abriu concessões às imposições dos novos tempos: “A usura é um pecado - mas, sob certas circunstâncias...” ou, então: “Embora seja pecado exercer a usura, não obstante, em casos especiais...”
(HUBERMAN, Leo. op. cit., pg. 48).

LITERATURA
Até meados do século X, o latim constituiu a única língua culta da sociedade européia ocidental. Utilizava-se o latim na celebração das cerimônias religiosas e na redação de documentos oficiais ou de obras literárias. As línguas vulgares, em que se expressavam oralmente os vários povos, constituíam uma fusão do latim com as línguas bárbaras. A partir do século XI, os idiomas nacionais foram se desenvolvendo, passando a ser utilizados também a forma escrita. Assim, as línguas nacionais francesa, inglesa, alemã, italiana e espanhola tornaram-se um meio de expressão cada vez mais difundido, e a atividade literária refloresceu.
Uma das primeiras manifestações literárias em língua nacional foi a poesia épica, que descrevia uma sociedade feudal viril, mas sem refinamento. Seus temas, assim como seus personagens, eram essencialmente masculinos: a bravura, a destreza com as armas, a lealdade dos cavaleiros a seu suserano. os mais importantes poemas épicos medievais são a Canção de Rolando (francesa), o Poema do Cid (espanhol), e a Canção dos Nibelungos (alemã).
O século XII inaugurou uma nova fase da poesia medieval: o trovadorismo. A poesia trovadoresca, ou cortês, surgiu na Provença, região sul da França, de onde se expandiu para outras regiões da Europa. Cultivada especialmente pela nobreza, era produzida pelos trovadores e, embora o poeta louvasse em seus versos o heroísmo da cavalaria, seu tema predileto era o amor, sobretudo o amor dos amantes, oprimido pelas convenções sociais. Ao contrário da velha poesia épica, que se limitava a exaltar as virtudes do guerreiro, a poesia cortês louvava a mulher, o refinamento de maneiras, a cortesia, a galanteria.

TROVADORES
Os trovadores eram quase sempre, os maiores expoentes da cultura cavalheiresca. Entretanto, embora
freqüentassem as cortes, muitos deles tinham origem humilde. Todavia, graças ao seu talento, podiam se elevar ao grau de cavaleiros. Alguns eram, de fato, cavaleiros de nascimento, mas empobrecidos devido à prática do direito de primogenitura, que os privava da herança paterna. Esses cavaleiros sem recursos colocavam-se, então, a serviço da corte de algum grande senhor ou perambulavam por toda parte, recorrendo para sobrevier ao ofício de poetas ou cantores. Havia, ainda, trovadores não-profissionais, pertencentes à alta nobreza, como condes, duque e até mesmo príncipes e reis.
Os amores e os feitos heróicos da aristocracia constituíram ainda o tema dos primeiros romances medievais. São famosos os do ciclo da Távola redonda, que relatam as aventuras do lendário rei Artur e de seus cavaleiros. Nos romances que compõem esse ciclo acham-se reunidas as temáticas das poesias épicas e trovadoresca: valores como a bravura e a lealdade fundem-se a atitudes corteses e a sentimentos como o amor. Embora a narrativa desses romances seja ambientada na Inglaterra e seus personagens sejam ingleses, as primeiras obras desse ciclo foram escritas por franceses.
No século XIII, os burgueses já haviam adquirido suficiente poder e prestígio, alcançando uma posição social de destaque, às vezes até superior à dos senhores feudais. Naturalmente, a ascensão econômica e social da burguesia estimulou o surgimento de novos padrões literários, que atendiam ao gosto dessa classe emergente. Assim, a literatura de exaltação dos ideais da nobreza foi sendo substituída por uma “literatura das classes urbanas”.
Entre os exemplos mais interessantes da literatura urbana estão os fabliaux. Em versos espirituosos e cheios de malícia, essas pequenas histórias zombam dos tipos sociais e dos costumes da época, atacando principalmente o clero decadente e a cavalaria, com seu ultrapassado romantismo.
Também a literatura produzida pelos poetas goliardos - cujo nome deriva do fato de eles se auto-intitularem discípulos de Golias - satiriza a sociedade da época, especialmente o clero. Os goliardos parecem ter sido, em sua maior parte, estudantes pobres das instituições eclesiásticas que, não podendo completar seus estudos, abandonavam as escolas, dedicando-se freqüentemente à atividade de poetas e comediantes. Eram considerados pela Igreja poetas dissolutos, que valorizavam apenas os prazeres da bebida, do jogo e do amor profano.
Pouco restou da poesia dos goliardos. Constituem raros exemplos de sua produção os 25 poemas-canções de um manuscrito encontrado em meados do século passado no mosteiro de Benediktbeuern, pequena cidade da Alemanha. Profundamente impressionado por esses poemas, o compositor alemão Karl Orff (1895-1981) os reelaborou em sua obra Carmina Burana (“Canções de Burana” - Burana é a palavra latina usada para designar a região de Benediktbeuern).
A produção literária dos goliardos denota o conhecimento que tinham da língua culta e da liturgia cristã: gostavam de ridicularizar o ritual católico criando, em latim, poemas que parodiavam os salmos e hinos religiosos. Assim, um hino à Virgem cujas primeiras palavras fossem Verbum bonun et suave (Palavra bondosa e benévola) transformava-se em uma canção de brinde iniciada com o verso Vinum bonum et suave (Vinho bom e delicado).
A produção literária dos últimos tempos da Idade Média apresentou fortes traços humanistas. Influenciada pela filosofia escolástica e pelo estudo dos clássicos, desenvolvido nas universidades, a literatura medieval dos séculos XIII e XIV já prenunciava o Renascimento. Entre as maiores realizações desses séculos, constam duas obras extremamente importantes: o Romance da rosa e a Divina comédia.
O Romance da rosa compreende duas partes profundamente distintas entre si: a primeira delas constitui uma espécie de tratado sobre o amor cortês e a segunda parte reflete os ideais da burguesia, desdenhando os valores da aristocracia feudal, da Igreja e de outras instituições da época. Assim, analisando em seu conjunto, o Romance da rosa oferece um vasto panorama da sociedade do final da Idade Média.
A maior obra da literatura medieval é, sem dúvida, a Divina Comédia, escrita por Dante Alighieri (1265-1321), pensador e político italiano. A obra constitui-se de um extenso poema em que o próprio autor relata sua viagem pelo Inferno, Purgatório e Paraíso. Ao longo dessa viagem imaginária, Dante encontra diversos mortos ilustres, do passado ou de sua época, e faz reflexões sobre a fé e a razão, a religião e a ciência, o amor e as paixões. A obra-prima de Dante constitui um quadro completo da cultura dos fins da Idade Média.

A COMÉDIA E SEU AUTOR
“Dante deu simplesmente o nome de Comédia à sua obra principal, mas seus admiradores, durante a Renascença italiana, sempre se referiam a ela como Divina comédia, e foi esse o título com que chegou até nós(...) Dante era, sob muitos aspectos, um humanista. Experimentava o mais vivo prazer com o convívio dos autores clássicos; quase adorava Aristóteles, Sêneca e Virgílio. Preferiu Virgílio a qualquer teólogo cristão para personificar a filosofia e deu a outros pagãos ilustres um lugar muito confortável no Purgatório. Por outro lado, não hesitou em colocar no Inferno vários papas eminentes”.
(BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. v. 1, 22. ed. Porto Alegre, Globo, 1978, p. 385).

MÚSICA
Na Alta Idade Média, como os beneditinos consideravam a Música uma das artes mais nobres, incluíram-na no quadrivium. O canto passou também a fazer parte dos cultos religiosos, graças ao papa Gregório Magno (590-604), daí derivando o nome - canto gregoriano - com que ficou conhecido esse gênero musical nos séculos seguintes.
Na Baixa Idade Média propagou-se a canção, música profana cantada não só por nobres, durante as festas em seus castelos, mas também pelo povo, nas ruas. A canção foi difundida por trovadores e menestréis, músicos de vida desregrada que tocavam harpa ou viola, e pelos dançarinos.
No final do século XII surgiu nas Igrejas a Ars Antique, que fundia a música religiosa com a profana, resultando na polifonia, movimento que perdurou até a metade do século XIV. Substituído pela Ars Nova, o pré-Renascimento na música, o profano sobrepôs-se ao religioso, predominando a liberdade na melodia e no texto, características que marcariam a Renascença.

ARQUITETURA
Na arquitetura medieval, as igrejas constituíram suas mais eloqüente manifestação. Dois grandes estilos arquitetônicos desenvolveram-se então: o românico e o gótico.
O estilo românico utilizou elementos arquitetônicos dos romanos e teve seu apogeu no século XI, aparecendo em construções de mosteiros, castelos e igrejas. Refletia o mundo feudal teocêntrico: o castelo representava a segurança terrena (o feudo), e a catedral (fortaleza de Deus), a segurança espiritual, ou seja, enfatizava-se ao mesmo tempo o poderio da nobreza e da Igreja.
A construção românica é maciça, pesada, de linhas simples, cobrindo uma área extensa cujo traço predominante é a horizontalidade. Em virtude da pequena quantidade de janelas, seu interior e sombrio, criando uma atmosfera de segurança e tranqüilidade, propícia à submissão e à devoção.
O florescimento do gótico, originário da região de Paris, esteve intimamente ligado à prosperidade da economia urbana e ao desenvolvimento do conhecimento. Enquanto a igreja românica havia sido fruto da criação das comunidades rurais dos monges, típicas da Alta Idade Média, a catedral gótica representava a obra da cidade e dos artífices das corporações de ofício, refletindo a mentalidade da Baixa Idade Média.

FRANÇA: O GRANDE CENTRO CULTURAL
No século XIII, o norte da França constituía o maior centro de cultura da Europa. Nas escolas do norte francês, principalmente em centros urbanos como Chartres, Reims e Paris o currículo tradicional das sete “artes liberais” incluía um amplo estudo dos clássicos gregos, dos tratados lógicos de Aristóteles, que inspiraram a filosofia escolástica, e das obras de matemáticos como Euclides. No final desse século, o uso da geometria euclidiana, fundamental para o desenvolvimento da arquitetura gótica, já se tornara rotineiro nas oficinas dos pedreiros e construtores.
Comparadas à maciças e sombrias igrejas românicas, as catedrais góticas são leves e graciosas. Essas construções imponentes, cujas torres se projetam para o céu, revelam o conhecimento técnico de seus idealizadores. As catedrais, de estrutura vertical, elevaram-se a alturas até então inconcebíveis. Suas espessas paredes abriam-se em imensas janelas, que, adornadas de vitrais, permitiam que o interior fosse invadido por luzes multicoloridas, dando-lhe nova dimensão e significado.
A catedral gótica, banhada de luz e cor, decorada com pinturas e esculturas, significava mais do que um templo para o homem medieval: era também sua escola, sua biblioteca, sua galeria de arte, o ponto de encontro de uma próspera sociedade. Os burgueses não entravam na catedral apenas para rezar; ali se reuniam em suas confrarias para realizar as assembléias civis. Era a casa do povo, o próprio coração da cidade, representando ao mesmo tempo o seu poderio e o da Igreja. Evidenciavam-se na arquitetura gótica as transformações da Baixa Idade Média.

CIÊNCIA
Ao contrário da teologia, as ciências não avançaram muito no mundo medieval, especialmente durante a Alta Idade Média. Enquanto as civilizações sarracena e bizantina, apoiadas no legado oriental, desenvolviam amplos estudos de Astronomia, Matemática, Física e Medicina, a sociedade européia, influenciada pelo Cristianismo, mergulhava em profundo misticismo. A Igreja repudiava qualquer manifestação de pensamento que colocasse em risco convicções religiosas, impondo, dessa forma, barreiras à indagação científica.
Um exemplo da repressão da Igreja aos avanços científicos é o caso de Roger Bacon (1202?-1292?), um dos mais famosos cientistas medievais, defensor do método experimental e autor de diversos trabalhos no campo da Óptica e da Geografia, que foi condenado a morrer na fogueira pela Santa Inquisição.

O SANTO OFÍCIO
Desde a sua criação, em 1223, os tribunais de inquérito da Inquisição, ou Santo Ofício, passaram a reprimir qualquer manifestação de pensamento contrária às normas e valores preconizados pela Igreja, condenando os transgressores, muitas vezes, à morte.
Se, por um lado, a Inquisição foi um símbolo da força da Igreja, por outro revelou seu esforço em manter a qualquer preço uma estrutura já decadente, à qual se opunham as novas forças sociais, anunciadoras dos Tempos Modernos.
O renascimento comercial e urbano, porém, abriu novas perspectivas para ciência. Com a expansão do comércio no Mediterrâneo, restabeleceram-se os contatos com o mundo árabe, e a Europa cristã teve contato com a Medicina, e Astronomia, a Matemática, podendo a partir daí resgatar conhecimentos da Antigüidade Clássica. No século XIII prosperavam as universidades e toda a Europa empenhou-se em adquirir conhecimentos, tendência que a Igreja já não podia sufocar.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA RECOMENDADA

LIVROS

AQUINO, Rubim Santos Leão e outros. História das Sociedades: Das Comunidades Primitivas às Sociedades Medievais. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico S.A., 1987.

_____________. História das Sociedades: Das Sociedades Modernas às Sociedades Atuais. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico S.A., 1990.

ARRUDA, José Jobson de A. História Antiga e Medieval. São Paulo, Ed. Ática, 1991.

______________. História Moderna e Contemporânea. São Paulo, Ed. Ática, 1988.

BURNS, Eduard McNall. História Moderna e Contemporânea. Porto Alegre, Ec. Globo, 1968. 2v.

CAMPOS, Raymundo. Estudos de História Moderna e Contemporânea. São Paulo, Ed. Atual, 1990.

CHESNEAUX, J. A Ásia Oriental nos séculos XIX e XX. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1976.

COTRIM, Gilberto. História Geral. São Paulo, Ed. Saraiva, 1991.

CROUZET, Maurice. História Geral das Civilizações. Trad. Port., São Paulo, Difel, 1963. 17v.

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MELLO, Leonel Itaussu A. e COSTA, Luís César Amand. História Antiga e Medieval. São Paulo, Ed. Scipione, 1993.

_____________. História Moderna e Contemporânea. São Paulo, Ed. Scipione, 1990. PAZZINATO, Alceu Luiz e SENISE, Maria Helena Valente. História Moderna e Contemporânea. São Paulo, Ed. Ática, 1992.

PETIT, Paul. História Antiga. São Paulo, Difel, 1971.

VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo, Ed. Scipione, 1993.

PERIÓDICOS

O Estado de São Paulo – ISTO É

O Globo – VEJA

Zero Hora – Superinteressante

A Folha de São Paulo - Época

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